“Eu
não encontro defeito nas crianças (...). Sei que criança não
nasce com senso. Quando falo com uma criança lhe dirijo palavras
agradaveis.”
“Estive
revendo os aborrecimentos que tive esses dias (...). Suporto as
contingências da vida resoluta. Eu não consegui armazenar para
viver, resolvi armazenar paciência.”
“Quando
estou nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias
eu escrevo. Sento no quintal e escrevo.”
“Eu
fiz uma reforma em mim. Quero tratar as pessoas que eu conheço com
mais atenção. Quero enviar um sorriso amavel as crianças e aos
operarios.”
“O
Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A
fome tambem é professora (...). Quem passa fome aprende a pensar no
proximo, e nas crianças.”
“É
o dia da Abolição. Dia que comemoramos a libertação dos escravos
(...). Nas prisões os negros eram bodes expiatorios. Mas os brancos
agora são mais cultos. E não nos trata com despreso. Que Deus
ilumine os brancos para que os pretos sejam feliz.”
“Choveu,
esfriou. É o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. A
Vera começou pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do
espetaculo (...). E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra
a escravatura atual – a fome.”
“Eu
classifico São Paulo assim: o Palacio é a sala de visita. A
Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é
o quintal onde jogam os lixos.”
“Pensei
no Casemiro de Abreu, que disse: ‘Ri criança. A vida é bela.’
Só se a vida era boa naquele tempo. Porque agora a epoca está
apropriada para dizer: ‘Chora criança. A vida é amarga’.”
“Aqui
na favela todos lutam com dificuldade para viver. Mas quem manifesta
o que sofre é só eu. E faço isto em prol dos outros.”
“Os
politicos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte
quando vê o seu povo oprimido.”
“Quem
deveria dirigir é quem tem capacidade. Quem tem dó e amisade ao
povo. Quem governa o nosso país é quem tem dinheiro, quem não sabe
o que é fome, a dor, e a aflição do pobre. Se a maioria
revoltar-se, o que pode fazer a minoria? Eu estou do lado do pobre,
que é o braço. Braço desnutrido. Precisamos livrar o país dos
politicos açambarcadores.”
“É
quatro horas. Eu já fiz almoço – hoje foi almoço. Tinha arroz,
feijão e repolho e linguiça. Quando eu faço quatro pratos penso
que sou alguem.”
“O
senhor Manoel apareceu dizendo que quer casar-se comigo. Mas eu não
quero porque já estou na maturidade. E depois, um homem não há de
gostar de uma mulher que não pode passar sem ler. E que levanta para
escrever. E que deita com lapis e papel debaixo do travesseiro. Por
isso é que eu prefiro viver só para o meu ideal.”
“Eu
penso que a violência não resolve nada (...). Assembleia de
favelados é com paus, facas, pedradas e violências.”
“Os
visinhos de alvenaria olha os favelados com repugnancia. Percebo seus
olhares de odio porque eles não quer a favela aqui. Que a favela
deturpou o bairro. Que tem nojo de pobresa. Esquecem eles que na
morte todos ficam pobres.”
“Os
bons eu enalteço, os maus eu critico. Devo reservar as palavras
suaves para os operarios, para os mendigos, que são escravos da
miseria.”
“Eu
escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles
respondia-me: – É pena você ser preta. Esquecendo eles que eu
adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rustico. Eu até acho o
cabelo de negro mais iducado do que o cabelo de branco. Porque o
cabelo de preto onde põe, fica. É obediente. E o cabelo de branco,
é só dar um movimento na cabeça ele já sai do lugar. É
indisciplinado. Se é que existe reencarnações, eu quero voltar
sempre preta.”
“Se
a gente pudesse escrever sempre elogiando! Se eu escrever que o
Valdemar é bom elemento quando alguem lhe conhecer não vai
comprovar o que eu escrevi.”
“O
que eu acho interessante é quando alguem entra num bar ou emporio
logo aparece um que oferece pinga. Porque não oferece um quilo de
arroz, feijão, doce, etc.?”
“Tem
pessoas aqui na favela que diz que eu quero ser muita coisa porque
não bebo pinga. Eu sou sozinha. Tenho três filhos. Se eu viciar no
alcool os meus filhos não irá respeitar-me. Escrevendo isto estou
cometendo uma tolice. Eu não tenho que dar satisfações a ninguem.
Para concluir, eu não bebo porque não gosto, e acabou-se. Eu
prefiro empregar o meu dinheiro em livros do que no alcool. Se você
achar que eu estou agindo acertadamente, peço-te para dizer: –
Muito bem, Carolina!”
“Quando
morre alguem aqui na favela os malandros saem pelas ruas pedindo
esmolas para sepultar os que falece. Embolsam o dinheiro e gastam na
bebiba.”
“Esquentei
o arroz e os peixes e dei para os filhos. Depois fui catar lenha.
Parece que eu vim ao mundo predestinada a catar. Só não cato a
felicidade.”
“As
quatro horas comecei escrever. Quando eu desperto custo adormecer.
Fico pensando na vida atribulada e pensando nas palavras do Frei Luiz
que nos diz para sermos humildes. Penso: se o Frei Luiz fosse casado
e tivesse filhos e ganhasse salario minimo, ai eu queria ver se o
Frei Luiz era humilde. Diz que Deus dá valor só aos que sofrem com
resignação. Se o Frei visse os seus filhos comendo generos
deteriorados, comidos pelos corvos e ratos, havia de revoltar-se,
porque a revolta surge das agruras.”
“Penso:
porque será que os meninos que fogem do Juizado vem difamando a
organização? Percebi que no Juizado as crianças degrada a moral.
Os Juizes não tem capacidade para formar o carater das crianças. O
que é que lhes falta? Interesse pelos infelizes ou verba do Estado?”
“O
que observo é que os que vivem aqui na favela não podem esperar boa
coisa deste ambiente. São os adultos que contribue para delinquir os
menores.”
“Cheguei
em casa e deitei. Estava com frio e mal estar. O povo da favela já
sabe que eu estou doente. Mas não aparece ninguem para prestar-me um
favor. Não deixo o João sair. Ele passa o dia lendo. Ele conversa
comigo e eu vou revelando as coisas inconvinientes que existe no
mundo. Já que o meu filho já sabe como é o mundo, a linguagem
infantil entre nós acabou-se.”
“Quando
eu ia na residencia do Dr. Adhemar encontrei um senhor que deu-me
este cartão: Edison Marreira Branco. Estava tão bem vestido que
atraiu os olhares. Disse-me que pretendia incluir-se na politica.
Perguntei-lhe: –Quais são suas pretensões na politica? – Quero
ficar rico igual ao Adhemar. Fiquei horrorizada. Ninguém mais
apresenta amor patriotico.”
“Um
sapateiro perguntou-me se o meu livro é comunista. Respondi que é
realista. Ele disse-me que não é aconselhavel escrever a
realidade.”
“Quando
eu passava na Avenida Tiradentes, uns operarios que saiam da fabrica
disse-me: – Carolina, já que você gosta de escrever, instiga o
povo para adotar outro regime.”
“Uma
senhora chamou-me para dar-me papeis. Disse-lhe que devido ao aumento
da condução a policia estava nas ruas. Ela ficou triste. Percebi
que a noticia do aumento entristece todos. Ela disse-me: – Eles
gastam nas eleições e depois aumentam qualquer coisa. O Auro
perdeu, aumentou a carne. O Adhemar perdeu, aumentou as passagens. Um
pouquinho de cada um, eles vão recuperando o que gastam. Quem paga
as despesas das eleições é o povo!”
“O
povo não sabe revoltar-se. Deviam ir no Palacio do Ibirapuera e na
Assembleia dar uma surra nestes politicos alinhavados que não sabem
administrar o pais.”
“Fui
fazer compras no japonês. Comprei um quilo e meio de feijão, 2 de
arroz e meio de açucar, 1 sabão. Mandei somar. 100 cruzeiros. O
açucar aumentou. A palavra da moda, agora, é aumentou. Aumentou!”
“Isto
me faz lembrar esta quadrinha que o Roque fez e deu-me para eu
incluir no meu repertorio poetico e dizer que é minha: Politico
quando candidato. Promete que dá aumento. E o povo vê que de fato.
Aumenta o seu sofrimento!”
“Hoje
eu estou triste. Deus devia dar uma alma alegre para o poeta.”
“O
que eu fico admirada é das almas da favela. Bebem porque estão
alegres. E bebem porque estão tristes (...). A bebida aqui é o
paliativo. Nas epocas funestas e nas alegrias.”
“Fui
carregar agua. Não tinha ninguem. Só eu e a filha do T., a mulher
que fica gravida e ninguem sabe quem é o pai de seus filhos. Ela diz
que os seus filhos são filhos de seu pai.”
“Penso:
porque há se ser o pobre quem há de ter filhos – se filhos de
pobre tem que ser operario? Na minha fraca opinião quem deve ter
filhos são os ricos, que podem dar alvenaria para os filhos. E eles
podem comer o que desejam.”
“Quando
o carro capela vem na favela surge varios debates sobre religião. As
mulheres dizia que o padre disse-lhes que podem ter filhos e quando
precisar de pão podem ir buscar na igreja. Para o senhor vigario, os
filhos de pobres criam só com pão. Não vestem e nem calçam.”
“De
manhã teve missa (...). O padre disse que sente prazer de estar
entre nós. Mas se o padre residisse entre nós, havia de expressar
de outra forma.”
“Fui
no Correio retirar os cadernos que retornaram dos Estados Unidos
(...). Cheguei na favela triste com se tivessem mutilado os meus
membros. O The Reader Digest devolvia os originais. A pior bofetada
para quem escreve é a devolução de sua obra.”
“O
meu pensamento começou a desvendar a sordidez do cigano. Ele tira
proveito da sua beleza. Sabe que as mulheres se ilude com rostos
bonitos. Ele atrai as mocinhas dizendo que casa com elas. Satisfaz
seus desejos e depois manda elas ir embora(...). Olhei o rosto do
cigano. O rosto bonito. Mas fiquei com nojo. Era um rosto de anjo com
alma de diabo.”
“A
vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que
encerra. E nós quando estamos no fim da vida é que sabemos como
nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta é a
minha pele. Preto é o lugar onde eu moro.”
“O
senhor Manoel chegou. Agora eu estou lhe tratando bem, porque percebi
que gosto dele. Passei varios dias sem vê-lo e senti saudades. A
saudade é amostra do afeto.”
“Hoje
tem muito papel no lixo. Tem tantos catadores de papeis nas ruas. Tem
os que catam e deitam-se embriagados. Conversei com um catador de
papel. – Porque é que não guarda o dinheiro que ganha? Ele
olhou-me com seu olhar de tristeza: – A senhora me faz rir! Já foi
o tempo que a gente podia guardar dinheiro. Eu sou um infeliz. Com a
vida que levo não posso ter aspiração. Não posso ter um lar,
porque um lar inicia com dois, depois vai multiplicando. Ele olhou-me
e disse-me: – Porque falamos disso? O nosso mundo é a margem. Sabe
onde estou dormindo? Debaixo das pontes. Eu estou doido. Eu quero
morrer! – Quantos anos tem? – 24. Mas já enjoei da vida. Segui
pensando: quem escreve gosta de coisas bonitas. Eu só encontro
tristezas e lamentos.”
“Quando
o José Carlos entrou, disse: – Eu tenho uma coisa para contar. –
O que é? – Eu vi o Chico fazendo bobagem com a P. Não dei margem
ao assunto. Ele prosseguia: – O Chico fazia bobagem com a P. e a
Vanilda estava perto olhando. A Vanilda tem 2 anos!”
“Encontrei
um cego: – Há quantos anos perdeste a vista? – 10 anos. –
Achou ruim? – Não. Porque tudo o que Deus faz é bom. – Qual foi
a causa da perda visual? – Fraqueza. – E não teve possibilidade
de cura? – Só se fizer transplantação. Mas é preciso encontrar
quem me dê os olhos. – Então o senhor já viu o sol, as flores e
o céu cheio de estrelas? – Já vi. Graças a Deus.”
“A
pior praga da favela atualmente são os ladrões. Roubam de noite e
dormem durante o dia. Se eu fosse homem não deixava os meus filhos
residir nesta espelunca. Se Deus auxiliar-me hei de sair daqui, e não
hei de olhar para trás.”
“O
senhor Manoel apareceu (...). Deu-me 200 cruzeiros, eu não quis
aceitar. – Você não me quer mais? – Eu tenho muito serviço.
Não posso preocupar com homens. Meu ideal é comprar uma casa
decente para os meus filhos. Eu, nunca tive sorte com homens. Por
isso não amei ninguém. Os homens que passaram na minha vida só
arranjaram complicações. Filhos para eu cria-los.”
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