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30 de junho de 2013

Daniel Defoe

Como disse o pregador que tudo é vaidade e inquietação de espírito, assim digo eu desses políticos; tudo é uma simples exibição e uma abominável hipocrisia, de todos os partidos, em todas as épocas, com todos os governos; quando estão fora, lutam por entrar; quando dentro, lutam por não ser postos fora... Todos os partidos e quase todas as pessoas de que temos conhecimento têm sido culpados sem maior ou menor grau da acusação geral: que seus interesses se sobrepõem a seus princípios.”

Se quereis descrever os pecados dos vossos irmãos, deveis vestir-lhes a pele.”

[...] No curso da vida, o mal que mais procuramos evitar, e que nos parece tão horrível, é, muitas vezes o caminho de nossa libertação, o único que nos pode tirar da desgraça em que caímos.”

O abatimento é a paixão mais insensata e estéril do mundo, pois que em geral só se atém ao passado, que é irrevogável e sem remédio, e não se ocupa do porvir, nem faz nada para procurar o que poderia conduzir-nos à salvação, o que aumenta ainda mais nosso infortúnio, em vez de remediá-lo.”

Steppenwolf - The Pusher (Live)

Free - The Stealer

The Rolling Stones - Gimme Shelter (Live)

The Rolling Stones - Flip The Switch (Live)

Bad Religion - Who We Are

28 de junho de 2013

Paulo Freire

Pedagogia da indignação (2000)

Não há cultura nem história imóveis. A mudança é uma constatação natural da cultura e da história. O que ocorre é que há etapas, nas culturas, em que as mudanças se dão de maneira acelerada. É o que se verifica hoje. As revoluções tecnológicas encurtam o tempo entre uma e outra mudança.”

Não haveria cultura nem história sem inovação, sem criatividade, sem curiosidade, sem liberdade sendo exercida ou sem liberdade pela qual, sendo negada, se luta. Não haveria cultura nem história sem risco, assumido ou não.”

Neste sentido é que, primeiro, devo saber que a condição de existentes nos submete a riscos; segundo, devo lucidamente ir conhecendo e reconhecendo o risco que corro ou que posso vir a correr para poder conseguir um eficaz desempenho na minha relação com ele.”

Me parece fundamental sublimar, no horizonte da compreensão que tenho do ser humano como presença no mundo, mulheres e homens somos muito mais do que seres adaptáveis às condições objetivas em que nos achamos. Na medida mesma em que nos tornamos capazes de reconhecer a capacidade de nos adaptar à concretude para melhor operar, nos foi possível assumir-nos como seres transformadores.”

(...) A vontade só se autentica na ação de sujeitos que assumem seus limites. A vontade ilimitada é a vontade despótica, negadora de outras vontades e, rigorosamente, de si mesma. É a vontade ilícita dos 'donos do mundo' que egoístas e arbitrários, só se vêem a si mesmos.”

A mim me dá pena e preocupação quando convivo com famílias que experimentam a 'tirania da liberdade', em que as crianças podem tudo: gritam, riscam as paredes, ameaçam as visitas em face da autoridade complacente dos pais que se pensam, ainda, campeões da liberdade. Submetidas ao rigor sem limites da autoridade arbitrária as crianças experimentam fortes obstáculos ao aprendizado da decisão, da escolha, da ruptura. Como aprender a decidir, proibidas de dizer a palavra, de indagar, de comparar. Como aprender democracia na licenciosidade em que, sem nenhum limite, a liberdade faz o que quer ou no autoritarismo em que, sem nenhum espaço, a liberdade jamais se exerce?”

A disciplina da vontade, dos desejos, o bem-estar que resulta da prática necessária, às vezes difícil de ser cumprida, mas que devia ser cumprida, o reconhecimento do que o que fizemos é o que devíamos ter feito, a recusa à tentação da autocomplacência nos forjam como sujeitos éticos, dificilmente autoritários, submissos ou licenciosos. Seres mais bem dispostos a confrontação de situações limites.”

As possibilidades decorrem da assunção lúcida, ética, dos limites e não da obediência medrosa e cega a eles.”

(...) A mim me dá pena também e preocupação, igualmente, quando convivo com famílias que vivem a outra tirania, a da autoridade, em que as crianças caladas, cabisbaixas, 'bem-comportadas', submissas nada podem.”

Quão equivocados se acham pais e mães ou quão despreparados se encontram para o exercício de sua paternidade e de sua maternidade quando, em nome do respeito à liberdade de seus filhos e filhas, os deixam entregues a si mesmos, a seus caprichos, a seus desejos.”

Contraditórios entre si estes modos, o autoritário ou o licencioso, trabalham contra a urgente formação e contra o não menos exigente desenvolvimento da mentalidade democrática.”

Quanto mais filhas e filhos vão se tornando 'seres para si' tanto mais se vão fazendo capazes de re-inventar seus pais, em lugar de puramente copiá-los ou, às vezes, raivosa e desdenhosamente, negá-los.”

Não gostaria de ser mulher ou homem se a impossibilidade de mudar o mundo fosse verdade objetiva que puramente se constatasse e em torno de que nada se pudesse discutir.”

Gosto de ser gente, pelo contrário, porque mudar o mundo é tão difícil quanto possível. É a relação entre a dificuldade e a possibilidade de mudar o mundo que coloca a questão da importância do papel da consciência na história, a questão da decisão, da opção, a questão da ética e da educação e de seus limites.”

A educação tem sentido porque o mundo não é necessariamente isto ou aquilo, porque os seres humanos são tão projetos quanto podem ter projetos para o mundo.”

A consciência do mundo, que viabiliza a consciência de mim, inviabiliza a imutabilidade do mundo. A consciência do mundo e a consciência de mim me fazem um ser não apenas no mundo mas com o mundo e com os outros. Um ser capaz de intervir no mundo e não só de a ele se adaptar.”

Saliente-se que o discurso da impossibilidade da mudança para a melhora do mundo não é o discurso da constatação da impossibilidade mas o discurso ideológico da inviabilização do possível (...) O discurso da impossibilidade de mudar o mundo é o discurso de quem, por diferentes razões, aceitou a acomodação, inclusive por lucrar com ela.”

Se somos progressistas, realmente abertos ao outro e à outra, devemos nos esforçar, com humildade, para diminuir ao máximo, a distância entre o que dizemos e o que fazemos.”

27 de junho de 2013

Poemas órfãos

Há alguns dias ouvi algo como o som de palmas que se encontravam bem na frente do meu portão. Da janela do quarto, espiei, recuei. Fui até a porta e constatei. Lá estava um oficial de justiça que, após certificar-se de que eu era eu mesmo, graças a minha confirmação, entregou-me uma intimação. Um poema reclamava a sua filiação. Dentre outras coisas, eu era o responsável por ele não conseguir achar o melhor caminho para a sua realização. Acusava-me de tê-lo abandonado. Sem qualquer lembrança que o ajudasse. Sem qualquer indício de onde pudesse correr e recorrer quando se sentisse sem orientação. Senti-me num impasse. Então, a minha escolha de deixá-lo sozinho, não foi o melhor incentivo para a sua emancipação?! Não queria forçá-lo a nada. Não queria que a minha influência o sufocasse. Você não vê que tive razão? Temia que se o privilegiasse, ele acabasse como muitos desses poemas que se acham melhores só porque têm um apelo que lhes destacam para a população. Fiquei intrigado com o desespero demonstrado por esse feto ancião. Posto no mundo e lançado fora. Tão logo se mostrou confuso. Mais uma aberração. Acusava-me de desprezo. De perfeccionismo. Apontava-me como alguém que se destaca pela falta de compromisso. Compaixão! Tormento para todos os séculos. Que habitam os meus nervos! E quanto aos outros que eu também dobrei, amassei, atire e os juntei para que partissem e se decompusessem no lixão? Imaginem se todos resolverem reivindicar o mesmo! Pouso, repouso, carinho, direitos! Será que terei como mantê-los? O que mais se espera de um pai, nestes tempos? Aguardo ansioso por este desfecho. Posso me tornar culpado por querer que eles façam os seus próprios progressos? Com um pai a distância não conseguiriam ser poemas inteiros? Desconfio dos que dizem que sabem interpretar as leis. Que são mestres em se manterem neutros. Eu só quero ficar no meu canto. Não tirem o meu sossego! Espero que não me obriguem a vê-los...

26 de junho de 2013

Implosão

Só quando arrasto
a minha carcaça
Eu me desfaço
do embaraço
que me endossa

Quando me despedaço
sofro o impacto
do descompasso
da escolha
que não é nossa

Só quando protesto,
posso falar
o que penso?
Nossos impostos
Viraram cabide de emprego?!

Não são todos
que gostam!
Não são poucos
os que não concordam! 
“Não me interessa”
não nos exime
de estarmos imersos.

Sensatez

Era uma personagem com um estado de espírito crítico. Afeita ao diálogo. Convidativa. Hoje, minha impressão é a de que estava um pouco triste por estar triste. Introspectiva. Confusa, assim como todos nós muitas vezes nos descobrimos – quando temos que representar a nós mesmos nos cenários da vida. Um esboço omitido que tanto aguardara para ser exibido. Em nossas geniais galerias. Sobre o quê, como, por que fazia, e que talvez, enquanto respostas definitivas, nunca lhe contentariam. Satisfazia-se tanto quanto nós procuramos e só algumas vezes nos encontramos reconhecidos. Em si, nos “outros”, em qualquer elemento que também se transforma. Todos os dias. Quer a gente discorde, quer estes elementos sequer desconfiem. Por que, afinal, tinha de ser sempre do jeito que os outros queriam?! Conhecia algumas das companhias. Porque tinha de ser assim, ora! Não era assim que se fazia?! Procurar a felicidade onde o sofrimento não exista?! Provavelmente se revoltava quando, no teatro vazio, como num deja vu, só mergulhasse até onde alcançava os olhares dos salva-vidas. Envolvida pela superfície. Longe do script. Do texto pronto. A passagem das falas. Não mais lhe iludia. Inferia que – apesar de tudo – a espécie à qual pertencia, seria a mais relevante personagem com quem contracenaria. Dentro de si, por acaso, também não havia dessa vontade de não ser extinta?! Dessa luta pela sobrevivência que se trava em nossos espaços mais íntimos?! Sensatez me inspirava coragem. Desprendimento. Admitia que não dispunha de qualquer certeza se atuava ou não sobre palcos tão firmes. Que – apesar de não ser sua vontade – também sofria. Tal como nosso sentimento de alegria.
  ____
   Para ___


         {…Rafaela, Schopenhauer, Helena Kolody, Goethe, Nietzsche, Van Gogh…}

Nietzsche

Trago em mim a terrível desconfiança de que um dia serei declarado santo.”

Aos seres humanos que não me interessam, desejo sofrimento, desolação, doença, maus-tratos e indignidades – desejo que não continuem a desconhecer a profunda autodepreciação, a tortura da autodesconfiança, a miséria dos derrotados.”

Sabemos que a vida consiste em sofrimento e que, quanto mais nos esforçamos para aproveitá-la, mais ela nos escraviza. Devemos, portanto, abrir mão das vantagens que ela nos oferece e praticar a abstinência.”

Essas pequenas coisas – alimentação, ambiente, clima, lazer, toda a casuística do egoísmo – superam toda e qualquer concepção de maior importância, a que se deu relevância até agora.”

Entre os vivos, não há ninguém que me interesse muito. As pessoas que admiro já morreram faz muito tempo – por exemplo, o abade Galiani, Henri Beyle ou Montaigne.”

Ele [Montaigne] envolveu-se em atividades práticas [...] Não repudiou a vida; mas mergulhou nela [...] Tomou para si o maior número possível de responsabilidades [...] O que ele queria era a totalidade; e combateu a divisão entre a razão, a sensualidade, a emoção e a vontade.”

E se o prazer e o desgosto estiverem tão intimamente ligados que todos aqueles que quiserem obter o máximo possível de um devem também ter o máximo possível do outro [...] Existe uma escolha: ou o mínimo possível de prazer, em resumo, ausência de sofrimento, ou o mínimo possível de desgosto, como o preço a pagar por uma produção de prazeres e alegrias sutis em profusão que raramente já foi desfrutada? Se se decidir pelo primeiro caso e se desejar diminuir e reduzir o nível de sofrimento humano, tem-se também de diminuir e reduzir o nível de sua capacidade para a alegria.”

Examinem a vida das pessoas e dos povos mais brilhantes e mais produtivos e perguntem a si próprios se uma árvore que deve alcançar uma altura invejável pode prescindir do mau tempo e das tempestades e se o infortúnio e a resistência externa, alguns tipos de ódios, a inveja, a obstinação, a desconfiança, a insensibilidade, a avareza e a violência fazem, ou não, parte das condições favoráveis sem as quais qualquer grande progresso, mesmo o da virtude, quase nunca é possível.”

Como alguém pode se tornar um pensador se não passar ao menos um terço do dia sem paixões, gente e livros?”

Apenas os pensamentos que vêm à mente durante uma caminhada têm algum valor.”

Quando contemplamos aquelas depressões de sulcos profundos nas quais as geleiras se aninham, pensamos que dificilmente haverá um tempo em que um vale arborizado e coberto de grama, banhado por riachos, irá estender-se exatamente no mesmo local. O mesmo acontece na história da humanidade: forças selvagens abrem caminho e são essencialmente destrutivas; mas sua ação é necessária para que mais tarde uma civilização de melhor índole dê continuidade à sua estirpe. As energias terríveis – que são chamadas de mal – são como ciclópicos e desbravadores da humanidade.”

Devemos aprender a suportar tudo aquilo que não podemos evitar. Nossa vida compõe-se, como a harmonia do mundo, de dissonâncias e de diferentes tons, maviosos ou estridentes, sustenidos e bemóis, suaves e grandiosos. Se um músico gostasse de apenas alguns deles, o que lhe restaria para cantar? Ele precisa saber como usar e combinar todas as variedades de tons. Da mesma forma devemos agir com relação ao bem e ao mal, pois são eles que formam a essência de nossa vida.”

Se fôssemos ao menos terrenos férteis, não permitiríamos que nada se tornasse inútil e veríamos em cada acontecimento, em cada coisa e em cada homem um adubo bem-vindo.”

Não falem em dom ou talento inato! Podem-se citar grandes homens que não foram muito talentosos. Eles adquiriram grandeza, tornaram-se ‘gênios’(como se costuma defini-los), por intermédio de atributos sobre os quais aqueles que sabem não possuí-los não gostam de falar: todos eram dotados da mesma seriedade e perseverança de um artesão, que aprende em primeiro lugar a construir de maneira adequada as partes antes de ousar fazer o todo. Eram pacientes porque dava-lhes mais prazer executar bem as coisas pequenas e secundárias do que admirar o efeito deslumbrante do todo.”

Como um jardineiro, podemos dispor de nossa intuição e pendores e realizar o que poucas pessoas sabem, ou seja, cultivar as sementes da cólera, da piedade, da curiosidade e da vaidade de maneira tão fecunda e rendosa como se cultiva uma bela árvore frutífera em uma treliça.”

[Acreditamos que] aquilo que é superior não pode se originar do inferior, não pode florescer de maneira alguma [...] Tudo o que é de primeira ordem deve ser a causa de si mesma.”

As coisas boas e elevadas estão habilidosamente relacionadas, unidas e entrelaçadas às coisas más e ostensivamente antitéticas. O amor e o ódio, a gratidão e a vingança, a tolerância e a revolta têm a mesma raiz.”

Os sentimentos de ódio, inveja, cupidez e desejo de dominação são determinantes da vida e devem, fundamental e essencialmente, estar presentes na economia total da vida.”

Quanto mais intensas e mais terríveis forem as paixões que uma época, um povo ou um indivíduo podem se permitir, porque são capazes de utilizá-las como um recurso, mais elevada é a sua cultura.”

Eles não repudiavam o impulso natural que se manifestava nas qualidades negativas, mas optavam por aceitá-lo e – logo após terem descoberto um número suficiente de medidas acautelatórias capazes de fornecer a essas águas revoltas um meio o mais inofensivo possível de serem canalizadas e escoadas – confiná-lo, definindo para ele dias e cultos determinados. Essa é a raiz de toda a moral da liberdade de espirito da Antiguidade.”

Toda paixão passa por uma fase que se pode chamar de no mínimo desastrosa, na qual sua vítima verga sobre o peso da estupidez. Em seguida, vem o período em que o espírito se acomoda, a vítima ‘espiritualiza-se’. Em tempos remotos, devido à estupidez da paixão, as pessoas travavam com ela uma verdadeira batalha; planejam destrui-la […] Destruir as paixões e os desejos apenas para evitar-lhes a estupidez e as consequências desagradáveis dessa estupidez nos parece nos dias de hoje ser, em si mesma, simplesmente uma forma aguda de estupidez. Foi-se o tempo em que costumávamos ficar maravilhados quando um dentista arrancava um dente para fazer cessara a dor.”

Muitas vezes causaram-me extrema repugnância as manifestações de camaradagem entre os frequentadores da sede do clube [...] Mal podia suportar determinados indivíduos e seu materialismo etílico.”

Quanta cerveja há na inteligência alemã!”

Devo aconselhar com demasiada gravidade a todos de natureza mais espiritual a se abster absolutamente do álcool. Água é suficiente.”

Se um indivíduo recusa-se a permitir que seu próprio sofrimento recaia sobre si mesmo durante uma hora e se tenta constantemente precaver-se contra o infortúnio e antecipar-se a ele; se encara o sofrimento e o desprazer como algo nocivo e merecedor de aniquilamento ou como um defeito da existência, então torna-se evidente que esse indivíduo abriga em seu coração a religião do comodismo. Como essas pessoas sabem pouco a respeito da felicidade humana! A felicidade e a infelicidade são irmãs, são, até mesmo, gêmeas, que ou crescem juntas, ou, como no caso desses a quem me refiro, permanecem unidas em sua pequenez.”

Todas essas linhas de pensamento que julgam o valor das coisas em conformidade com o prazer e a dor, e de acordo com os fenômenos circunstanciais e secundários, são superficiais e ingênuas. A consciência, não só do artista como a de qualquer pessoa que não ignore a existência de uma energia criativa, irá desprezá-las e tratá-las com escárnio.”

Para acreditar que o vinho tem a propriedade de deixar alguém bem disposto, eu teria de ser cristão, isto é, crer – o que, para mim em especial, é um absurdo.”

Lanço contra a Igreja as mais terríveis palavras de acusação que qualquer promotor jamais proferiu. Para mim, ela é a forma mais extrema de corrupção que se possa conceber [...] nada escapa à sua depravação [...] Considero o cristianismo a única grande praga, a única grande depravação intrínseca.”

Faz muito bem aquele que calça luvas para ler o Novo Testamento. A proximidade com tanta sujeira quase nos força a isso [...] Tudo o que o cristianismo prega é a covardia, a autoilusão e a alienação do ser humano quanto à sua própria condição [...] Será que ainda preciso acrescentar que em todo o Novo Testamento existe uma única e solitária figura que se deve respeitar? Refiro-me a Pilatos, governador romano da Judeia.”

Nosso destino é sermos eremitas intelectuais e travar conversas ocasionais com algumas pessoas cuja mentalidade se assemelha à nossa.”

Não quero mais ser um solitário. Quero reaprender a ser um ser humano. Ah, quanto a isso, tenho praticamente tudo a aprender!”

Minha insegurança agora é imensa [...] Tudo o que me chega aos ouvidos me faz pensar que as pessoas me desprezam.”

Não gosto da minha mãe, e a voz da minha irmã causa-me uma certa ojeriza. Sempre adoecia quando estava em companhia das duas.”

Dores constantes, uma sensação de hemiplegia, um estado próximo ao dos mareados, durante o qual sinto dificuldades de falar – essas sensações prolongam-se por várias horas por dia. Para minha diversão tenho ataques apopléticos (o mais recente forçou-me a vomitar durante três dias e três noites; fico mortalmente sedento). Não consigo ler! Raramente consigo escrever! Não consigo ouvir música!”

Para a doença masculina do autodesprezo o remédio mais eficaz é ser objeto do amor de uma mulher inteligente.”

Ler um livro, logo pela manhã, ao nascer do sol, quando se está no auge do vigor físico e do frescor espiritual – chamo isso de mórbido!”

O combate às doenças da humanidade gerou uma doença ainda mais grave. A longo prazo, o que parecia a cura acabou por agravar os males que pretendiam eliminar. Por ignorância, acreditou-se que os métodos de efeitos imediato que só faziam entorpecer e inebriar, as supostas consolações, eram verdadeiras curas. Ninguém foi capaz perceber que, muitas vezes, preço que se pagava por esse alívio imediato trazia um agravamento geral e profundo sofrimento.”

Considerar os estados de infortúnio em geral como um obstáculo, como algo que deve ser abolido, é a [suprema estupidez], representa um verdadeiro desastre em suas consequências... quase tão estúpido quanto a pretensão de se abolir o mau tempo.”

"Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio - ninguém, exceto tu."

Schopenhauer

A vida é feita de desolações. Resolvi devotar meus dias à sua reflexão.”

Às vezes converso com homens e mulheres da mesma forma como uma menina conversa com sua boneca. Ela sabe, é claro, que a boneca não a compreende, mas cria para si mesma a alegria da comunicação, valendo-se de uma autoilusão deliberada e agradável.”

Muito me ajudaria se eu ao menos pudesse livrar-me da ilusão de considerar como meus pares toda uma geração de indivíduos desprezíveis e traiçoeiros.”

Se algum Deus criou este mundo, eu, então, não gostaria de ser Deus; os infortúnios e sofrimentos me cortariam o coração.”

Geralmente não ocorre a ninguém que a filosofia tem de ser tratada com seriedade, sobretudo ao conferencista de filosofia, assim como ninguém crê menos no cristianismo do que o papa.”

Depois de seu quadragésimo ano qualquer homem de mérito dificilmente se verá livre de uma certa misantropia.”

A vida não tem um valor intrínseco verdadeiro, mas é mantida em movimento apenas pela necessidade e pelas ilusões.”

Sempre que vejo um animal, sou imediatamente tomado de uma sensação de prazer que me alegra o coração.”

Apesar de demonstrar grande inteligência e ser considerado como o melhor e mais fiel amigo do homem, o cão é mantido por seus donos em uma coleira! Não consigo ver um cão nesse estado sem sentir a mais profunda simpatia por ele e uma profunda indignação por seu dono.”

Aquele que costuma bater portas, em vez de fechá-las naturalmente não só é mal-educado como também vulgar e de mentalidade tacanha [...] Seremos razoavelmente civilizados quando as pessoas não tiverem mais o direito de perturbar a tranquilidade de um ser pensante com seus assobios, gritarias, algazarras, urros e outros tipos de ruídos.”

Se a vida e a existência fossem uma condição agradável, todos relutariam em entregar-se ao estado de inconsciência provocado pelo sono e dele despertariam com alegria. Mas acontece justamente o contrário. As pessoas vivem ansiando pela hora de adormecer e, pela manhã, levantam-se da cama de má vontade.”

Depois de condenarem um homem a viver uma vida inteira na insignificância e no ostracismo, eles pensam que basta um rufar de tambores ou um soar de trombetas para tudo se resolver.”

Não deixa de ser surpreendente constatar que um assunto [amor] que em geral é uma parte importante na vida de um homem tenha sido, até o presente momento, praticamente desprezado pelos filósofos e permaneça diante de nós como uma matéria-prima jamais trabalhada.”

O amor interrompe a cada momento o mais sério dos trabalhos e algumas vezes deixa perplexos, mesmo que por alguns instantes, os cérebros mais geniais. Ele não hesita em interferir nos negócios do estadista e nas investigações do intelectual. Ele sempre encontra meios furtivos de introduzir bilhetes apaixonados e cachos de cabelos do ser amado até mesmo nas pastas ministeriais e nos manuscritos filosóficos. Ocasionalmente, exige o sacrifício da saúde, dos bens, da posição social ou da felicidade.”

Não devemos nos deter em pormenores insignificantes; ao contrário, a relevância deste assunto está em plena harmonia com a sinceridade e o empenho que lhe dedicamos. Toda relação amorosa tem um objetivo primordial que, na verdade, se sobrepõe a qualquer outro projeto humano.”

O que caracteriza esse objetivo é nada menos que a criação da próxima geração [...] a existência e a organização específica da raça humana no futuro.”

O intelecto não tem acesso ao laboratório secreto onde a vontade urde suas decisões. Ele é claramente um confidente da vontade. Mas um confidente que nunca chega a estar a par de tudo.”

O momento em que o amor – ou, para ser mais exato, o desejo – entre duas pessoas começa florescer deve, na realidade, ser encarado como o primeiro passo para a formação de um novo indivíduo.”

Há algo de bastante peculiar na seriedade profunda e inconsciente com que um jovem casal observa um ao outro no primeiro encontro. A troca de olhares sutis e perscrutadores, a cuidadosa inspeção mútua da aparência, o exame rigoroso de todos os traços que compõem cada individualidade nada mais é do que a meditação do espírito, a indagar sobre a viabilidade de ser gerado um novo ser humano.”

Todos desejam, por intermédio de seu par, eliminar suas próprias fraquezas, defeitos e desvios do padrão, para que não sejam perpetuados ou transformados em completa anormalidade no filho que será gerado.”

A neutralização das duas individualidades exige que um grau determinado de virilidade do homem corresponda exatamente a um determinado grau de feminilidade da mulher, de modo que os exageros de cada uma das partes sejam eliminados pela outra com exatidão.”

[No entanto], conseguir que a conveniência e a paixão caminhem de braços dados é o mesmo que receber o mais raro bafejo da sorte.”

O amor lança-se sobre as pessoas que, fora da relação sexual, seriam detestáveis, desprezíveis e mesmo repugnantes como amantes. A vontade de perpetuação da espécie é tão mais poderosa que a do indivíduo que faz o apaixonado fechar os olhos para todas as qualidades que lhe são repugnantes, tudo tolera, tudo distorce, e acaba por unir-se para sempre ao objeto de sua paixão. Ele se mostra, dessa forma, completamente enfeitiçado por uma ilusão, que se desfaz tão logo o desejo de perpetuação da espécie seja satisfeito, mas deixa como herança um cônjuge detestável para o resto da vida. Essa é a única explicação razoável para o fato de encontrarmos com frequência homens muito sensatos, e até mesmo eminentes, presos a verdadeiras megeras e ficarmos intrigados com as razões de semelhante escolha [...] Um homem apaixonado pode chegar a enxergar com clareza e amargura os intoleráveis defeitos de sua noiva, de temperamento e caráter, que lhe acenam com uma vida de agruras e, no entanto, não se assustar a ponto de se afastar definitivamente porque, em última análise, não está levando em consideração os seus interesses e sim os interesses de uma terceira pessoa que ainda não existe, embora ele se deixe envolver pela ilusão de que o que procura é o seu próprio interesse.”

Quantas vezes não já se observou que imediatamente após a cópula ouvem-se as gargalhadas do Diabo?”

Tudo leva a crer que, ao se contrair matrimônio, um dos dois interesses deve ser prejudicado: o interesse pessoal ou o interesse da espécie.”

A geração futura é providenciada à custa da geração atual.”

O que se procura no casamento não é diversão intelectual e sim a procriação.”

[A ideia da perda de um amor] entre um homem e uma mulher é um aviso de que o ser que poderiam gerar não passaria de uma criatura malformada, um ser infeliz, carente de harmonia intrínseca.”

Contemple a atividade incansável das insignificantes formiguinhas [...] A vida da maioria dos insetos não passa de um esforço incessante de preparar a alimentação e a moradia da futura prole, que sairá de seus ovos. Depois de ter consumido o alimento e ter passado para o estágio de crisálida, a prole começa uma existência cuja finalidade é cumprir novamente e, desde o princípio, a mesma tarefa [...] Não podemos deixar de indagar qual é o resultado de tudo isso [...] Não há nada a revelar, apenas a satisfação da fome e do instinto sexual e uma pequena recompensa momentânea, ocasional entre necessidades e esforços infindáveis.”

O único erro inato é pensar que viemos ao mundo para sermos felizes. Enquanto insistirmos nesse engano o mundo nos parece cheio de contradições. A cada momento, tanto nas pequenas como nas grandes coisas, estamos sujeitos a experiências que o mundo e a vida não arranjaram com o propósito de garantir uma existência feliz [...] Essa é a razão pela qual praticamente todos os idosos trazem uma expressão daquilo que atende pelo nome de desapontamento.”

O que perturba os anos de juventude e provoca sofrimento é a busca obsessiva da felicidade com a firme suposição de que ela deve ser encontrada na vida. A partir daí, surge uma esperança que morre e nasce a cada instante; com ela, vem a insatisfação. Imagens dolorosas de uma felicidade vaga com a qual sonhamos desfilam diante de nossos olhos em formas cuidadosamente selecionada e procuramos em vão por sua fonte [...] Muito se teria a ganhar se a juventude fosse instruída e aconselhada a tempo e conseguisse eliminar de sua mente o conceito errôneo de que o mundo tem muito a lhe oferecer.”

No decorrer de sua vida e dos infortúnios que ela traz, ele irá deixando de voltar-se exclusivamente para a sua própria sina e passará a enxergar a sina da humanidade como um todo e passará a conduzir-se mais como aquele que adquiriu sabedoria do que como aquele que sofreu.”

23 de junho de 2013

Montaigne

A leitura me consola em minhas horas de recolhimento; ela me alivia do peso de uma ociosidade penosa e, a qualquer instante, é capaz de livrar-me de companhias maçantes. Ela entorpece dores que podem se tornar dilacerantes. Para me distanciar de pensamentos soturnos, simplesmente necessito recorrer aos livros.”


Seria muito atrevimento concluir que o benefício da razão (que tanto louvamos e, pelo fato de a possuirmos, nos considerarmos amos e senhores de toda a criação) nos foi concedido para o nosso próprio tormento? Qual é a serventia do conhecimento se, por causa dele, perdemos a calma e a paz que, certamente, desfrutaríamos se não o tivéssemos, e se ele torna nossa condição pior que a do porco de Pirro?”


Fomos dotados de inconstância, hesitação, dúvida, sofrimento e superstição. Abrigamos em nosso íntimo preocupações com o futuro (mesmo depois de mortos), ambição, ganância, ciúme, inveja, desejos insanos e incontroláveis. A guerra, as mentiras, a infidelidade, a calúnia e a curiosidade nos atraem. Sentimos orgulho de nossa eloquência, de nosso suposto senso de justiça e de nossa capacidade de raciocinar, aprender e julgar. No entanto, o preço de tudo isso é estranhamente excessivo.”


Constatar que acabamos de dizer ou fazer algo estúpido não é nada; devemos aprender uma lição mais importante e de caráter mais amplo: não passamos de meros imbecis.


Uma parte da nossa vida consiste em insanidade e a outra em sabedoria. Aquele que aborda este assunto com respeito e formalidade omite mais da metade do que é relevante.”


Quando o bem-estar físico e um belo dia de sol sorriem para mim, sou bastante afável; basta uma unha do pé encravada para tornar-me suscetível, mal-humorado e intratável.”


As atividades genitais da humanidade são muito naturais, necessárias e legítimas: por que fomos inibidos a ponto de jamais ousar mencioná-las sem constrangimento e a ponto de excluí-las das conversas sérias e metódicas? Não temos medo de pronunciar palavras como matarroubar ou trair, mas existem aquelas que mal nos aventuramos a murmurar entre os dentes.”


Basta saírem de seus povoados de origem para se sentirem como peixes fora d’água. Por onde passam, mantém seus hábitos arraigados e criticam o modo de vida dos estrangeiros. Se, por acaso, encontram um compatriota comemoram o acontecimento. Mal-humorados e taciturnos, tomam a precaução de viajar enrolados em suas capas, no intuito de se protegerem do contágio de um clima desconhecido.”


O homem rotula de bárbaro qualquer coisa a que não está acostumado; não temos outro critério de verdade ou de razão absoluta que não sejam o exemplo e o perfil das opiniões e costumes do nosso próprio país. É nele que sempre encontramos a religião perfeita, a política perfeita e a maneira mais desenvolvida e perfeita de fazer o que quer que seja!”


O encanto de um companheiro com quem se vive em perfeita concordância e harmonia nunca será caro demais em minha opinião. Ah, um amigo! Como estavam certos os antigos, que julgavam o companheirismo mais doce que a água e mais necessário que o fogo.”


Pessoas que normalmente intitulamos amigas e por quem sentimos amizade não passam de conhecidos ou parentes que o acaso ou a convivência uniram. Em nome deles, nossos espíritos acabam por desenvolver uma tolerância mútua. A amizade a que me refiro tem por característica a total fusão de duas almas, que se confundem a ponto de se tornarem uma só. Ao formarem uma harmonia universal, eliminam por completo a linha que costurou uma à outra, de modo que jamais se possam encontrar traços dessa costura.”


Na realidade, se eu comparar o resto de minha vida àqueles quatro anos em que tive o privilégio de usufruir a terna amizade e o companheirismo de um homem como aquele [Étienne de La Boétie], vejo que só me sobraram cinzas e noites de escuridão e enfado. Desde o dia em que o perdi simplesmente me arrasto pela vida.”


Muitas coisas que eu não teria o cuidado de não dizer a um determinado homem digo ao público, e para que conheçam meus pensamentos mais secretos mando meus amigos mais fiéis a uma livraria.”


Que benefícios tanta erudição trouxe a Varro e a Aristóteles? Ela os livrou das mazelas humanas? Ela os aliviou de infortúnios como o de nascer um homem ordinário? A lógica teve o poder de os consolar dos sofrimentos causados pela gota?”


É com satisfação que retomo o tema dos absurdos de nossa educação: sua finalidade não é nos tornar melhores e mais sábios e sim fazer de nós pessoas cultas E, esse objetivo tem sido atingido. Não somos ensinados a buscar a virtude e abraçar a sabedoria: devemos aprender a derivação e a etimologia de tais palavras. Não hesitamos em perguntar: ‘Fulano sabe grego ou latim? Ele sabe escrever em verso e prosa?’ Mas a pergunta mais importante vem por último: ‘Ele se tornou uma pessoa melhor e mais sábia?’ Devemos descobrir não quem sabe mais e sim quem sabe melhor. Nosso esforço se concentra apenas em encher a memória, e não deixa espaço para o entendimento da vida e da noção de certo e errado.”


Talvez seja mais simples e mais frutífero fazer com que uma mulher aprenda cedo qual é a realidade da vida, em vez de lhe permitir fazer conjecturas que correspondem à licenciosidade de uma imaginação exaltada: em lugar de nosso órgão como de fato é, suas expectativas e desejos levam-nas à extravagância de substituí-lo por outro três vezes maior. Quanto prejuízo advém dessas pichações que os meninos espalham pelos corredores e escadarias dos palácios e que tentam reproduzir genitálias gigantescas! Delas resulta um cruel equívoco a respeito das potencialidades de nossa capacidade física.”


A mais inculta das nossas aflições é desprezar nosso ser.”


Nunca me disponho a gastar meus neurônios por coisa alguma, nem mesmo em nome do conhecimento, por mais precioso que ele venha a ser. Dos livros, espero apenas que sejam um passatempo honesto e me proporcionem momentos de prazer. Sempre que abro um livro e deparo-me com um trecho difícil, não me deixo consumir pela ansiedade: depois de uma ou duas tentativas, desisto do esforço. Se um livro me enfastia, pego outro.”


A obscuridade é uma moeda que o erudito conjura para não revelar a vacuidade de seus estudos e que a estupidez humana está inclinada em aceitar como pagamento.”


Assim como no vestir, a linguagem revela uma mente fútil que busca chamar a atenção para um estilo pessoal e incomum. Buscar novas expressões e palavras pouco conhecidas revela uma adolescente ambição livresca.”


Os diálogos de Sócrates, que seus amigos legaram à posteridade, recebem nosso beneplácito apenas porque nos deixamos intimidar pela aprovação geral que receberam. Não usamos nossos próprios recursos intelectuais para julgá-los, pois nunca fizeram parte de nossos hábitos. Se, na época em que vivemos, alguém viesse a produzir algo semelhante, poucos seriam aqueles que lhe reconheceriam o valor. Não somos capazes de apreciar virtudes que não são destacadas ou ampliadas por artifício [...] Sócrates tinha a mesma espontaneidade do homem comum: por conseguinte, falava como um camponês; falava como uma mulher. Suas induções e comparações baseavam-se nas atividades humanas comuns e mais conhecidas; todos eram capazes de compreendê-lo. Nos dias de hoje nenhum de nós discerniria a nobreza e o esplendor de seus conceitos surpreendentes, expressos de forma tão simples; nós, que julgamos inferior e banal o que não é revestido de erudição e que só percebemos a riqueza quando ela só se faz acompanhar da pompa.”


Sempre que peço a esse meu amigo que me diga o que sabe a respeito de determinado assunto, ele quer me mostrar um livro; ele jamais ousaria me contar que sofre de prurido anal sem antes recorrer a um dicionário para conferir o significado das palavras prurido anal.”


Em Pisa, conheci um homem honrado tão aristotélico que a mais elementar de suas doutrinas tinha por base afirmar que a pedra de toque e o termômetro de todas as ideias bem fundamentadas deviam estar em conformidade com os ensinamentos de Aristóteles. Se não estivessem, eram ideias vãs e quiméricas: Aristóteles havia visto tudo, feito tudo.”


Às vezes recorro a outros autores para que digam o que não consigo expressar com a mesma propriedade devido às minhas deficiências de linguagem ou à minha pobreza intelectual e às vezes por temer o julgamento precipitado daqueles que não hesitam em atacar os escritos de qualquer tipo, especialmente aqueles cujos autores ainda vivem. Tenho de esconder minhas deficiências sob aqueles que alcançaram grande reputação.”


Se eu tivesse tido confiança de fazer o que realmente queria, teria usado minhas próprias palavras, sem me importar com as consequências.”


Mesmo que um homem venha a se tornar um portento aos olhos do mundo, sua esposa e seu camareiro continuarão a não perceber nada de extraordinário nele. Poucos homens foram maravilhas para suas famílias.”


Sabemos dizer ‘Foi Cícero quem disse isto’; ‘Este é o conceito de moral, segundo Platão’; ‘São estas as ipsissima verba de Aristóteles’. Mas o que nós temos a dizer? Que julgamentos fazemos? O que estamos fazendo? Um papagaio pode falar tão bem quanto nós.”


Existem mais livros sobre livros do que sobre qualquer outro assunto: tudo o que fazemos é glosar uns aos outros. Tudo não passa de uma enxurrada de comentários; de autores propriamente ditos, há uma escassez absoluta.”


Se eu fosse um homem de grande erudição, encontraria o suficiente para tornar-me sábio em minha própria experiência. Todo aquele que traz vivo na mente seu último acesso de fúria percebe a feiura desse sentimento melhor do que em Aristóteles. Qualquer um capaz de lembra-se dos sofrimentos por que passou, de quem o ameaçou e dos incidentes banais que trouxeram modificações em sua vida está preparado para mutações futuras e para a análise de sua situação.”


É possível vincular a filosofia moral em sua totalidade tanto a uma existência anônima e banal como a outra de natureza mais rica.”


Devemos aprender a suportar tudo aquilo que não podemos evitar. Nossa vida compõe-se, como a harmonia do mundo, de dissonâncias e de diferentes tons, maviosos ou estridentes, sustenidos e bemóis, suaves e grandiosos. Se um músico gostasse de apenas alguns, o que lhe restaria para cantar? Ele precisa saber como usar e combinar todas as variedades de tons. Da mesma forma devemos agir com relação ao bem e ao mal, pois são eles que formam a essência de nossa vida.”


Os milagres existem conforme a ignorância em que estamos da natureza, e não conforme a essência da natureza. O hábito embota a visão de nosso julgamento.”


As leis da consciência, que dizemos nascerem da natureza, nascem do costume; tendo cada um veneração íntima pelas opiniões e pelos costumes aprovados e aceitos à sua volta, não pode se desprender deles sem remorso, nem se aplicar a eles sem aplauso.”