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30 de março de 2014

Conhecimento

Cidadãos do mundo
Não precisam gostar de tudo e de todos
Cidadãos do mundo
Alguma seletividade podem exercer
E sobre certas situações, pessoas ou objetos
Indiferentes também conseguem permanecer
Cidadãos do mundo
Podem conhecer só uma parte deste todo
Através de suas interpretações
E dos debates comprometidos
Descobrir os indícios
Expor os registros
De nossos hábitos e costumes
Entre as várias e vastas outras culturas
Que compõem ou já compuseram
Nossos próprios e também outros modos de viver
Cidadãos do mundo
Só são cidadãos do mundo quando
Entendem-se e estendem-se
Além de seus pareceres
Compreendendo a si mesmos
Conforme vão juntando elementos
Sobre onde
Há quanto tempo
Com mais quem
Por quê vivem e se relacionam
E quais os motivos
Individuais e coletivos
Corporais e adaptativos
Que os levam a conhecer...

19 de março de 2014

O sonho de Zuleica

Zuleica achava-se feia. E não havia um dia em que deixava de se imaginar assumindo outra aparência. Zuleica trabalhava numa fábrica de costura. E como lhe era difícil lidar com as contas que só cresciam no comércio. Quem dera lhe sobrasse um pouco de tempo para se cuidar e então viver como todas aquelas mulheres que lhe falaram serem tão belas! Seus filhos sempre lhe davam mais e mais despesas. O caçula, este mês, fizera a gentileza de quebrar um dos vidros do colégio e o diretor chamou-a para lhe entregar a nota com mais um valor a diminuir do seu já comprometido orçamento. Seus maridos não quiseram nem saber. Deixaram-na sozinha com os meninos e também com suas manias de grandeza. Desse jeito, pensava ela, seria quase impossível conseguir juntar algum dinheiro para, enfim, satisfazer-se. Sacrificava-se, pensando em como encontraria uma saída para o seu desespero. Zuleica sonhava junto de suas amigas na empresa. Viam-se, então, saindo de uma clínica com outros corpos. Outros homens, com outros olhos, a lhes perceberem. Costuravam e sonhavam. Dia após dia, novas velhas encomendas que lhes faziam correr. Começavam cedo e de lá só saiam quando o dia não lhes deixava mais a menor leveza. Rugas apareciam cada vez com mais frequência e eram notadas como castigos destinados somente às suas existências. Zuleica queixava-se à sua mãe, alegando que não aguentava mais o emprego. A mãe ralhava, mostrando que não havia outro jeito. Não era este serviço mais leve que o que havia deixado no abatedouro onde tinha trabalhado durante tanto tempo?! Zuleica consentia; afinal, tinha os pequenos, sua juventude dançando pelas veias. Como mãe solteira, impunha-se toda a culpa por não ter sido mais esperta. Responsabilizava-se por ter se envolvido com aqueles tipos de sujeitos. Não se perdoava e os seus erros foram se transformando em armas sempre apontadas e disparadas voluntária ou involuntariamente contra si mesma. Zuleica, no entanto, apaziguava seus anseios. Cozinhava em fogo brando os sonhos que desde pequena vinha tendo. Ainda se lembrava das antigas brincadeiras. Das cenas dos filmes e das telenovelas que com ela muito mexeram. Dos garotos que namorara e que acreditava que iriam cobri-la de carinhos e de presentes. Onde estariam eles? Quando encontraria um verdadeiro companheiro? Alguém que lhe tratasse com algum respeito? Mudaria mesmo que isso lhe custasse o mais alto preço! E assim, buscando uma solução, encheu-se de novos problemas. Dias na fábrica, noites em claro, homens que mais uma vez só se importavam consigo mesmos. Zuleica trabalhou arduamente, esquecendo-se do que tinha por dentro. Com o dinheiro economizado com os programas, marcou uma consulta e lá foi ela explicar ao doutor o que desejava que fosse feito. Pago o preço, assinado o termo, deitou-se na mesa de cirurgia e de lá saiu outra, realmente. Acabou com o rosto enfaixado, o corpo todo inchado, sendo por fim encaminhada para ser identificada e velada, enterrada e lamentada por todos aqueles que há tempos não a viam assim tão de perto.

17 de março de 2014

Tão perto

Palavras
Complementam os gestos
Na expressão dos sentimentos
Imagino outros tempos
De ruídos e de outras conversas
Linguagens as mais diversas
Misturo as ideias que hoje tenho
Comparo minhas abstrações
Simbolizando
Percebo
Canais construídos
Evitados por medo?!
De quê?! De quem?!
Desinteresse?!
Estática curiosidade?
Por quê?!
Compromisso
Afinal, para quê?
Forças internas e externas
Que não são neutras
Respondem evitando
A expansão dos conhecimentos
Ironias dos destinos?!
Pensamentos são tormentos?!
Escolhas que se esquivam dos treinos
Motivados instintivamente
Inevitavelmente
Criamos valores
Avaliamos comportamentos
Fazendo tudo o que podemos
Na luta diária
Chamamos de nomes conhecidos
Pessoas e atos
Situações ou objetos
Parecidos
Mas que ainda não conhecemos.

[Escrito na terra dos estudantes
Que perceberam que da rebeldia precisavam
Para encontrarem-se um pouco vivos
Antes de se assumirem como seres viventes]