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27 de abril de 2014

Coriza

Às vezes precisamos nos preocupar
Lenços e remédios não são capazes de ajudar
Às vezes não conseguimos nos lembrar
Cicatrizes turvam nossos jeitos de estar

Sentir e pensar
Como um verdadeiro par
Mesmo que insistamos em nos desculpar
O corpo todo reage
Basta ser vivo para constatar
Então, qual a razão de tanto separar?
Qual o sentido para continuar a agonizar?

Às vezes não podemos simplesmente escapar
Nossos ossos esperam saber quais as chances de voltarem a se calcificar
Às vezes nossas faces insistem em ruborizar
Mostrando o que está junto de todo aquele linguajar

Sorrir e chorar
Muito importa a forma
Quando fazemos questão de demonstrar
O corpo todo teme, treme, trama
Transforma-se como um fóssil de anos e anos atrás
Então, qual são as perspectivas?
Haverá surpresa se nossa espécie não conseguir mais se adaptar?

Às vezes a coriza vem para indicar
Que nem tudo está tão bem como se costuma perguntar
Às vezes são eles, os nossos narizes,
Os canais por onde acessamos o que nosso ambiente está a declarar

Sangrar e estancar
Viver ou apenas levar?
Precisamos de tantas coisas para nos felicitar,
Ou será que exageramos nos meios e nos fins de nos afirmar?
Faça um exame e saberá:
Quanto de vida gastamos para mais insatisfeitos ficar?
Têm mais saúde aqueles que usufruem de um plano de saúde particular?

O direito de ser o mais moderno escravo que a história já viu passar


Infelizmente você joga o jogo que eles nos mandam jogar
Alegando estar exercendo seu direito de não lutar
Reconhece só a alternativa dos questionamentos sempre evitar
Educado a concordar que é realmente preciso esperar
E que cabe somente aos outros fazerem a roda girar
Depois reclama que quer ver algo melhorar
Ah! Aguarde só e verá os meios que eles ainda usarão para nos escravizar
Não se espante se as consequências desse poderio em sua família vierem se alojar
Ora, se é também por você que todos nós ficamos aqui prestes a afundar
Por que não admitir, enfim, o risco que você sofre tanto por negar?!
Trocando todo dia sua dignidade por um salário que mal lhe permite compensar
Suborna sua liberdade por uma falsa segurança que nunca poderá assegurar nada além de uma gama de produtos e serviços para você desejar sempre renovar
Se você pudesse, eu temo constatar,
Pagaria até as horas extras para que os outros continuem a lhe representar
E, então, você só sairá do seu esconderijo quando as conquistas estiverem prontas para você as desfrutar?
Ou será que todos nós teremos que pagar por essa fobia de não participar da construção da nossa vida que todos os dias está aí a nos convidar?!

8 de abril de 2014

Corpos que se reconhecem

Corpo pede arrego
Corpo tem desejo
Tenta evitar ou atrair para si
Muitas das suas alegrias
E também dos seus sofrimentos
Corpo tensionado procura alívio
Extasia-se e entedia-se
Se encontra algum sossego
Corpo também se cuida
Sentindo medo
Corpo ganha outro valor
Além do dinheiro
Corpo realiza-se
Às vezes com poucos movimentos
Corpo se esconde e se mostra
Dentro ou fora de uma morada
Ou de uma vestimenta
Corpo expele o que lhe agride
Ingeri
Saboreia muito mais intensamente
Processa o que lhe alimenta
Corpo ganha formas
Que a sua estrutura não sustenta
Corpo toca, roça, entrega-se
Percebe a temperatura
A textura da pele
Os cuidados alheios
Corpo quer saber
O alcance e o significado
Dos outros cheiros
Com o corpo somos
Nos alçamos ou nos refugiamos
Sentimos e refletimos
Entendendo
Corpo que pensa
Que fala e que cala
Corpo que dança
Que escreve
Trabalha
Ama e odeia
Corpo que teima
Aceita-se ou despreza-se
O corpo passeia
Guarda memórias
Interfere na história
Reage
Conforma-se
Liberta-se
Da solidão
Da carência
Da prepotência
De muitos de seus desprazeres
Quando deixa de depositar nos outros
Todos ou até mesmo
A maioria dos seus investimentos
Não que os corpos sejam assim tão independentes
Todos os corpos precisam da convivência
Para serem corpos que nascem e aprendem.

Música

        O que faz alguns minutos de música soarem tão bem? Como uma composição pode aparecer desse jeito?! Por que esses seres se preocupam em revirarem-se assim por dentro, se nunca parecem satisfeitos? Juntando notas, grunhindo ritmos, alterando os compassos sem medo... Fazendo, então, o que precisam sem dependerem de sucesso. Pensando talvez sobre os pensamentos que surgem acerca do que está acontecendo. Naquele e também em muitos outros momentos. Por que será que queremos relembrar certas canções, se as palavras que elas veiculam nós sequer as compreendemos? Será resquício dos tempos em que nos comunicávamos usando outros termos? Por que reagimos até aos sons que nossa razão insiste em desmerecê-los? Não é um pouco estranho esse comportamento de nossa mente querendo ser soberana, mas se esquecendo de que está ligada a um corpo e que, tal como todos os outros órgãos, seguem somente convivendo?! Harmonias são apenas meios para que as ideologias sigam através dos ventos? E quando não há letra? As melodias deixam de falarem por si mesmas?! O que percebo é que as músicas nos afetam tanto, pois refletem as singularidades da procura por nós mesmos...