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29 de junho de 2016

A Justiça que nos mantêm na mais soberba escravidão

Você acha que eles vão consentir voluntariamente em viver como a multidão?
Você acha que o voto, o plebiscito, o referendo, o abaixo assinado ou a petição são suficientes para mudarem de opinião?
Você acha que a divisão dos poderes pode ser suficiente para conter a extorsão, quando eles sempre estiveram juntos no topo da hierarquização?
Você acha que eles se preocupam em organizar, gerir honestamente o patrimônio dito público, quando de público só nos resta pagar tributos à exaustão?
Você acha que eles trabalham para reduzir as desigualdades, se são eles mesmos que criam, mantem e se aproveitam de todas as exclusões?
Por que será que eles não desistem de votar secretamente o que diz respeito a toda a população?
Por que será que eles denominaram de palácio, supremo – só para citar alguns exemplos – os lugares em que exercem o poder de dominação?
Será que as informações que recebemos de seus meios podem ser assim tão confiáveis para construirmos nossas próprias opiniões?
Por que as delações têm que ser premiadas, os processos que os envolvem se arrastam por anos e, no final, tudo continua como então?!
Santa ingenuidade! De direita. De esquerda.
Cidadãos sofrendo a ação do tempo para morrerem esperando pela ocasião.

“Vence quem se vence”

    É claro que é necessário não nos escravizarmos com nossas vaidades. Não nos imaginarmos unicamente como seres repletos de vontades, de desejos, transbordantes de originalidade. Mas daí a tranferirmos toda nossa existência para um plano sobrenatural, julgando-nos imortais, não seria cair na mesma armadilha nefasta? Como existir senão através de um corpo que vivencia partes da realidade, extraindo suas compreensões – enquanto ainda tem vida – tentando conectá-las? Como esquecermos de nós mesmos pode ser algo construtivo, se nós também somos partes?! Que espécies de sentimentos, de consciências, de liberdades, que conceitos de discernimento, humanidade ou de dignidade podem resultar, quando só nos resta a opção de obedecer, pedir auxílio e esperar? É claro que essa falsa segurança – essas tutelas espirituais ou materiais, idealizadas para apaziguar nossos medos, receios e anseios, frente ao que desconhecemos – pouco poder tem frente aos nossos riscos e incertezas viscerais. Chega a hora em que a hesitação, as decisões, os contratempos entre nossos erros e acertos, nos lembram de nossa proximidade com os nossos ancestrais. Desesperados, abandonaremos nossa animalidade na vã tentativa de demonstrarmos nosso sucesso, nosso status – como se apenas assim conseguiremos o mérito necessário para melhor nos venerarmos?!

Maniqueísta

Precisa se culpar
Por acreditar saber?
Precisa se elevar?
Precisa convencer?!

Não pode refutar
Não pode escolher
Será que pode duvidar
Do que querem pra você?

Sim ou não!
Certo ou errado?
Justo ou injusto?
Bem ou mal!!!

Militando em um sistema pronto
Que só lhe pede que se aceite tudo
Joga o jogo como mandam os Códigos
Sem liberdade, a reforma é ônus!

21 de fevereiro de 2016

Assombrado

Trapézios vão
Trapézios vêm
Sem trapezistas
Dando piruetas utilizando a cama elástica

Nas arquibancadas
Nenhuma sobrancelha arqueada
Nenhuma pessoa feliz ou desapontada
Sequer os milhos de pipoca não estourados

Não há mais mágicas
Nem palhaçadas
Apenas um globo da morte reluzindo
E a serragem espalhada

Forrando o chão
Cobrindo todo o picadeiro
Sendo constantemente renovada
Por quem?! Em qual horário?!

Ninguém vê nada
Ninguém sabe de nada
O circo que ali foi mantado, todos dizem,
Há muito acabou abandonado

Próximo ao centro
Numa das ruas mais mal iluminadas da cidade
O que espanta é que suas estacas estejam tão firmes
Que a lona parece não ceder nem com a mais temível tempestade

Pelos bairros
Nenhum carro de som
Nenhum anúncio nas fachadas
Corre somente o boato

E o medo de chegar mais perto
E encontrar finalmente o responsável
Por manter o espaço sempre pronto
Para receber uma nova caravana que o leve junto

Para qualquer lugar
Onde ele possa continuar fazendo o seu trabalho
Recebendo, inclusive, um bom salário
Sem ter de ser confundido com um fantasma.

Trabalho

Formato deformado
Precioso artefato
Dividido em jornadas
Sustentando toda a engrenagem

Que, pelo seu lado, instrumentaliza
Engessa o seu significado
Fazendo do produtor direto
Uma coisa alheia ao produto acabado

Restando somente o dever do consumo
Parcelado e muito bem taxado
Como benefício concedido
Contrapartida necessária

Esquecendo que toda a força ofertada
Pode muito bem ser utilizada
Para conceber e pintar outros quadros
Onde produção, distribuição e recreação

Sejam por todos desfrutadas.

27 de janeiro de 2016

Inutilidade

       Página aberta. Esperando pela partida. Cabeça em transe. Antevendo a oportunidade. De transitar por outros cantos. Desbravando novos ares. Imaginando. Intuindo. Imprimindo algumas representações particulares. Página aberta. Para que as novidades sejam concebidas e demonstradas. Com imagens. Com palavras. Com objetos e objetivos que ultrapassem a simples utilidade. Através de formas que prezem pela liberdade. De interpretação. De comunicação. De diálogo. Com ou sem familiaridade. Com as técnicas ou as linguagens especializadas. Página aberta. Desconfigurada. Enquanto vamos desconstruindo os padrões. Agindo com espontaneidade. Dando corpo e sentimentos às personagens que vão sendo criadas ao mesmo tempo em que a obra vai caminhando rumo ao inesperado. Página aberta. Sentidos atentos. Incomodados. Até chegarem à síntese entre o vivido e o pensado. Noite adentro. Dia afora. Conectados à necessidade e à vontade. De escancararem os limites da cultura. Da vida humana com suas tradições e rupturas interligadas. Diminuídas exaustivamente pelos interesses dos mercadores. Que querem que a arte seja apenas aquilo que vende em demasia e não estimula outras tantas potencialidades. Página aberta. Referendando o improviso. Convidando-nos à interatividade.

Expatriado

       Ao observar um pouco do que se passava na prefeitura de sua cidade, João viu como ficavam mais claros os objetivos da grande maioria de nossos governantes (preferem serem chamados de gestores públicos, assim toda a exploração assume um caráter de legitimidade). Sua cidade, em pleno ano de 2015, não dispunha sequer de saneamento básico! Nem saúde, nem educação, nem asfalto, nem lazer decentes para a comunidade... Em compensação, acumulavam-se as dívidas advindas dos assistencialismos praticados pelo prefeito e os vereadores e vereadoras que só visavam elevar a sua popularidade. Quanto do valor arrecadado não ficava comprometido para manter esse curral eleitoral? Nem o básico!!! Por quê??? - indagou-se. Não, nós não partimos e – se dependermos desses caras – nunca alcançaremos uma condição de igualdade social! Muitos dos nossos juízes, promotores, advogados estão aí simplesmente para passarem a impressão de que fazem algo mais do que defender os interesses que os mantêm em poltronas cada vez mais confortáveis... Então, nossos impostos são recolhidos para sustentar esses canalhas, enquanto nós não podemos nem sequer comer decentemente, viver com alguma dignidade?! Se é assim numa cidade pequena como a nossa, imagino que tudo isso se repita em todos os estados, com toda a corja de sanguessugas colecionando patrimônios, achando que quando assumem algum cargo, automaticamente, fica assegurado o futuro apenas para si e os seus familiares! Secretárias, assessores, salários abusivos, planos de saúde para funcionários fantasmas, viagens para todos os lados com aviões fretados em nome de necessidades tão particulares... É demais! Não posso mais continuar contribuindo com estas atrocidades! Cada regalia, toda corrupção, qualquer impunidade, mata alguém numa fila ou leito de hospital. Retira o direito de uma criança ser matriculada. Permanecer e continuar a se educar. Joga um ou uma aposentada, que tanto contribuiu, na sarjeta da miserabilidade. Barra quem quer cultivar o seu pedaço de terra para que os latifúndios permaneçam intocados. Impede que as desigualdades diminuam e alimenta essa vontade suicida de sair sempre com alguma vantagem que prolifera por todos os grupos de nossa sociedade... Já chega! - indignou-se. Chegou a hora de encostarmos todos esses vermes na parede e assumirmos as rédeas dessa carruagem desgovernada. Só o povo pode mudar a sua realidade. Uma vida melhor não vai vir de nenhum projeto governamental. Pois o que eles fazem é distribuir apenas as migalhas, enquanto usufruem sozinhos de todas as riquezas que nós labutamos tanto para conquistá-las. Por mais que insistam, acredito que ninguém, além da gente mesmo, seja capaz de se representar. Precisamos abrir nossos olhos, perceber que essa calamidade não começou agora, mas vem sendo implantada desde os tempos da nossa colonização, quando as terras que foram retiradas na marra das populações locais acabaram sendo doadas a algumas famílias para aqui reinarem. Resgatemos o que nos foi tirado! Não daremos nosso voto de concordância nunca mais. Renegaremos esta ideia de que existe alguma pátria ou nação que busca resolver os conflitos estruturais, quando, na verdade, o que existe é um monte de gente vivendo descontente para que alguns outros possam sorrir com desdém e exaltar o dom de fazer caridade. Em épocas estratégicas. Com os recursos que nos foram roubados. Não basta ir para as ruas, em protestos combinados, que requisitam com antecedência a “segurança” dos cães de guarda. É preciso fazer com que o que é chamado de público no papel seja público também na realidade! Caso contrário, qual seria a finalidade de instituirmos governos, senão para garantirmos que todos zelem pelo bem da coletividade?! Qual o propósito de pagarmos para nos representarem, se também precisamos pagar para que esses representantes sejam constantemente fiscalizados por seus cúmplices nesta mesma jornada?! Por que não enxugarmos esses gastos e aplicarmos todos os recursos em prol do que é nosso ao invés de aceitarmos que outros o façam – partindo do princípio de que sempre vai haver desvio, abuso do poder conferido, corrupção e impunidade?! Só seremos capazes de mudar quando exercermos nosso poder de fato. Não elegendo ninguém, ocupando todos os órgãos de exercício da tirania, acabando com os privilégios e os privilegiados. Redistribuindo as riquezas e também as responsabilidades.