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12 de junho de 2011

Graduação

Um dos dias mais estranhos que já tive foi o dia da minha formatura. Hino nacional interpretado pela premiada orquestra da universidade. Discursos inflamados de autoridades políticas, econômicas e religiosas locais, discorrendo sobre as possibilidades que se abririam para todos, se reagíssemos com empenho, competindo entre si e com os outros que também estavam formados e que não conseguiam trabalho dentro do sistema de mercado. Várias turmas, vários cursos, várias pessoas iludidas com o fato de haverem obtido algo tão disputado. Concorrido. Comprado. Um diploma carimbado que os alçasse a posições diferenciadas. Exclusivas. Símbolos da autêntica força de vontade. Indivíduos. Guerreiros. Vencedores que não se deixaram abater pela estupidez de alguns exercícios e de alguns métodos avaliativos centrados em valores muito usados em nossas próprias casas. Varando madrugadas para conseguirem cumprir os programas de cada disciplina. Passarem nos exames. Reconhecerem o valor de cada nota alcançada. Todos nós vestidos com aquelas becas envoltas na cintura por uma faixa de tecido de cores variadas para identificar os cursos homenageados. Sentados em cadeiras, participando juntos daquela farsa chamada de educação, laica, pública e de qualidade. A cena me remeteu a outros lugares com costumes bastante parecidos, em que, em uma determinada época do ano, o gado é conduzido à duras penas para ser contado, marcado, inspecionado e separado sempre que há indivíduos mais magros e que necessitam de melhores cuidados para renderem mais no momento desejado. Surpreendia-me, não só por ter que ouvir esses discursos (do prefeito, de um pastor, da reitora, etc.). Nas arquibancadas do ginásio de esportes onde comumente se realiza essa cerimônia, podia-se ver e ouvir o entusiasmo de muitos familiares, orgulhosos por verem seus filhos, seus sobrinhos, seus netos, seus amigos, conquistando seus verdadeiros lugares dentro da sociedade. Contornando obstáculos, resolvendo problemas, cuidando, muitas vezes sozinhos, de si mesmos, para, finalmente, saírem preparados para encarar mais uma aventura dentro do jogo da realidade. Vários flashes, várias lentes, alguns meios de comunicação da cidade registrando os fatos que jamais deixariam de ser lembrados por todos que saíram dali para comemorar a aquisição de tantos conhecimentos que, sem a menor sombra de dúvida, nos fariam homens mais capazes de trazer algum retorno para o Estado. No final das festas, depois que os telões houvessem projetado as fotos de todos em alguma parede do salão e os enfeites de carnaval fossem distribuídos, a felicidade estaria num plano tão elevado que os participantes pareceriam muito mais realizados: tirariam seus sapatos, afrouxariam suas gravatas, trocariam de roupas, se fosse preciso, para aceitarem de corpo e alma mais esse ritual de passagem. Hoje, sou professor da rede pública de ensino do estado do Paraná, mais um funcionário público obrigado a cantar o bendito hino nacional uma vez por semana junto com os alunos e fazê-los ler algo durante quinze minutos (como se isso fosse um incentivo muito criativo para as mentes mais arredias assumirem alguma postura decente, que, na visão deles, significa ter um bom senso de patriotismo, de cidadania, de responsabilidade pela causa da continuidade). Recebo um salário que me permite pagar minhas contas, mas não sou mais feliz do que era no passado, quando trabalhava num açougue, numa fábrica ou num pronto-socorro. Participando do funcionamento de uma escola, percebo que a educação, do jeito como vem sendo imposta, praticada e até exigida pelos próprios educandos, não faz mais do que tratar os indivíduos como números, consumidores em potencial, enfim, cidadãos, tributados, diplomados, sem perspectivas quando não regrados, dirigidos ou mesmo desafiados. E isso é sempre muito triste se você ainda mantém alguma expectativa com relação à sua própria raça.

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