Ela
saiu de seu túmulo com os sapatos gastos, encharcados de recordações,
sem querer demonstrar qualquer sentimento pela estupidez humana.
Caminhava com calma, como se estivesse longe da selva de gente onde
vivia aprisionada. Não olhava, contemplava. Não sorria, não chorava.
Apenas estava. Um pouco inteira, depois de ter sido retalhada. Lembrava
dos rostos, dos gestos, das falas. Dos cheiros, dos toques, de todas as
vezes que suplicara. Como poderia esquecer se, durante anos, tudo isso
foi a sua alternativa para a angústia que iria colocá-la frente a frente
com sua mania de se expor à realidade? Confiava. Associava suas
emoções, suas sensações, seus pensamentos. Sua vontade. Seus instintos.
Acreditava. Eles formavam um belo par. Era assim que ela, também ela,
sozinha, os imaginava. Como algo tão certo pode dar tão errado? Tudo, ou
melhor, praticamente tudo, acalentava sua cumplicidade. Ao seu lado,
sorria, cantava... Despedaçava-se. Toda vez que ele a abandonava. Velha
ou nova amiga de quem tanto ele lhe falava. Quantas vezes ele
confundira-se? Enganara-se, tomando uma pela outra nos momentos em que
ela mais o admirava? Era claro o que se passava, mas ela não divisava.
Amava. Sem pensar que deveria retribuir nada. Simplesmente expressava.
Sua carência, seus medos, seus ciúmes. Sua parcela de humanidade. Ele,
por seu lado, desconfiava. Não a entendia. Sequer lhe escutava. Tão
centrado em si mesmo. Difícil aceitar que uma vida pudesse se resumir a
fases. Os carinhos dela o tornavam cada vez mais alheio aos
significados. De todas as justificativas que ele usara. Ora, ora, eis um
passado que não conseguia deixar de ser frisado. Por que não admitia?
Por que não falava a verdade? Por que a convidara, então, se já não
acreditava em mais nada? Talvez almejasse estar num lugar onde não mais
estava. Querela de esperança virara farsa, e ela, a menina que sonhava, é
que deveria respirá-la. Até o dia em que ele resolveu sepultá-la – com
todo o respaldo das estrelas que ela via dando as mais sonoras
gargalhadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário