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29 de março de 2022

crítica?!

diz-se progressista

mas não refuta os dogmas

de uma doutrina que corrobora

as amarras do colonialismo


celebra as festas cristãs

retroalimentando muitos de seus símbolos

afirmando que eles reforçam

os laços de solidariedade entre a família


limita as possibilidades de sua prole

viver e assumir a liberdade de suas escolhas

para desacreditar os padrões que considera

fundamentais para avivar sua autoestima


critica o capitalismo

apresenta-se como comunista

mas abranda a luta

reproduzindo as ideologias narcisistas


frequenta os lugares mais badalados

renega sua classe

faz do sonho dos que a exploram

a realidade que a aflige.

27 de março de 2022

sonâmbulo

silêncio abstrato

esforço no ato

sapo dançando na lama

reflexo do alvo


copo erguido

líquido invertido

reduzindo o ritmo da saliva

rima que não rimo.

23 de março de 2022

eu turbinado

lamentáveis atitudes

desses esteriótipos autoindulgentes

reforçados pela estupidez do discurso apolítico

vivendo nessas cascas tão fechadas


mirando suas câmeras para si mesmos

apontando suas armas

como se suas poses acionassem

as engrenagens da dignidade


que prescinde desses subterfúgios

para ser validada.

22 de março de 2022

nos muros

frases escritas com pressa

correndo pelas vielas

manifestações de repúdio e resistência

um sopro para a autogestão da existência

nas ondas que perpassam as cidades


comunidades geridas como mercados

vidas como produtos automatizados

desfila a ética da oferta e da procura

foda-se o povo

vivas ao lucro acumulado


foda-se a função social

da coletiva propriedade

gentrificação

especulação imobiliária

meritocracia acatada sem uma pestanejada


como o custo da sobrevivência

tributada com toda a vontade

quando o diferencial

seria a felicidade

conjugada


faz-se assim a miséria

desumanização vira meta a ser batida e rebatida

por aqueles que precisam da ilusão da posse

para figurar como vencedores

nos rankings constantemente forjados.

21 de março de 2022

autorretrato

no lago

um vaso

tirando

um sarro


astuto

lagarto

espremido

no prato


estrato

sabotado

com o pib

tão alto


insight

oxidado

todos

cansados


ventríloquos

e aplausos

insossa

paisagem.

16 de março de 2022

pilares

nos ringues da discórdia

encontraram-se a ira e a mixórdia

preparadas para o combate

conduzindo suas tropas


alardeando a justiça

fazendo da vingança

a justificativa

para suas ações predatórias.

reatores nucleares

ocupando as paisagens

convivendo com as estiagens

admirando-se

lançando-se ao trabalho


corvos nos horizontes

dos corredores humanitários

que abrigam

e expõem os refugiados.

9 de março de 2022

avesso

desobstruo o ouvido

inverto o caminho

retiro o sagrado

insisto no convívio


desfaço o traço

repenso o vivido

implico com o detalhe

do tempo esquecido

 

desminto o dito

rebato o argumento

destruo o absoluto

recoloco o sentido


no pulso

no toque

no choque

no interlúdio


do grito

que ecoa

pelo deserto em que

reconstruo o abrigo.

6 de março de 2022

noites no quadro

fuga do quarto

refúgio na sala


espinhos na garganta

agonia em reprises


aventuras passageiras

imagens que alucinam


personagens ganhando destaque

perseguindo seus scripts


conflitos e atropelos

naquele quadro que o aflige.

4 de março de 2022

reciclagens

as folhas das árvores

as asas das aves

os odores da decomposição


criação e recriação da vida

em seus signos

e significados elementares


músicas rondando minha mente

passos que suplantam minha racionalidade

matéria para uma dança inesperada


no meio da rua, nas calçadas

repletas de cacos de vidro atirados

pelas janelas dos automóveis desgovernados.

3 de março de 2022

mortalha

não houve outro jeito de continuar

precisou se lançar ao mar

arrastado pelas ondas

encontrou um pequeno barco

perdido na imensidão daquele luar


resistiu e resistiu até desatinar

e, quando voltou a si,

havia sido resgatado

por alguns homens que não entendiam

suas palavras nem seu gesticular


poucos dias depois sucumbiu

pois a água que lhe deram para ingerir

foi demais para o seu corpo aguentar

fugiu e de nada adiantou comemorar

entre as correntes teve seu derradeiro velejar.