Páginas

25 de julho de 2011

Escafandro

Quando esbarrava em alguma superfície que refletia. Onde os outros quase não apareciam. Simplesmente não resistia. Órgão do corpo. Sua consciência reagia. Tentava salvaguardar-lhe a vida? Ou somente absorvia? Percebia, então, o que já fora percebido? Organizava o que os receptores também expressariam? Aflito. Às vezes começava olhando-se nos olhos. Afirmativo. Significando os sentidos. Ajudado por um mecanismo falível. Suplementos que tomava para saber-se coletivo. Oxigênio enfrascado. Água engarrafada. Necessidades para um objeto finito? Projeto inacabado. Vários valores. Nenhum sorriso. Descer, descer e descer. Exaurir-se e depois voltar. Quase todo dia. Encharcado desse óleo que também a ele surtia um efeito destrutivo. Novo comentário. Velha mania. De pesquisar. E transformar as trocas subjetivas. Um ensinamento enraizado. Tantos estímulos. Uma cultura obcecada. Hábitos e costumes. Amarrando-o ao poder. Fazendo dele uma parte do progresso científico. O que não conseguira dizer. Ouvia. Sentindo o que suas associações preparavam. Agora. Também ele refletia. Sobre os julgamentos que fazia. Testava seus valores. Desvencilhava-se de sua armadura. Questionava seu orgulho. Desarmava algumas arapucas. Buscava no fundo do mar. Aquilo que chamavam compromisso. Quantas ideias alcançariam alguma justificativa? A quem ou a quê recorreria como âncora para evitar o precipício? Resistindo à pressão das águas. Acessórios que se fossem invisíveis, ainda assim, existiriam? Também ele era supérfluo. Sabia disso. Quantos, por não necessitarem de seus serviços, não lhe negaram um sentido? Chamando-o por outro nome. Jogando-o no lixo? Substituído por qualquer outra coisa. Instrumento ou ferramenta? Recurso ou experiência? Algo que lhes sugerissem alguma percepção um pouco mais contínua. Da felicidade que ele nunca conseguia imaginar. Fora do duto que o permitia criar algumas expectativas. Formar uma opinião. Que após a repetição. Apareceria como mais uma convicção. Provisória. No contato com o oceano. Seu ambiente real e ao mesmo tempo fictício.

21 de julho de 2011

Contrapartida

Tudo o que quero é ficar em paz. Com a minha memória. Poder contar. Tudo o que espero é me manter longe. Incapaz. De me associar aos fantasmas que podem me reforçar. Sem estrutura para me inflar. Sem segurança. Sem propriedades. Sem seguros para pagar. Só. Junto de alguém. Que saiba e sinta que ainda existem motivos para confiar. Tudo o que quero é viver. Fazer o que gosto de fazer. Brincar com as crianças que sempre me ajudam a ser o que quero ser. Distante dos assuntos da moda. Alheio aos conselhos das mídias. Sem ser turista. Sem querer. Ou ter planos que não nos permitem ver. O que motiva toda essa corrida pelo saber. Quais razões nos levam a crer? Aceitar? Reconhecer? Quais sentimentos nos fazem corresponder? Desprezar? Retroceder? Tudo o que quero é não participar. Responder. A essa farsa educacional. Incentivada pela compra e pela venda dos diplomas. Presentes para as nossas carências e dependências que o seu orgulho não pode ver. Fora do jogo. Como uma parte. Como um todo. Sem medo. De destruir. De construir. Retribuir. A ingratidão. E todas as mentiras. Que você consegue sustentar tão bem. Tudo o que pretendo é protestar. Aprender e ensinar. A auto-educar. Conhecer e mostrar o que estas instituições não intencionam debater. A anarquia que a marcha dos sedados insiste em sabotar. Sob os seus mistérios. Escolhem esconder. Embaixo de seus tapetes. Dentro de seus seres. Não conseguem encontrar.

20 de julho de 2011

Mercadoria

Dentro do carro-forte os corações precisam ser fortes. Pois não são os braços, as pernas ou as mãos que a transportam. São eles que primeiro se identificam. Acomodam-na. Encaminham-na. Reabastecem os pontos onde se paga mais para encontrá-la disponível. Onde e quando ela se fizer necessária para adquirirem algum desses tickets. Para o embarque. No carro de passeio a estrutura deve fazer algum sentido. Ninguém quer perder o bom-senso. Alguém tem que aproveitar a oportunidade. Não pretendem desatar o nó. Se afastarem do redemoinho que se cria toda vez que recebem novos incentivos. Administrativos. Distribuindo as moedas que lhes sobram de troco para se livrarem rápido de todas essas criaturas abomináveis que lhes inspiram dó. Pena. Algum curto-circuito dentro dessa invenção infalível. No furgão da empresa as conversas devem girar em torno de grandes compromissos. Aventuras. Recompensas. Um final de semana inesquecível. Nessa euforia. Quem tem espaço. Para se lembrar. Que só trabalha para conseguir isto. E que o dinheiro não trabalha, mas já está cansado de voltar dobrado para as mesmas mãos que projetam e testam a eficácia desses benefícios? Dentro dos ônibus as máscaras se olham, mas não se reconhecem. Afinal, ninguém tem nada a ver com isso. Financiam para se verem logo livres. Não querem correr nenhum risco. Sobretudo o de não fazerem de seus filhos seres humanos persistentes. Experientes. Dignos. Fora dos carros. Andando de bicicleta ou de skate. Surfando, nadando, mergulhando. Jogando cartas, futebol ou qualquer outro jogo mega criativo. Pintando, encenando, tocando. Discotecando, esculpindo. Escrevendo para si mesmo ou para qualquer site, jornal ou revista. Se divertindo também se pode conviver. Compartilhar da justiça exercida por todos esses corações blindados. Solidários com a miséria coletiva. Aqui no chão há tantos que não saem, nem escoltados, de suas moradias. Proprietários ou não das escrituras destes esconderijos. Esperando que os significados. Para suas vidas. Sejam remetidos por algum disk-entrega. Com ou sem taxa de serviço. Temendo que outros corações os ataquem em algum trecho do caminho. Levando todas as suas coisas. Para serem trocadas por drogas e alguns poucos alimentos para os nossos filhos. E toda a blindagem ser requisitada como uma questão de princípio. No interior. No litoral. Nas capitais de cada instituição que opera com a técnica da instrumentalização dos sentidos. Mania civilizada de querer se fazer um agrado. Engordando o salário. Pagando para saírem realizados. Pertencendo. Quase amando. Deixando. As relações mais importantes de lado para parecerem mais bonitos. Inteligentes. Amigos. Dentro dos espetáculos há vários corações blindados. Todos loucos para serem compreendidos. Respeitados. Correspondidos. Dentro desses corações há ainda outros corações. Só que esses foram tantas vezes negligenciados que já não encontram forças para se fazerem ouvidos. Às vezes eles até choram, mas suas lágrimas são vistas apenas como mais uma porção de alívio. Semimortos, continuam dando corda a essa engrenagem cada vez mais otimista. Vivendo de ilusões que se dilatam quanto mais estiverem engajados. Treinados. Instruídos. Fazendo, com todo o carisma, os seus serviços. Oferecendo, assim, suas contrapartidas pela distribuição das riquezas e das posições se manter tão arredia a se expandir para toda a coletividade. Superando a dicotomia. Que algumas vezes os faz sentir e não reconhecer seus próprios batimentos cardíacos. Praticando seus assassinatos e dependendo sempre dos veredictos de juízes, advogados, psicólogos, psiquiatras, farmacêuticos, políticos, enfim, dos outros profissionais que os ajudam a comprovar seus papéis de vítimas dessa fatalidade que nem sempre dá sinal de que almeja ultrapassar nossas vidas. Inocentes condutores que recebem e oferecem suborno para trafegarem sempre mais rápido e com toda a adrenalina possível. Nessa rodovia em que a posse de tal mercadoria e de outras tantas armas os permite chegar sãos e salvos aos seus destinos. Prontos para desfrutarem de uma paisagem paradisíaca. Propagada como último recurso para agraciarem todos os seus sacrifícios. Enriquecendo, desse modo, seus espíritos.

18 de julho de 2011

Modo de preparo

Imponha uma moralidade aparentemente diversificada dentro do ambiente que julgar apropriado. Não se esqueça de que esses elementos também querem ser vistos dentro de sua posição de classe. Aceitos em sua condição de membros da raça que mais sabe manter-se adaptada à expropriação planetária. Levantando os troféus da sabedoria que permitem que sua prole cresça confinada com os espécimes que melhor lhe estimule em suas qualidades. Adicione entre as suas relações uma generosa pitada de economia de mercado e mexa até obter o ponto em que essa mistura de política, de economia, de cultura e de individualidade possa ser associada, ao menos pela maioria, a uma necessidade inevitável. Salpique motivos. Dêem-lhes razões. Para vibrar. Competir. Desejar. Meios mais precisos para prosperar. E, assim, com todo vigor e sem nenhum pesar, esperar. Para obter sua realização. Em um plano que não lhe pertence mais. Misture bem os ingredientes. Faça-os interagir até que se forme uma massa que sinta muito orgulho de si mesma e que, mesmo sem saber, precisa esquecer-se com a mais sincera facilidade. Só assim ela estará pronta para ser levada à fôrma que lhe parecer mais apreciável. Faça com ela todos os tipos de experiência que acreditar justificável, sem se importar com qualquer dor ou humilhação que as suas atitudes possam lhe causar. Isso tudo é encarado com a mais tenra naturalidade. Para a calda, você vai precisar de um recipiente personalizado. Prometa esperança. Despeje um pouco do que chamam de segurança. Facilite as coisas. Aumente o número de vagas. Faça surgir sempre novas vontades. Empregados que cuidem de tudo enquanto eles embarcam em mais essa viagem. Amplie o poder de compra. Divulgue suas propagandas. Abra as inscrições para que eles concorram desde criança. Recompense. Castigue. Lembre-se: procedendo assim, eles sempre lhe devotarão a mais fiel confiança. Libertos dos sentimentos de angústia e dos desprazeres da culpa, todos sentirão as vantagens de se possuir tal fama. Depois que cobrir toda a massa com uma parte da calda, deixe-a repousar por um tempo determinado. Observe-a evoluir. Seguir as leis que só a beneficiam quando ela se mantiver bem acomodada. Asse-a com todo o cuidado. Vigie-a em momentos inesperados. Procure regá-la em períodos estratégicos com a calda que você manteve reservada. Sempre que houver protestos de que sua existência carece de essencialidade. Abra a sua mente para os novos canais de expressão. Intensifique as atividades que consigam mantê-la sempre mais identificada. Não ligue se houver alguma reação que fuja ao seu método de persuasão. Esses componentes estão tão embaralhados que só o que querem é fingir que tem alguma ocupação. Que estão dando vazão às suas subjetividades. Por isso, cuide para que não lhes falte muita agitação e algumas adversidades. Dinheiro e sempre novas propriedades. Curiosidade que gere divisas com a divulgação das desigualdades. Sobretudo para os mais prendados. Alívios imediatos que lhes permitam imaginar sua abstrata contribuição para a humanidade. Depois que completar essa fase, retire-a do forno e sirva-se à vontade. Mostrando-se sempre como alguém apresentável. Competente. Responsável. Pelos aprimoramentos de seus verdadeiros dotes na arte da continuidade. Conhecedor da alquimia, da magia que lhe permite transformar o que é específico em universal e o que é universal em desvantagem individual. Totalmente desnecessário. Nada mais que palavras que toda a confusão não permite atribuir qualquer significado. Prepare sua humildade. Acesse mais uma vez sua generosidade. Orgulhe-se sempre que precisar demonstrar sua autoridade. Mas não se preocupe. Essa massa já não reage mais. Está tão bem estruturada com esse tipo de violência – onde o que importa é o sucesso de suas competências e habilidades – que o processo, assim como sua intencionalidade, soará como mais um aprendizado para que ela continue a salvo. Ostentando, com todo ardor e sem sentir algum sabor, sua respeitabilidade.

·        Aprecie com moderação, pois pode haver risco de intoxicação por excesso de vaidade ou até de coragem, de ambas as partes.