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9 de dezembro de 2013

Aprendendo com a escrita

A gente escreve sobre o que acha que pensa. Acredita que sabe. Tentando mais entender do que mostrar. A gente escreve sobre aquilo que está dentro. E que é visto com surpresa quando o reparamos lá fora. A gente escreve com o que é. Imaginando como gostaria que fosse. A gente mente. Desaparece com todos os esboços. A gente escreve sempre que precisa. Sem fórmulas. Apenas dançando os ritmos. Mesmo se o fizermos todos os dias. A gente escreve para escapar. Frequentar o desconhecido. Voltar com diferentes revisões. E talvez escolher o que tem para ser escolhido. A gente escreve. A gente fala. Institucionaliza as relações. Delimita nossas linguagens. A gente parece que quer mesmo se livrar do que não precisa ser permitido. A gente escreve para retomar alguma canção. Assoviando a melodia até que ela mesma a sua forma lhe sugira. A gente palpita. Exagera. Muda o compasso. Maravilha-se. Quando partimos ou nos achegamos a uma elipse esquecida. A gente apenas diz o que vê. Garimpando os nossos redemoinhos. Lavra alguma impressão. A gente desenha. Pinta. Esculpe. Atua. Costura. Sequencia. Erra. Acerta. Corrige. Dá movimento às notas que nos frequenciam. A gente escreve e os significados extrapolam o que a gente imagina...

2 de dezembro de 2013

Umbigo ambíguo

        Aquele umbigo era mesmo esquisito. Imaginem vocês que ele às vezes dizia que gostava de estar perto de outras pessoas. De ouvir o que elas lhe contavam sobre os conflitos, as nuances de humores, as superstições que muitas famílias acabam incutindo em seus filhos. Que lhe era agradável a intimidade com alguns dos outros umbigos. Insistia que estas presenças lhe faziam entender um pouco mais as dúvidas sobre por que, onde e como vivia. Enquanto em outras, ele ficava na sua. Não achava que valia a pena tentar mostrar-se junto à sua barriga. Ao corpo ao qual ele também pertencia. Não fazia questão de ir à luta. Pois sentia que entre eles não havia a menor sintonia. Nada. Absolutamente nada – ele admitia – os afilava enquanto amigos. Era um umbigo difícil. Muito parecido com aqueles poetas que vivem num tempo, mas que detestam seguir os seus ritmos. Umbigo tranquilo. Seguro de si – sempre quando havia alguém para torná-lo alguém. Dando-lhe sentido. Falando sobre o seu caráter. Afirmando-o ou repreendendo-o. Negando-o ou até ajudando-o com o trabalho diário de aportar o seu navio. Nesta ilha que chamamos de vida. Uma ilha onde os próprios nativos sentem-se ameaçados pelos perigos que, mesmo sabendo, todos contribuem para que eles sejam ainda mais contínuos. Umbigo carente. Autossuficiente. Dependendo da situação vivida. Certa feita me disse que tinha verdadeiro horror às obras que alcançavam os rankings e que ganhavam os prêmios mais concorridos. Assegurava que ainda são poucos os que procuram entender os critérios usados para alçá-los a esta posição e que tanto os pódios quanto os conteúdos já nasciam de uma categoria previamente definida. Onde será que ele queria que eu levasse a minha reflexão de cuidador terceiranista? Outro dia, relembrava que se os clássicos desagradaram constantemente à maioria, como é que agora as consciências sensitivas reconheciam um clássico só por que era o mais vendido? Repetia que não era de modo algum um saudosista. Que ele simplesmente não conseguia aceitar as relações apenas como elas vinham se construindo. Imaginava. Procurava de várias maneiras. Na experiência do passado. Na expectativa pelo presente e pelo futuro. Um bom jeito de fazer-se mais participativo. Sem os excessos cometidos pela busca pelo que já se mostrou antídoto ineficaz quando a questão é a nossa finitude e sua inconsequente negativa. Umbigo exagerado! – concordavam em uníssono. Quando é que ele deixará suas manias e passará a se enturmar mais, como todo bom umbigo repatriado, deveria? Ainda mais numa época como aquela em que todos festejavam, trocando presentes. Parcelando suas compras. Aumentando inclusive suas apostas na loteria! Seria ele mais um desses umbigos que são escondidos em hospitais, asilos ou clínicas de pouca valia, quando se precisa manter a casa pronta para receber todas as visitas? Estarei eu livre dessa tragédia ou não passarei de outro interno que se diz no emprego de cuidador só porque preciso desta piedade e também deste salário para, com minha moral, visitar o doutor e pedir, mesmo com todos os remédios que ingeri sem saber se realmente eram precisos e que agora impossibilitam minha fala, me examine? Diagnosticando-me como outro umbigo incorrigível?!