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13 de fevereiro de 2011

Um novo homem

Não sei como lhe dizer. Mas o fato é que estou me sentindo um bocado confortável nessa cela. Por essa janela e por essas grades eu posso ouvir e até enxergar os outros iguais. Apesar de não acreditar no que eles dizem e principalmente no que meus olhos vêem. Só espero que eles estejam aproveitando suas estadias por aqui também. Eu estou satisfeito com a comida deixada sobre esse chão infectado. Saboreio o mesmo prato todo dia, lentamente, pensando em como é bom servir para alguma coisa. Respeitar a Justiça, andar pelas estradas do Bem, evitar as encruzilhadas do Mal – enquanto todos esses ratos vão zanzando pelos cantos e essas baratas vão subindo pelas paredes infiltradas. Tudo isso faz parte do meu cenário natural. Peço a Deus para que não se espante. Todos esses estados se agregam e desfilam nas passarelas do meu esquema sobrenatural. Tomo água, fumo meus cigarros, leio alguns livros, escrevo essas besteiras que você se dispõe a ler. Tenho meus confortos e nem faço muito esforço. É questão de merecer. É interessante frisar. Eu estou me realizando nessa nova empreitada. Sempre que sou ferido, logo me dão drogas para me anestesiar e voltar a lutar. Meus amigos são divertidos à beça, e, antes de dormir, falam com sinceridade sobre seus projetos de enriquecer. Eu me levanto bem cedo, visto uma roupa que não me faça parecer menos feliz e vou trabalhar. Produzir aquilo tudo que você compra para manter-se firme e sempre bem forte para continuar na disputa. Afinal, nessa luta, o que está em jogo é muito mais do que um simples beijo da princesa da ocasião. A sua advertência não me bastou. Eu precisava me superar. Talvez por isso tenhamos trocado as mãos, suspeitando que o suor de uma estivesse desagradando à outra. Chega a ser embaraçoso dizer, mas tenho de lhe mostrar o quanto estou feliz por pertencer a essa raça superior. Tenho com quem conversar e, desde há alguns dias, estão aparecendo várias mesas reservadas onde posso me sentar e me desentediar. Há um fingimento adocicado por aqui. Ele me respeita e está na estrutura de todas as coisas. Concede energia para a matéria em competição. É muito bom sobrevoar as florestas da deselegância quando se está em frente aos portões do Belo. Velejar sobre as enxurradas da miséria quando se tem em quem acreditar. Essa religião não tem me deixado cair. Vou logo lhe comunicando. Seus alicerces são respaldados pela História e meus comparsas me ajudam a interpretá-la. Eu estou bem – velha amiga – suas palavras não significam nada frente às Leis do nosso Agora. Integrado, me deito e durmo com a consciência tranqüila. Não posso estar errado junto de toda dessa gente que canta e dança sem parar. Fecho minha janela e cubro o meu rosto. Não quero ouvir o vento essa tarde e nem saber a que horas a noite irá chegar. Espero que me compreenda. Tenha bons sonhos você também.

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