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26 de junho de 2011

Mixagem

        Quando fechava os olhos começava a ver. Quando abria a boca aprendia a ouvir. Quando deitava permanecia em pé. Quando acordava só queria dormir. Sonhar. Entender. De que modo assumia o formato humano? Sua moral estava guardada em seu cérebro. Armazenada bem no topo da consciência. Sustentada pelo medo da sociedade. Pelo medo de si mesma. Seus erros eram frequentemente evitados. A tristeza, seguindo o mesmo método, virara esquecimento. O orgulho era trazido e levado pelo vento. As folhas caíam enquanto os frutos cresciam secos. Uma estranha sensação de insensibilidade a insuflava. Quais sinais a advertiam? Mostravam que estava lutando para ser recompensada? Exteriormente fingia. Internamente justificava-se. Morria. Matava-se. Em tudo o que fazia. Sempre que procurava. Mais uma balada para ser aproveitada. Isso lhe socorria. Isso lhe bastava. Experiências vividas eram convertidas em emoções que tanto e por todos os meios se lançava. Um retoque em sua maquiagem. Uma necessidade que a colocava tão a salvo. Sua majestade resistia. Falava fluentemente a linguagem da cultura da vantagem. Obtivera o diploma do sentimento que não admitia presencialidade. Era isso o que mais a hipnotizava. Comprava. Confirmava. Suas passagens para a colorida entrada na pós-modernidade. Mais uma cortina fechada. Puxada pelas mãos que sentiram essa espécie de vontade. Escrava da vaidade em seu canto pela naturalidade. Mesmo desligada, cumpria sua parte para satisfazer-se. Manter-se familiarizada. Destruir as evidências. Inverter os significados. E, assim, difundir os acordes da vida que só passa. Aterrorizada com o que fazer de seu maquinário. Transbordando de tanto se manter distanciada. Dentro, sempre dentro, uma orquestra que tocava sem querer. Pois aprendera a esconder o mundo na imprecisão das palavras. Dos acordes. Das histórias pela metade. Por quê?

20 de junho de 2011

Colonos

Admiro a filantropia operante nesse império humano. Especialmente por vir se mostrando tão amiga da prosperidade aqui nesse plano. Compartilhando seus sentimentos e seus conhecimentos com todos que vivem em lugares onde reina a selvageria e a crença nos princípios mais profanos. Traçando rotas. Viajando. Abrindo trilhas. Coletando. Nomeando. Contrastando. Catalogando. Espécies. Solos. Indivíduos. Que, sozinhos, não teriam nenhuma chance. Entrevistando e reconhecendo a inferioridade dos costumes e dos valores de todos os estranhos. Orgulhosos por haverem se envolvido com o futuro do que chamam de seus colonos. Harmonizando. Apaziguando. Interferindo – positivamente – na educação desses seres primitivos que não enxergam os prazeres desse incontestável sacrifício. Catequizando. Açoitando. Queimando. Escravizando. Bonificando aqueles e aquelas que assumem serem esses seus verdadeiros sonhos. Vivendo próximos aos senhores por saberem submeter-se sem se indispor a qualquer dissabor. Admiro esse gosto pela conquista. Essa tendência que tanto nos valoriza. Que nos lança ao topo da cadeia por sabermos sermos os preferidos. Sempre que nos envolvemos com afinco. Perseverança. Sorrindo. Com otimismo. Para que todos os outros saibam do nosso papel. Aceitem a inflexibilidade do nosso Destino. Admiro a humildade por pedirem desculpas, além disso. Inventarem novas formas. Novos métodos para nos manter conscientes do que é novo, bom, e que se torna cada vez mais bonito. Com perspicácia e muita valentia. Como realmente se faz preciso. Nesses dias em que ainda não conseguimos andar sem todo esse estrategismo. Econômico. Político. Militar. Científico. Por escolhermos ser sempre tão prestativos.


“Içar a bandeira britânica parece resultar quase que de maneira direta em riqueza, prosperidade e civilização.” [Charles Darwin]

16 de junho de 2011

Lisandra

É verdade, nós ficamos ouvindo músicas enquanto as brasas vão assando as carnes. Às vezes, sonhando acordados com algo que foi possível ser imaginado. Naquele momento, naquele instante, com aqueles elementos que acabaram sendo associados. Falamos sobre bandas, sobre músicos, discos, épocas, gêneros, instrumentos. Durante horas, dias, meses, anos, só pelo gosto, pela vontade de descobrir os seus fundamentos. De onde, afinal de contas, vêm todos esses sentimentos-pensamentos. Essa necessidade de representar a vida para entendermos o sofrimento. É verdade, nós ficamos muitas vezes de cabeça baixa, um pouco distantes do acontecimento. Sempre que uma melodia, uma nota, uma frase ou até mesmo uma palavra nos convida a balançar. Muitas vezes naufragar nas águas que não vemos. Para depois voltar. Aprender mais um pouco sobre nossos comportamentos. Valorizar. Distinguir. Escolher o que queremos para nossas vidas, independente dos preceitos. Especialmente quando há longos invernos. Dentro de nós mesmos.

A menina que sonhava

    Ela saiu de seu túmulo com os sapatos gastos, encharcados de recordações, sem querer demonstrar qualquer sentimento pela estupidez humana. Caminhava com calma, como se estivesse longe da selva de gente onde vivia aprisionada. Não olhava, contemplava. Não sorria, não chorava. Apenas estava. Um pouco inteira, depois de ter sido retalhada. Lembrava dos rostos, dos gestos, das falas. Dos cheiros, dos toques, de todas as vezes que suplicara. Como poderia esquecer se, durante anos, tudo isso foi a sua alternativa para a angústia que iria colocá-la frente a frente com sua mania de se expor à realidade? Confiava. Associava suas emoções, suas sensações, seus pensamentos. Sua vontade. Seus instintos. Acreditava. Eles formavam um belo par. Era assim que ela, também ela, sozinha, os imaginava. Como algo tão certo pode dar tão errado? Tudo, ou melhor, praticamente tudo, acalentava sua cumplicidade. Ao seu lado, sorria, cantava... Despedaçava-se. Toda vez que ele a abandonava. Velha ou nova amiga de quem tanto ele lhe falava. Quantas vezes ele confundira-se? Enganara-se, tomando uma pela outra nos momentos em que ela mais o admirava? Era claro o que se passava, mas ela não divisava. Amava. Sem pensar que deveria retribuir nada. Simplesmente expressava. Sua carência, seus medos, seus ciúmes. Sua parcela de humanidade. Ele, por seu lado, desconfiava. Não a entendia. Sequer lhe escutava. Tão centrado em si mesmo. Difícil aceitar que uma vida pudesse se resumir a fases. Os carinhos dela o tornavam cada vez mais alheio aos significados. De todas as justificativas que ele usara. Ora, ora, eis um passado que não conseguia deixar de ser frisado. Por que não admitia? Por que não falava a verdade? Por que a convidara, então, se já não acreditava em mais nada? Talvez almejasse estar num lugar onde não mais estava. Querela de esperança virara farsa, e ela, a menina que sonhava, é que deveria respirá-la. Até o dia em que ele resolveu sepultá-la – com todo o respaldo das estrelas que ela via dando as mais sonoras gargalhadas.

15 de junho de 2011

Titãs - A guerra é aqui


Essa noite uma bomba vai explodir
Quem é que vai conseguir dormir?
Essa noite, essa noite, muitos tiros!
Quem é que vai ligar pra isso?

Se acontecer comigo ou com você
Vamos saber nos programas da TV
Se a culpa é minha ou é sua
Não faz diferença nenhuma

A guerra é aqui, a guerra é aqui
A guerra é aqui, a guerra é aqui
A guerra é aqui, a guerra é aqui

Essa noite você vai querer sair
Será que existe algum lugar pra ir?
Essa noite, essa noite, muitos gritos!
Quem é que vai ligar pra isso?

A guerra é aqui, a guerra é aqui
A guerra é aqui, a guerra é aqui
A guerra é aqui, a guerra é aqui

Hoje é o dia dos índios, das crianças e dos animais
Hoje é o dia dos negros, das mulheres e dos homossexuais
Hoje é o dia internacional da paz
E amanhã não será nunca mais

Amanhã outro dia vai nascer
Quem se importa, quem quer saber?
Amanhã todos vão acordar
E a vida vai continuar

A guerra é aqui, a guerra é aqui
A guerra é aqui, a guerra é aqui
A guerra é aqui, a guerra é aqui.

Além da obrigação

Toda essa repressão
Sem explicação
Esse controle pelo prazer
Para ter
Uma parcela desse poder
Gera toda essa obsessão
Com tamanha significação
Que acaba revertida
Em sonhos
Em conquistas
Em julgamentos
Em mercadorias
Para suprir
A necessidade
De algo
Um pouco mais
Verdadeiro.

13 de junho de 2011

Kant

É por isso que se mandam as crianças à escola: não tanto para que aprendam alguma coisa, mas para que se habituem a estar calmas e sentadas e a cumprir escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que depois não pensem mesmo que têm de pôr em prática as suas ideias.”

Sem conhecimento somos tão cegos que já não sabemos se estamos indo ou voltando, avançando ou retrocedendo.”

12 de junho de 2011

CITIZEN FISH – “Criminal”

Here in the criminal justice act
It says it's illegal to even react
By marching against the sudden new lack
Of freedom of movement, assembly, and that
Goes for everyone, cos now we're all dispossessed
Little joy in the illusion that they can't mess up our heads

As we're taking life as being a reward
We're constantly told that we can't afford
To live it - not the way we do
Cos now we're breaking the law - is it me or is it you
Who thought we could live without heeding it?
Now the boundaries have shrunk to fit
To lifestyles

Based on total social complicity
To work ethic-media-domesticity
Staying silent in response to freedoms
Being so curtailed we forget we need them
To exist - variety breeds tension
Then people debate what was never mentioned
Before - ideas deal with feelings
And laws try to shape the ideas that we deal in

At the point where the ideas
Have spread enough distance - distance
To call it a lifestyle - lifestyle
We start to meet the resistance
Here in the criminal justice act
All our paranoias turn out to be fact!
They really are out to get you!
So party on, dude!

Now we've all been criminalised
For refusing to be led
They can't control our movements
They can't close down our heads
And if you start to think they can
They've won another round
Toward completion of their plan
To keep the people down
The more we get pushed
The more we push back
Destroy the criminal justice act!

Destroy the criminal justice act!

CITIZEN FISH – “Catholic Sex Confession”

The voice at the box had finally lost
Years of frustration in a drunk night of passion
And declared in confession
To the nearest professional
Guilt control know it all:
"For once all my pride was illusion
A false self exclusion
From pleasures so vast they can hardly be named."
And was told in a cold voice "You should feel ashamed!

"The church knows its business and needs the control
Of the body in order to manage the soul.
Sexual freedom destroys any faith
In a church that says freedom begins at the grave,
So we frown on the physical and ban contraception,
Abortion and women from being the pope.
Its down in the bible that god is a man
And abstention and caution are how we all cope.

"Did you use contraception? You didn't!? That's good!
The pope doesn't use it, no reason you should
Unless she gets A.I.D.S. or a pregnancy, mind
I suggest you get tested and see what they find.
No doubt she'll keep any offspring concealed
From the press and the like, get some funds from the plate.
Now time marches on and I'm late for a meal,
Hail Mary times ten. Don't do it again."

Don't do it again, don't do it again
Don't do it again, don't do it again
Don't do it again, don't do it again

They met face to face in the church the next day
Without knowing who the other one was
"I've had it I'm finished" said one "and I leaving.
There's nothing left here I can truly believe in."

"But why?" asked the man, and she said " Because
I'm a nun and I'm pregnant and I don't want the baby
But you will say no to whatever I choose
You never say yes and you only say maybe
When someone you personally know gets abused.
This body is mine not a baby machine
But in the eyes of the church I am trash,
So I quit your hierarchical sexist regime;
To be me is that too much to ask?!"

Graduação

Um dos dias mais estranhos que já tive foi o dia da minha formatura. Hino nacional interpretado pela premiada orquestra da universidade. Discursos inflamados de autoridades políticas, econômicas e religiosas locais, discorrendo sobre as possibilidades que se abririam para todos, se reagíssemos com empenho, competindo entre si e com os outros que também estavam formados e que não conseguiam trabalho dentro do sistema de mercado. Várias turmas, vários cursos, várias pessoas iludidas com o fato de haverem obtido algo tão disputado. Concorrido. Comprado. Um diploma carimbado que os alçasse a posições diferenciadas. Exclusivas. Símbolos da autêntica força de vontade. Indivíduos. Guerreiros. Vencedores que não se deixaram abater pela estupidez de alguns exercícios e de alguns métodos avaliativos centrados em valores muito usados em nossas próprias casas. Varando madrugadas para conseguirem cumprir os programas de cada disciplina. Passarem nos exames. Reconhecerem o valor de cada nota alcançada. Todos nós vestidos com aquelas becas envoltas na cintura por uma faixa de tecido de cores variadas para identificar os cursos homenageados. Sentados em cadeiras, participando juntos daquela farsa chamada de educação, laica, pública e de qualidade. A cena me remeteu a outros lugares com costumes bastante parecidos, em que, em uma determinada época do ano, o gado é conduzido à duras penas para ser contado, marcado, inspecionado e separado sempre que há indivíduos mais magros e que necessitam de melhores cuidados para renderem mais no momento desejado. Surpreendia-me, não só por ter que ouvir esses discursos (do prefeito, de um pastor, da reitora, etc.). Nas arquibancadas do ginásio de esportes onde comumente se realiza essa cerimônia, podia-se ver e ouvir o entusiasmo de muitos familiares, orgulhosos por verem seus filhos, seus sobrinhos, seus netos, seus amigos, conquistando seus verdadeiros lugares dentro da sociedade. Contornando obstáculos, resolvendo problemas, cuidando, muitas vezes sozinhos, de si mesmos, para, finalmente, saírem preparados para encarar mais uma aventura dentro do jogo da realidade. Vários flashes, várias lentes, alguns meios de comunicação da cidade registrando os fatos que jamais deixariam de ser lembrados por todos que saíram dali para comemorar a aquisição de tantos conhecimentos que, sem a menor sombra de dúvida, nos fariam homens mais capazes de trazer algum retorno para o Estado. No final das festas, depois que os telões houvessem projetado as fotos de todos em alguma parede do salão e os enfeites de carnaval fossem distribuídos, a felicidade estaria num plano tão elevado que os participantes pareceriam muito mais realizados: tirariam seus sapatos, afrouxariam suas gravatas, trocariam de roupas, se fosse preciso, para aceitarem de corpo e alma mais esse ritual de passagem. Hoje, sou professor da rede pública de ensino do estado do Paraná, mais um funcionário público obrigado a cantar o bendito hino nacional uma vez por semana junto com os alunos e fazê-los ler algo durante quinze minutos (como se isso fosse um incentivo muito criativo para as mentes mais arredias assumirem alguma postura decente, que, na visão deles, significa ter um bom senso de patriotismo, de cidadania, de responsabilidade pela causa da continuidade). Recebo um salário que me permite pagar minhas contas, mas não sou mais feliz do que era no passado, quando trabalhava num açougue, numa fábrica ou num pronto-socorro. Participando do funcionamento de uma escola, percebo que a educação, do jeito como vem sendo imposta, praticada e até exigida pelos próprios educandos, não faz mais do que tratar os indivíduos como números, consumidores em potencial, enfim, cidadãos, tributados, diplomados, sem perspectivas quando não regrados, dirigidos ou mesmo desafiados. E isso é sempre muito triste se você ainda mantém alguma expectativa com relação à sua própria raça.

5 de junho de 2011

BAD RELIGION – “Atomic Garden”

Everybody wants do dance in a playpen,
but nobody wants to play in my garden.
I see the hippies on an angry line,
guess they don't get my meaning
I'm enchanted by the birds in my blossoms,
I'm enamored by young lovers on the weekend,
I like the Forth of July,
when bombs start flashing,

And I wish I had a shiny red top,
a bugle with a big brass bell would cheer me up,
or maybe something bigger that could really go pop!
so I could make the gardening stop

Come out to play, come out to play,
and we'll pretend it's Christmas Day
in my atomic garden

All my scientists are working on a deadline,
so my psychologist is working day and nighttime,
they say they know what's best for me,
but they don't know what they're doing,
and I'm glad I'm not Gorbachev,
'cause I'd wiggle all night,
like jelly in a pot,
at least he's got a garden with a fertile plot,
and a party that will never stop,

I hope there's nothing wrong out there,
I'm watching from my room inside my room.