Páginas

31 de maio de 2011

Estatísticas

        Não vou me especializar em nenhuma disciplina. Não vou correr para aprender outra língua. Não vou ingressar nessas instituições falidas. Não vou aceitar toda essa farsa admitida como necessária à minha vida. Não vou cumprir essas ordens suicidas. Simplesmente porque não acredito. Não quero nada disso. Não vou me arrepender. Pode ficar tranquilo. Não preciso. Não participo. Sequer admito. Não sou como você que aceita tudo para parecer que tomou algum partido. Sem pátria. Sem deus. Sem religião. Eu vivo. Sem companhias que não partilham. Sem relações de mentira. Sem luxo. Sem presentes. Sem compensações. Sem sorrisos fingidos. Sem conhecimento que dá abrigo. Não vou lhes acobertar. Não vou lhes sustentar. Não vou me agrupar. Pois, pra mim, isso não passa de exibicionismo. Por que só os escolhidos? Por que os excluídos, agora, estão cursando seus cursos, acham que isso é um grande benefício? A melhor alternativa paliativa? Por que instruem empregados bem vestidos, dormem bem por conta disso? Por que os seus carimbos os ajudam a serem bem sucedidos, dentro de um sistema assassino, pensam que fica mais difícil sentir a vitalidade competitiva? Por que podem consumir, acham que estão mais próximos da vida? Por disporem de meios para professar a caridade que lhes justifica? Por se refestelarem, acreditam que o mundo está mais evoluído? Por que muitos financiam, sonham que a desigualdade vai ser menos explícita? Acreditam mesmo que vou morrer calado por não estar fazendo as mesmas coisas que vocês fazem, só porque precisam que não se fale mais nisso?

30 de maio de 2011

Tolerância

        Então, você quer manter as coisas como estão. Continuar assim mesmo, porque não admite outra situação. Voltar ao caos, depois de tanto tempo, lhe parece sinônimo de alienação. Desde quando uma manada amedrontada pode dizer o que é ruim ou o que é bom? Então, você também quer continuar me chamando de seu irmão? Espera que eu tolere tudo isso porque essa é minha obrigação? Trabalhar. Conquistar. Orgulhar-se. Comprar. Divertir-se. Transformar todas as nossas relações em uma aclamada competição. Nada disso vai ser suficiente para atingir a tão propagada realização. O curioso é que você ainda consegue sorrir e dizer que a morte é a nossa salvação. Prender-se a isso não me parece nada são. Aonde quer que a gente vá, há uma perigosa encenação. Fingi-se que vive; acredita-se nisso, e, depois, adeus imaginação. Não sou adepto dessa pedagogia que busca a diferenciação individual como recompensa, meio para evitar a reflexão. Isso já se transformou em mais um padrão, e, como sempre ocorre quando há coerção, o estranho é dizer não. Poder, controle, conhecimento, tecnologia... Até quando nossa gentileza vai ser uma falsificação? Status para conviver sem emoção. Essa diversidade só tem camuflado ainda mais nossa escravidão. Criatividade para criarmos nossos filhos unidos, saudáveis, com toda a dor e toda a humilhação contidas nesse tipo de socialização.

15 de maio de 2011

Todos inscritos


        Preciso de você. Cedo ou tarde. Aqui comigo. Por inteiro. Dependente. Fraco. Cansado. Sem sono. Depressivo. Confuso. Culpado. Desiludido. Orando. Sonhando com o paraíso. Preciso que você. Jogue o jogo. Aprenda a blefar. Participe. Experimente de tudo um pouco. Com ou sem apetite. Brigue por aquilo em que acredita. Minta sempre que possível. Pague os juros embutidos. Aceite a pilantragem como a luz que dignifica o seu dia. Não questione. Faça o que deve ser feito para o seu próprio benefício. E não se preocupe com nada. Pois eu sou a justa medida. O seu desespero estrutura o meu caminho. É ele que me faz ser o que sou. A sua diversão. Seu entretenimento preferido.

Enfermo

Ontem, me chamaram de lunático
Hoje, pude ouvir débil mental
Ontem, me deram remédios após o café da manhã e após o almoço, e eles eram azuis
Hoje, os comprimidos eram vermelhos, e foram servidos todos após o jantar
Acham que não sei o que é certo e o que é errado
O que é moralmente válido para ser tão cruel e, mesmo assim, não me importar.

Insônia

Não é que a noite seja melhor que o dia
Não é nada disso, minha querida!
É que à noite, quando estou só contigo,
Posso saber onde vivo e do que realmente preciso.

Pai

Com as bombas, os tiros e os rojões
Os pássaros devem saber
O que se passa por aqui

Com os venenos, o lixo e todos os portões
Eles devem sentir
Qual é o sentido do nosso existir.

14 de maio de 2011

Implícito


   É estranho quando você entende aquilo que sente. É estranho quando você sente aquilo que pensa. Não como a maioria das vezes em que você apenas acha que entende. Ou que apenas sente que sabe. Que pode. Deve. E que consegue. Não há vaidade. Não há obrigação. Há apenas necessidade sendo tolerada. Assumida. Compartilhada. Sem virtude. Ou qualquer tipo de recompensa. O simples. O imediato. A primeira impressão. Logo lhe convence. Você consente. Os valores que você tem fazem sentido. Sem ameaças. Compreendem seus instintos. Você renasce. Abraça por inteiro. Age. Não mente. Satisfaz-se sem mistério. É tão estranho que, como não estamos habituados a nos importar, desejamos fugir. Voltar, de qualquer maneira, para o mundo conhecido. Você vê o impossível sendo dito. Debatido. E todos os opositores se calam diante do que lhes é sugerido. Cedem. Não porque foram invadidos. Atacados e abatidos. Mas porque acreditam que esse é o caminho. É realmente estranho. Você não hesita. Pela primeira vez. Acredita. Sem reforços ou justificativas. Sem medo. Você caminha. Sabendo que tudo isso pode e vai acabar. A qualquer hora do seu dia. Em que o telefone tocar e você for chamado a participar. A abandonar. Retomar a certeza da convivência que lhe faz parecer um especialista. Mostrar-se feliz por estar vivo sem ninguém ali contigo. No meio da multidão impassível. Que só lhe enxerga como mais uma experiência. Bem ou mal sucedida. Para que seu orgulho seja reconhecido. E seu sofrimento seja redimido. Com glória. Por todos os seus amigos. Aqueles mesmos que não medirão esforços para afastar qualquer evidência que lhe contradiga. E você seja posto, mais uma fez, num lugar privado. Bem longe do perigo. Da loucura de demonstrar carinho. De todas as formas que forem lhe aparecendo. Nos escassos momentos em que você não estiver só consigo. Negando a luta. Para que assim você consiga praticar. Fazer todas essas escolhas inconscientemente impelido pelo ódio e pelo desejo de vingança implícito.

8 de maio de 2011

Currículo


Feche as portas
Enterre as chaves
Apague as luzes
Recarregue suas armas

Abra os olhos
Não perca a calma
É necessário sorrir
Para incendiar a alma

Sinta orgulho
Abrace a causa
Não tenha medo
Vista sua farda

Seja inteligente
Usufrua da sensação
Deixe todos os diplomas
Ao alcance da visão

Adquira novos certificados
Invista em sua realização
Vá a todos os congressos
Lute pela nossa salvação

Encontre novos aliados
Estude as investidas de evasão
Vibre com todas as conquistas
Assuma os compromissos de cidadão

Pratique com afinco
Ultrapasse todos os limites
Sinta-se invencível
Honre seus princípios

Não se desvie
Aprenda outras línguas
Não coloque nada
Acima de seus objetivos

Tenha ciência
Faça valer seus benefícios
Conserve todos os cadáveres
Bem longe de seus edifícios

Abra as portas
Desenterre as chaves
Acenda as luzes
Lustre suas medalhas

Ouça os comentários
Discurse a favor dos injustiçados
É preciso de muitos salários mínimos
Para que seus méritos sejam glorificados.