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13 de fevereiro de 2011

O delator

Eu estou comemorando. Tenho minhas razões. Afinal, sempre quis andar num camburão. Não é toda hora que há camisas-de-força disponíveis. Vocês devem me compreender. Já estou farto dessa atitude mesquinha de ter que me esquivar. Meus melhores amigos agem assim, mas eu? Eu não! Sozinho, nenhum amigo pode me enganar. Estão ausentes e ponto. Essas ameaças são preferíveis aos seus confortáveis tapinhas nas costas. Minha vaga há muito havia sido reservada – e – talvez por isso ou qualquer outra coisa parecida, meu coração não palpite pela falta de emoções. Agora todos esses fantasmas são meus convidados de honra. Trazem presentes do exterior para retribuir minhas hospitalidades. Isso sim é reciprocidade! Apesar de ter abdicado de meus direitos civis há um bom tempo que – eu confesso – nunca soube calcular, não há nenhum incômodo em ter que sujar meu polegar nas esponjas da burocracia. Enquanto vou sendo exibido como um prêmio para a população, eu simplesmente vou rodando e rodando com a incontestável sensação de que a justiça será feita. Afinal, o que podemos esperar de uma arma senão para atirar, ferir ou matar? De que vale uma caçada se, no final, não restar nada que possa enfeitar? Olhando pelas janelas como verdadeiros heróis esses representantes legítimos da lei vão contando suas vantagens diárias com suas putas preferidas. Daqui, eu os escuto perfeitamente – e – tenho de admitir, não compreendo suas ambições. Vez por outra um deles se vira e tenta me agredir verbalmente. Não os culpo, contudo; sei que o tédio que os assola justifica qualquer uma de suas ações. Pobres coitados! Não chego a sentir pena, pois também sei que eles estão numa posição superior. Absolutamente superior. Pode ser que eles revejam seus conceitos com o passar do tempo, mas sei que não vou mais os ver. Tenho certeza de que isso poderia deixá-los profundamente embaraçados. Os oficiais com pedaços de pano costurados em suas roupas se divertem à minhas custas e à suas expensas, mas isso não faz a mínima diferença. Pelos meus cálculos esse deve ser o último quarteirão, os últimos momentos do meu tão agradável passeio. Logo me forçarão a sair desse banco e – já posso até imaginar – se fartarão com as coronhadas que tirarão o meu sangue ou quem sabe me farão perder alguns sentidos desnecessários. Eu estou pronto! Só não gostaria que meus pais me vissem nessa situação. Eles são muito super protetores e podem me repreender por andar com tão más companhias. Os avise depois, isto é, se o regulamento permitir qualquer espécie de favor.

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