Páginas

27 de dezembro de 2020

abra sua janela gradeada

talvez

a insensatez seja a marca

dessa raça tão prosaica

o delírio seja a cepa

a farpa que se enterra

e sobrevive

na lasca da saudade


pode ser

que haja até sinceridade

na forma como a âncora foi lançada

mas isso não me convence

preferia que houvesse mais

algumas pitadas desse tempero estranho

em minha comida envenenada


quem sabe o que faríamos

se estivéssemos mais próximos

menos receosos

e mais soltos em nossos passos?


quem arriscaria contar essa piada

quando quebrássemos seus argumentos

com fatos e não

com a violência dessas crendices infundadas?


operadores

que não se diferenciam de suas máquinas

olhares que não vislumbram a vida na sacada

marretas e desempenadeiras

chefes e governos

capazes de fazerem tudo

menos algo que valha algo


para a sua

a nossa

própria humanidade.

4 de dezembro de 2020

Mika

Jamais esteve a salvo. Quase sempre tão calma. Até que aquele furacão lhe colhera. Deixando-a incrustada. Em seu novo precipício. Intrigada. Pensava em como fazer mais uma vez a escalada. Enquanto via seu corpo arrebentar-se contra os rochedos infinitos. No hospício. Vira o desperdício. De pessoas, drogas e verbas. Gastas sem o menor compromisso. Com a vida. Ela se debatia. Lutava. Com os seus próprios meios. Para escapar. Mudar o foco. Recobrar as perspectivas. Como num filme. Onde os cortes ocorrem. Para que o efeito cumpra o seu papel. Acionando o metabolismo. Realçando aquele trecho. Fragmento específico. Como a sensação que a percorria. Naquele momento crítico. Em que viu a fagulha. Acendendo-a. Indicando-lhe uma saída.