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12 de dezembro de 2011

Amamentação

        Diferentes regiões. Insistentes coleções. Muitas ilusões. Confundindo a visão. Felizmente ainda há algumas sensações. Que se arriscam a fechar os olhos e abrir as veias para absorverem o contemporâneo primitivismo de sua condição. Música. Poesia. Ritmo. Natureza batendo junto com o coração. Uma estranha constatação. Reflexão desprendida do self. Compulsão pela comparação. Construção do caráter. Temperamento afetado. Mímica da imitação. Haverá alguma cor que lhe sugira outra integração? Seu desejo. Sua vontade. Justificativas. Para a competição. Em sua racionalizada universalização. Maníaca impressão. Exagerada materialização. Na ilha da produção. Dos saberes e das profissões. Enjauladas em suas sustentações. Reforçando os botões. Desse sintético movimento de seus embriões. Ciência. Poder. Política. Economia. Cultura da massificação. Culto aos patrimônios. Tributos às titulações. Orientação para que se assente ainda mais a corrupção. Servida e apreciada pela ânsia de gratificação. Criações que a fizeram mais um detalhe substituível desta multidão. Adoradores disfarçados da arte serial que não expressam senão outras virtuais sublimações. Subterfúgios que a fazem aceitar essas coisas sem qualquer estranhamento frente às tradições. Para estabelecer sinais. Velhos novos códigos que não se associam à comunicação. Sempre positiva. Sempre prestativa. Resultado de sua traduzida distração. Muita frustração. Dentro desse parque de diversões. Onde os balões não podem deixar de serem expostos inflados. Por suas quase felizes amas secas. Impelidas por suas mentes mesquinhas. Inconscientes identificações. Que não aceitam, desprezam ou exacerbam os valores de seus corpos fora dos padrões. Por temê-los de outro jeito. Talvez um pouco mais próximos. Íntimos. Em profunda conjugação. Não, elas não querem, lutam, afirmam que não podem abdicar de suas metas em prol da integral alimentação. Contato essencial. Vital aproximação para que haja, finalmente, sinceras relações. Nesse tipo de civilização. A educação ainda continua sendo um privilégio. Mais um apêndice da alienação. Refinando alguns indivíduos. Expandindo a desumanização. Maquiada pelas estatísticas que a encaminham para uma tendência muito parecida à da sua mãe.

6 de dezembro de 2011

Introspectiva expressão existencial

        Não sei se tenho. Não sei se tinha. Não sei se terei outro objetivo para continuar. Não sei quem sou. Não sei quem fui. Sei que meu futuro começa um pouco agora. Aqui nesse lugar. Não sei se existe algo que vale tanto quanto sobreviver. Para tocar, escrever, dar sentido à criança, ao jovem e ao adulto que não param de protestar. Não sei nem como dizer. Explicar?! Isso talvez seja pedir demais. O que sinto sempre foi o meu norte para escolher. O caminho, a direção, o instinto que não foi sozinho que encontrei. E que me fez ir atrás. Foi por isso. É por isso. E talvez seja só por isso que vou esperar. Pedindo para que você me dê algo que eu possa acreditar. Algo diferente do que você já quis me dar. Algo que eu nunca fui capaz de imaginar...

2 de dezembro de 2011

Para sonhar

Não basta a justificativa
Não basta a vontade
Não basta a justiça
Não basta esperar
Se as palavras dizem sim
E os gestos dizem não
Ser aquilo que deseja
Não se transforma
Numa questão de opinião
Olhar devagar
Deixar as imagens parar de lhe embaralhar
Fazer
O que até então era impossível
Idealizar
Realizar
O que não é fácil esquecer
Nutrir a alma
Assim, assim tão simples,
Como a água nutre o mar
Ouvir
Começar
A entender a natureza
Do instinto de cuidar
Assistir ao desfile
Mas também participar
Fazendo escolhas
Que lhe mostram
A possibilidade
De não mais justificar
Não mais mentir
Não mais invejar
Os sentimentos que nascem
De outro lugar
Onde a consciência da consciência
Pode apenas tentar representar.

28 de novembro de 2011

Operação

        Fez o transplante, mas houve rejeição. O órgão colocado não conseguia reagir diante daquela situação. Fez o transplante e aconteceu uma complicação. O homem necessitado não sabia se aquele que havia sentido outras emoções poderia aceitar a nova condição. Fez o transplante e logo surgiu a indagação: como se estabeleceria a comunicação? Seriam eles capazes de ceder para que surgisse alguma conexão? Fez o que podia para recebê-lo bem, mas também ele não conseguia se esquecer de sua antiga pulsação. O coração implantado não correspondia. Quase não ouvia. Tinha ele suas próprias marcas. Suas memórias impressas em sua constituição. Os profissionais, vendo o sucedido, fizeram uma rápida reunião. O corpo atendido foi mandado mais uma vez à sala de operação. Peito aberto às pressas, balão de oxigênio, quase não havia respiração. Anestesiado, o homem sem coração foi obrigado a continuar vivendo esperando pela próxima vaga na escassa lista das doações.

Impressões

Nossas verdades nascem de nossas intuições e deduções, crescem apoiadas em nossas impressões e às vezes morrem quando as apresentamos com o orgulho de nossas razões.

Do fundo do poço posso ver o meu esboço daquilo que passou. Finalmente posso ver o que pensava ser um monstro. Só aqui vim saber que o que percebia era o seu oposto.

De dentro da alma as amarras amassam toda a calma da hora que por fora só passa.

Defendendo-se atacava a si mesmo sem suspeitar da existência de outra forma de expressão.

Com minha porção de autodestruição, faço o que posso para a minha satisfação.

23 de novembro de 2011

Epidemia

         Qual vantagem será tirada de todas essas escolhas ao longo da vida? Qual sonho você comprou hoje com os frutos da herança corrupta de sua família? Qual profissão você vai escolher, quantos diplomas você vai ter coragem de ostentar para se proteger de suas lembranças tão vazias? Qual companhia vai te escutar se você só se envolve, acredita em suas mentiras? Qual palavra você gostaria de falar na hora de participar de sua mais nova jogatina? Qual promessa você quer fazer, se o que você gosta é de se esquecer para não enlouquecer, se convencendo da honestidade de sua intenção assassina? Qual linguagem você vai usar para fingir que não sabe que é mais um produto desta multidão de ratazanas envaidecidas? Qual esporte você quer praticar para fortificar a sua insensatez e toda a miséria e desigualdade educacional que faz os outros sofrer desde que se achou no direito de lutar e compensar seu egocentrismo? À qual fé você vai recorrer para confortar sua agonia? Tenho a impressão de que se alguém espalhasse algumas ratoeiras pelas ruas das cidades e colocasse uma recompensa como atrativo seriam poucos os que as evitariam. Pode ser dinheiro, qualquer coisa que lhes dê status ou alguma possibilidade de ascender nas hierarquias dessa porcaria chamada livre concorrência, livre iniciativa propagada pelas pedagogias das diferenças que só os distanciam da raiz do problema dessa estrutura classista. Basta uma simples referência, alguma forma paternal ou matriarcal para vê-los correndo, fazendo intrigas, apanhando e batendo mesmo entre os que se acreditavam amigos. Sombras querendo sair do anonimato para esconder suas tristezas, arrumando um jeito de sorrir como verdadeiros zumbis. Sombras por todos os lados, em todos os tempos, garantindo a continuidade dos valores e dos comportamentos que reagem substituindo. Sombras que respiram a apatia, trancando-se em seus esconderijos, julgando-se imunes aos sintomas de suas conquistas. Trancados, multiplicando os focos desta peste criada nos laboratórios desta superpopulação cada vez mais autodestrutiva. Pagando para experimentar essas sensações e se dizerem cheios de otimismo. Com os olhos secos e o espírito sempre pronto a adaptar-se a toda e qualquer epidemia.

20 de novembro de 2011

No moinho das almas

Queimo minha pele
Encontro areia em meu bolso
Velejo em seu esboço
Sinto porque fui tão calmo
Converso com meu sobrinho
Flutuo sobre um mar revolto
Fazendo planos
Não durmo
Não sonho
Anseio
Inspiro minhas angústias
Pois também sou teimoso
Então, sustento minhas defesas
Mantenho minha prece calada
Aos poucos vou sabendo de suas marcas
Farejo as beiradas da calçada
Não
Não consigo apertar o passo
Pergunto a mim mesmo
Onde deixei meu corpo
Exposto
Exausto
Ao seu lado
Tudo ficava mais saboroso
Esqueço
Desgosto
Lembro
Fico
A cada segundo de vida
Um ano mais morto
É estranho
Também me parece estranho
Você conhece algum jeito
De ignorar um coração afoito?

25 de outubro de 2011

Dissonante

O que me disseram com seus gestos
Tente. Acredite em você. Aprenda a aceitar algumas conclusões. Procure ouvir os ritmos que tocam seu coração. Não precise de tantas quedas, não jogue tantas pedras para expressar suas emoções. Construa uma família. Não chantageie seus filhos. Por quê? Porque todos precisam dessas pulsações para não se perder nos contratempos da canção. Não desista da vida. Porque desistir é se convencer. De que conviver. É nascer para matar ou morrer. Isso para que a melodia. Não se limite aos humores. Dos que preferem. Um novo conjunto de justificativas. Para se mover.

Como fazer escolhas criativas, se as alternativas não passam de ilusão?
O problema é que essa confusão nos motiva. Muitas vezes nos obriga. Divide nossa conexão. Adiciona hesitações quando precisamos reconhecer a dialética de nossas reflexões. O problema está em sobreviver em meio à corrupção. Procurando por realização. Quando, por dentro e por fora, só se vê obsessão.

Sobrevivência = extinção
Nenhum sinal se propaga, nenhum animal se adapta a um ambiente onde não há como se nutrir. Por que há de ser eu aquele que a natureza quer desmentir?

Equação
O motor da vontade é a força. Assim como o motor da força é a vontade. De viver. De morrer. De ser. E de não ser. Qual o resultado, então?

Do tempo
Tempo para trabalhar. Tempo para descansar. Tempo para ir. Tempo para voltar. Tempo para gerar. Tempo para cuidar. Tempo para cair. Tempo para levantar. Querendo estar só com você. Em qualquer lugar.

Isso
Fiz isso porque sabia que era isso que você esperava que eu fizesse. Faria quantas vezes fosse preciso. Faria toda vez que isso nos acontecesse. Eu sabia, mas não era o fato de saber que me levou a fazer o que fiz. Eu sentia que a gente iria até o final.

Promessa
Um doce para quem me disser. Que vive pela dor. Um doce com um bom sabor. Para quem me convencer de que não quer pertencer. Se divertir. E até poder sentir. Amor.

20 de outubro de 2011

Vale-tudo

Há muitos homens
Fazendo de conta
Ignorando os fluxos dinâmicos
Se esquivando
Dos impulsos involuntários
De seus corpos

Há muitos homens
Perseguindo os mesmos sonhos
Traçando tantos planos
Precisando de autoconhecimento
Para reagirem de maneira criativa
Às investidas de seus egos

Há muitos homens
Indiferentes ao contato
Com suas crianças interiores
Prendendo a respiração
Para se acharem superiores aos golpes
De seus verdadeiros sentimentos

Há muitos homens
Compensando o sofrimento
Seus músculos tão tensos
Só podem deixar transparecer
Movimentos
Cada vez mais mecânicos

Há muitos homens
Que não conseguem
Expressar
O que são e o que sentem
Julgando novos os velhos valores
Para realçarem o que pensam
 
Há muitos homens
Fazendo bons amigos
Sendo ótimos amantes
Prevenindo-se das doenças
Carregando preservativos
Bem protegidos de seus semelhantes

Há muitos homens
Procurando se divertir
Pagando para sorrir
Sentindo-se mais animados
Quando estão com outros homens
Que também se excitam quando se fingem de mortos

Há muitas forças
E muitas vontades desritmadas
Sustentando uma imagem desfocada da realidade
Homens civilizados
Como suas insanas necessidades
Sobrevivendo para satisfazerem suas vaidades

Carentes de trabalhos
Que não bloqueiem
Nem esgotem suas sensibilidades
Anabolizados em seus prazeres
Experimentando todas as válvulas de escape
Tomando fôlego para fazerem o que mais fazem

Fugirem do jeito mais conveniente
Se escondendo atrás de suas máscaras
Exultantes com os seus poderes
Para expressarem suas sexualidades
Suas qualidades de homens realizados
Quase inteiros – sempre preocupados

Há muitos homens
Cujos sensos de grandeza
Não lhes deixam reconhecer
Admitir
As inverdades de suas aventuras
De seus divertimentos vividos sem intensidade

Do passado
Até o presente
Treinando com muita habilidade
Exibindo suas especialidades
Jogando na privada
As responsabilidades das próprias palavras

Escritas
Faladas
Tão aclamadas
Como seus sorrisos amarelos
E as suas tão pouco convincentes
Personalidades.

8 de outubro de 2011

Chamado ao coração

        Sou um corpo convivendo com outros corpos controlados por milhões de egos que lutam, escravizam, torturam, exterminam a natureza e seus próprios semelhantes para se diferenciarem, experimentarem, obterem, acumularem, progredirem, controlarem, manterem, propagarem seus poderes políticos, econômicos, científicos dentro deste território demarcado. Sou um corpo negligenciado porque só assim esses egos conseguem satisfarem seus prazeres, fingirem-se realizados. Sofrendo e impondo essa lavagem cerebral, essa inversão de valores para ostentarem suas quase comodidades. Apoiados em muitos meios, em suas memórias subjugadas, para fazerem-se respeitados. Disciplinando seus corpos, suas forças e suas criatividades para acreditarem-se preparados, possuindo as últimas novidades e se divertindo junto das personalidades mais cotadas. São egos em conformidade com seu século, são pessoas muito bem-quistas em suas sociedades. São coerentes, mas estão equivocados. Como sei disso?! Basta vê-los conversando, competindo, incentivando a repetição, penhorando seus sentimentos face às promessas deste sucesso que torna seus corações cada vez mais fechados.


Houve um tempo – quando todos os seres viviam em harmonia e as coisas inanimadas não significavam nenhuma posição diferenciada, quando não existiam territórios demarcados e muito menos batalhas, quando não havia religiões e os homens não precisavam de deuses ou de profissionais para justificar ou se responsabilizar pelos seus atos, quando todas as tarefas eram divididas de acordo com os potenciais e as vontades e a subsistência bastava, quando homens, mulheres, crianças e idosos não eram discriminados – em que existiram vários seres humanos de verdade. Cresciam juntos e jamais precisavam pensar em lutar por sua liberdade. Simplesmente a desfrutavam. Naturalmente, sem panfletos, jornais, teorias, classes ou sindicatos. Esses seres tinham olhos que não conseguiam deixar de mirar os olhos de seus amados. Brilhavam com mais intensidade quanto mais próximos estavam. Jamais forjavam situações para se encontrar, pois nesse tempo a sinceridade não era nenhuma dádiva. Todas as crianças sentiam-se amadas. Brincavam, aprendiam, eram sempre amamentadas. Nesse tempo, os pais sempre tinham muito tempo, muito espaço para ouvir, contar e comentar toda sorte de fatos, sempre com cuidado, pois ali ninguém havia sido machucado. Em suas almas havia calma, a serenidade era o que os confortava. Houve um tempo em que palavras como empatia não eram usadas para embelezar a amizade que todos compartilhavam. Houve um tempo que os valores eram ensinados na lida diária. Não havia escolas, horários estabelecidos, todos eram autodidatas. Não havia notas, boletins, recompensas ou castigos para quem aprendia mais ou menos rápido. Todos eram respeitados e jamais houve qualquer privilégio para os que viviam pelo bem comunitário. Eram eles, inclusive, os que mais abdicavam, abriam suas vidas para sugerir, ensinar o quanto seguir seus corações era a escolha mais acertada. É claro que erravam, mas reconheciam tão logo sentiam suas faces coradas; quando prejudicavam, não conseguiam dormir, não se sentiam relaxados quando desfrutavam de algo que era privado. O perdão era instantâneo e jamais se fez tanto pelo bem, pela preservação, pela evolução da sensibilidade. Pois nesse tempo os corpos não eram vistos, sentidos, idealizados e dominados pelos egos. Não significavam meios, porque esses egos, com os corpos, eram integrados.