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28 de fevereiro de 2011

As viagens de Gulliver - Jonathan Swift [1726]


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– Hei, por que você está assim?!
– Assim, como?!
– Olhando como se não estivesse aqui?
– Não faz sentido!
– Sentido?!
– Não faz um único sentido!
– Você não está pensando em...
– Estou! Por quê?
– Sei o que você deve estar sentindo.
– Como assim?! Você nem me conhece!
– Acho que já te vi passar algumas vezes pelas ruas.
– Isso não te torna um amigo!
– Sei disso.
– Então... Até mais!
– Como assim, até mais?!
– Até mais!
– Não... Eu não vou embora!
– Por quê?!
– É que eu quero saber mais.
– Saber mais?!
– Não posso saber?!
– Não! Deixe-me em paz!
– Não quero ir embora!
– Mas eu quero!
– Você está chateado com alguma coisa?
– Só quero me matar, cara, dá o fora daqui!!!
– Não, o que é isso... Não vou perder mais essa!
– Amigo, vá fazer o que você estava fazendo!
– Não esquenta não, cara... Eu tenho tempo.
– Mas eu não!
– Você não está achando um sentido, é isso?
– Exatamente!
– E, por esse motivo, você acha que o melhor é se matar?
– Exatamente!
– Só por isso?!
– É... Só por isso!!!
– Deve haver uma razão, um sentimento, alguma coisa...
– Não posso viver sem, mas também não consigo aceitar esse mundo!
– Ah... Aceitar... É difícil mesmo... Talvez você...
– É, aceitar! Você aceita o seu?
– Não, mas... Você não tem espelho, não?
– Como assim?!
– Você ainda não se tocou de que já está morto?!
– Morto não sente dor! Morto não pensa sobre isso o dia todo!
– Ah, então você está tentando deixar de sentir e de pensar, é isso?
– Pensando bem, é isso mesmo!
– Siga em frente, finja que eu nem estou aqui!
– Como, se você continua aqui?
– Ora, dê um jeito!
– Jeito?! Você deve ser maluco!
– É, cara, se mata vai, eu quero ver!!!
– Eu... Eu cheguei aqui primeiro!
– Esse é um lugar público!
– Só que eu já estava aqui bem antes de você!
– E daí?!
– Que merda, nem pra morrer a gente tem um pouco de espaço!!!
– Olha, eu estava passando por esse lugar, vi você de longe e não ia desviar o meu rumo só porque a vossa senhoria já estava aqui, pensando em se matar.
– Cara, dá um tempo, você está sendo muito enxerido!
– Enxerido?!
– Você não sabe o que isso quer dizer?!
– Sei e é por isso que não entendo!
– Bem-vindo!
– Bem-vindo?! Como assim?!
– É... Bem-vindo! Você também não entende!
– Olha, eu só quero ter o meu direito.
– Direito?!
– É... O meu direito de ir e vir, de ver e às vezes até de conversar com caras como você.
– Caras como eu?!
– É... Ou você pensa que é o primeiro a ter essa idéia genial?!
– Você é pirado, cara! Vá procurar ajuda!
– Eu já procurei... Sabe, ontem vi um cara, como você, fazendo a mesma coisa.
– Ele... Ele conseguiu?
– Foi muito rápido. Ele veio decidido.
– Você viu?!
– Claro que vi! Quase toda semana vejo pelo menos um.
– Então... Eu também vou conseguir!
– Espero que sim!
– Pô, cara, vá procurar a sua turma! Eu preciso ficar sozinho!!!
– Pensei que você se sentisse assim.
– O problema é sentir e não poder prosseguir!
– Acho que te entendo, cara!
– Você também sente isso?!
– Claro! Sentir, querer, e, não conseguir...
– Não se integrar...
– É... Eu sei...
– Bom, mas eu já me decidi.
– Você não parece nem um pouco decidido.
– Não pareço, mas estou!
– Se você quer uma segunda opinião eu posso chamar mais alguém...
– Não, obrigado, já tenho a minha opinião!
– Tudo bem. Então, você vai fazer agora?
– Agora! Quero dizer, assim que você me deixar em paz!
– Você, em paz?!
– Vou chamar a polícia, cara! Você está invadindo minha privacidade!
– Privacidade?! Você acha que alguém tem privacidade hoje em dia?!
– Deveria ter!
– Mas não tem!
– Pois, então, me deixe desfrutar da minha, por favor!!!
– Desfrutar?!
– É... Isso é um direito conquistado!
– Você acredita em justiça?!
– Sempre procurei ser justo!
– Talvez esteja aí uma parte do seu problema.
– Ah... O que você quer dizer?
– A maioria das pessoas só pensa em justiça, não sente a necessidade...
– É, pode ser.
– Quase tudo virou uma obrigação, não se sabe, mas se age assim mesmo...
– As coisas perderam o seu sentido...
– Lá vem você falar em sentido de novo!
– Você tem um sentido para a sua vida, por acaso?
– Eu não! Cansei de procurar por um.
– Então... Como consegue viver?!
– Eu não consigo, simplesmente nasci assim... Vivo!
– Você não passa de mais um covarde, assim como eu.
– É... Talvez eu seja isso mesmo.
– Já pensou em...
– Claro que já pensei, até já vim aqui para fazer isso, como você!
– E... Não conseguiu?
– Não. Resolvi deixar pra lá.
– Deixou pra lá, simplesmente?!
– É... Deixei.
– E você nem pensa mais sobre isso?!
– Claro que penso. Todo dia eu considero essa alternativa.
– Então, você encontrou um sentido.
– Não. Eu achei que tinha encontrado, mas não encontrei nada.
– Tá vendo...
– Cara, você deve ter alguém que goste realmente de você...
– Não tenho ninguém!
– Ninguém?!
– É... Ninguém!
– Você já amou alguém?
– Claro que amei... Ainda... Amo.
– E esse alguém não te ama?
– É... Esse alguém disse que me amava também.
– Disse que te amava?! Você não sabe se ela te ama ou não?!
– Não sei... A gente não... Cara, dá o fora daqui! Eu não quero falar sobre isso!!!
– Mas você já está falando.
– Estava falando!
– Eu também acho que o amor...
– Que amor?! Ninguém ama ninguém, não! É tudo uma grande farsa!!!
– Então, você nunca amou!
– Amo... Quero dizer, amei!
– Vocês não se entenderam?
– É... A gente é... Já passa da meia-noite, você não tem casa, não?
– Já tive.
– E onde você mora, então?!
– Eu vivo por aí.
– Como assim, por aí?!
– Por aí, oras! Você nunca me viu?!
– Você não tem onde dormir?!
– Claro que tenho! Durmo por aí.
– Então, você também veio aqui para...
– Não, eu vim aqui porque sempre tem alguém querendo se...
– E você se contenta, fica feliz em ver?!
– Não, que idéia a sua! Você deve estar muito mal mesmo, hein!
– Desculpe-me!
– Tudo bem!
– Você vem aqui para quê, então?
– Para conversar.
– Conversar?!
– É... Conversar! Não reparou que nós estamos conversando?!
– Sim, reparei, mas por quê?
– Por que, o quê?
– Por que você gosta de conversar com quem está querendo morrer?!
– Ora, isso é muito pessoal! Agora é você que está sendo enxerido!
– Tudo bem, mas você pode me dar licença, por favor?
– Claro que não!
– Mas você é teimoso, hein!
– Se sou! Se não fosse, já estaria morto.
– Mas você também não me parece nem um pouco bem...
– Tá bom... Eu também não estou legal, mas isso não me faz querer morrer.
– Mas você já tentou e sempre pensa nisso!
– Já tentei e penso sobre isso todo santo dia! Pra mim, é fundamental!
– Pois, então...
– Então, o quê?
– Você não quer me ajudar e se ajudar?
– Olha, cara, me tira dessa, tá!
– É só você me dar uma mãozinha...
– Nem pensar!
– Por quê?
– Não me sinto bem ajudando as pessoas com isso. Elas são muito capazes!
– Mas... Eu estou lhe pedindo.
– Tanto faz. Acho... Acho que já vou indo.
– Não... Por favor, espera aí!
– Tenho algumas coisas pra fazer ainda hoje à noite.
– Coisas?! O que, por exemplo?
– Isso é muito pessoal, já te disse!
– Pessoal?!
– É... Tão pessoal como a sua decisão sobre a sua vida.
– Desculpa aí, então, senhor Razão!
– Ora... Deixe-me em paz!
– Ah... Agora é você que quer ficar em paz?
– Sim, agora sou e sei que você não vai me deixar.
– Exatamente!
– Você tem todo o direito!
– Então, você acredita em direitos?!
– Às vezes... Quando eles vêm de uma necessidade real, quando já existem no coração e não precisam de qualquer tipo de recompensa ou punição para fazer com que os homens os respeitem.
– Você deve ser mais um desses que negam a natureza, a cultura, a razão e a sensibilidade...
– Nada disso! Não nego, só não as encontro dentro das pessoas.
– Então, você também concorda que está perdido?
– Claro que concordo! Nunca me vi de outra maneira. A não ser quando...
– Quando?
– Ora, deixe pra lá!
– Não, agora sou eu que quero saber mais!
– Tá bom! A não ser quando vivi com alguém que...
– Mas... Você disse que não tem nem onde morar...
– E não tenho mesmo.
– Qual o sentido, então?!
– Não há sentido. Já houve... Só isso!
– Você nunca tentou voltar?
– Claro que tentei, mas...
– Mas?
– Olha, vamos mudar de assunto, você não ia se matar?
– Eu vou!
– Então, estou esperando... Não posso ficar aqui a noite toda!
– Não vou te dar mais esse gostinho! Vá assistir à televisão, cara! Ela sempre passa esse tipo de notícia! Eles acham que a gente precisa de mais!
– É... Eu sei, mas não estou procurando notícias. Quero ver os fatos, chegar à raiz!
– Acho que te entendo.
– Você nem me conhece!
– É verdade.
– Então?
– Então, o quê? Você não vai se jogar daqui?
– Que se jogar, que nada! Olha só o que eu trouxe!
– Uma arma, que legal! Você vai mesmo apontar para si mesmo e puxar o gatilho?!
– Claro que vou! Assim que estiver sozinho!!!
– Ah, cara, corta essa! Eu quero e vou ver!!!
– Nem pensar!!!
– Isso é que é conflito! Um quer e o outro não!
– Exatamente!
– Bom, então eu já vou indo.
– Tem certeza?
– Claro! Você não quer que eu veja, mas quer fazer!
– Não estou mais certo se é isso mesmo o que eu quero...
– Então, você está desistindo?!
– É... Acho que sim.
– Que pena!
– Até mais, então!
– Como assim, até mais?!
– Até mais... Eu vou pra minha casa e você vai fazer o que estava indo fazer!
– Como assim?! Nós não estamos juntos?!
– Claro que não!
– Vai me negar, então?!
– Negar?!
– É... Negar! Isso também é matar!!!
– Eu nem te conheço, cara!
– Mas eu te conheço!
– Como assim?!
– Já não te falei que te vi passar pelas ruas?!
– Que diferença isso faz?!
– A diferença é que eu sou uma parte tua e que, só agora, nesse momento de desespero, consegui que você me ouvisse! O primeiro passo... Depois a gente ia resolvendo os problemas de comunicação!
– Você é biruta, cara! Vá se tratar!
– Estou tentando, mas não posso! Não posso nem sair desse lugar, agora! E, a propósito, essa arma é minha!
– Como sua, se foi eu mesmo que comprei?!
– Você não entende mesmo, hein?!
– Não! E nem quero entender!
– Então, vá em frente, acabe com isso de uma vez!
– Não posso fazer isso com você por perto!!!
– Acontece que eu não posso sair daqui!!!
– Que seja, então! Ninguém sai... Ninguém se mata e ninguém vive, pode ser assim?
– Difícil, hein?!
– Que nada, há quanto tempo nós estamos desse jeito?
– Sei lá. Diga você.
– Eu também não sei.
– Fique aí na sua e eu fico aqui na minha!
– Para sempre?
– Para todo o sempre!
– Tudo bem! Foi um prazer!
– Que é isso, o prazer foi todo meu!

25 de fevereiro de 2011

Prossiga

Então você e o mundo caminham em perfeita harmonia?! Superou aquela velha ferida? Deixou para trás aquele sentimento inconveniente que te mantinha ligado à vida? Conseguiu uma ótima forma física, foi até capa de revista, chegando cada vez mais próximo do que queria? Então, você domina todos esses conhecimentos?! Ensina todos esses meninos que também vão ter suas chances de prosperar, obter suas regalias? Então, você é mais um escolhido?! Profissional tão bem sucedido, abençoado com o dom de empregar? Distribui algumas cestas básicas e até fundou algumas instituições para que nossas crianças sejam contempladas no seu direito de se auto-enganar? Então, você acredita que, com o apoio das instâncias celestes e terrestres, pode representar toda uma nação, conduzindo-a até o topo, à dádiva suprema da exportação? Então, você está em paz?! No tatame sagrado, bem em frente ao seu oráculo, você medita diariamente e vive assim pronto para se elevar? Pensa positivo, mas não pode mudar nem seus próprios hábitos, alegando que os espíritos ainda não estão preparados para em suas verdades acreditar? Então, você está satisfeito?! Desfrutando de todas as comodidades que o seu mérito permite comprar? Afinal, temos muitos cientistas e cada vez mais laboratórios disponíveis, aperfeiçoando e criando novos remédios para reativar nosso motor! Sem falar nas cobaias que morrem todos os dias para que o nosso corpo não seja mais uma vítima de todo esse horror!  Então, você está de braços abertos para o que der e vier? Tudo o que rolar pode ser uma chance única para algo que você pode e deve experimentar? Seja o que Deus quiser e o que o Horóscopo prescrever? Você é feliz?! Fale mais... Eu fiquei curioso e quero saber até onde todo esse narcisismo pode chegar.

3 horas e ½ juntos


Pequenos gestos
Numa rodoviária fria
Continuam fazendo a grande diferença!

Nós 2

Nos equivocamos com nossa urgência
Nos equivocamos como nossa negligência
Nos equivocamos com nossa carência
Nos equivocamos com nossa resistência.

Madrugada


Versos jogados
aos ventos
Sorrisos imaginários
nos rostos.