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26 de junho de 2013

Nietzsche

Trago em mim a terrível desconfiança de que um dia serei declarado santo.”

Aos seres humanos que não me interessam, desejo sofrimento, desolação, doença, maus-tratos e indignidades – desejo que não continuem a desconhecer a profunda autodepreciação, a tortura da autodesconfiança, a miséria dos derrotados.”

Sabemos que a vida consiste em sofrimento e que, quanto mais nos esforçamos para aproveitá-la, mais ela nos escraviza. Devemos, portanto, abrir mão das vantagens que ela nos oferece e praticar a abstinência.”

Essas pequenas coisas – alimentação, ambiente, clima, lazer, toda a casuística do egoísmo – superam toda e qualquer concepção de maior importância, a que se deu relevância até agora.”

Entre os vivos, não há ninguém que me interesse muito. As pessoas que admiro já morreram faz muito tempo – por exemplo, o abade Galiani, Henri Beyle ou Montaigne.”

Ele [Montaigne] envolveu-se em atividades práticas [...] Não repudiou a vida; mas mergulhou nela [...] Tomou para si o maior número possível de responsabilidades [...] O que ele queria era a totalidade; e combateu a divisão entre a razão, a sensualidade, a emoção e a vontade.”

E se o prazer e o desgosto estiverem tão intimamente ligados que todos aqueles que quiserem obter o máximo possível de um devem também ter o máximo possível do outro [...] Existe uma escolha: ou o mínimo possível de prazer, em resumo, ausência de sofrimento, ou o mínimo possível de desgosto, como o preço a pagar por uma produção de prazeres e alegrias sutis em profusão que raramente já foi desfrutada? Se se decidir pelo primeiro caso e se desejar diminuir e reduzir o nível de sofrimento humano, tem-se também de diminuir e reduzir o nível de sua capacidade para a alegria.”

Examinem a vida das pessoas e dos povos mais brilhantes e mais produtivos e perguntem a si próprios se uma árvore que deve alcançar uma altura invejável pode prescindir do mau tempo e das tempestades e se o infortúnio e a resistência externa, alguns tipos de ódios, a inveja, a obstinação, a desconfiança, a insensibilidade, a avareza e a violência fazem, ou não, parte das condições favoráveis sem as quais qualquer grande progresso, mesmo o da virtude, quase nunca é possível.”

Como alguém pode se tornar um pensador se não passar ao menos um terço do dia sem paixões, gente e livros?”

Apenas os pensamentos que vêm à mente durante uma caminhada têm algum valor.”

Quando contemplamos aquelas depressões de sulcos profundos nas quais as geleiras se aninham, pensamos que dificilmente haverá um tempo em que um vale arborizado e coberto de grama, banhado por riachos, irá estender-se exatamente no mesmo local. O mesmo acontece na história da humanidade: forças selvagens abrem caminho e são essencialmente destrutivas; mas sua ação é necessária para que mais tarde uma civilização de melhor índole dê continuidade à sua estirpe. As energias terríveis – que são chamadas de mal – são como ciclópicos e desbravadores da humanidade.”

Devemos aprender a suportar tudo aquilo que não podemos evitar. Nossa vida compõe-se, como a harmonia do mundo, de dissonâncias e de diferentes tons, maviosos ou estridentes, sustenidos e bemóis, suaves e grandiosos. Se um músico gostasse de apenas alguns deles, o que lhe restaria para cantar? Ele precisa saber como usar e combinar todas as variedades de tons. Da mesma forma devemos agir com relação ao bem e ao mal, pois são eles que formam a essência de nossa vida.”

Se fôssemos ao menos terrenos férteis, não permitiríamos que nada se tornasse inútil e veríamos em cada acontecimento, em cada coisa e em cada homem um adubo bem-vindo.”

Não falem em dom ou talento inato! Podem-se citar grandes homens que não foram muito talentosos. Eles adquiriram grandeza, tornaram-se ‘gênios’(como se costuma defini-los), por intermédio de atributos sobre os quais aqueles que sabem não possuí-los não gostam de falar: todos eram dotados da mesma seriedade e perseverança de um artesão, que aprende em primeiro lugar a construir de maneira adequada as partes antes de ousar fazer o todo. Eram pacientes porque dava-lhes mais prazer executar bem as coisas pequenas e secundárias do que admirar o efeito deslumbrante do todo.”

Como um jardineiro, podemos dispor de nossa intuição e pendores e realizar o que poucas pessoas sabem, ou seja, cultivar as sementes da cólera, da piedade, da curiosidade e da vaidade de maneira tão fecunda e rendosa como se cultiva uma bela árvore frutífera em uma treliça.”

[Acreditamos que] aquilo que é superior não pode se originar do inferior, não pode florescer de maneira alguma [...] Tudo o que é de primeira ordem deve ser a causa de si mesma.”

As coisas boas e elevadas estão habilidosamente relacionadas, unidas e entrelaçadas às coisas más e ostensivamente antitéticas. O amor e o ódio, a gratidão e a vingança, a tolerância e a revolta têm a mesma raiz.”

Os sentimentos de ódio, inveja, cupidez e desejo de dominação são determinantes da vida e devem, fundamental e essencialmente, estar presentes na economia total da vida.”

Quanto mais intensas e mais terríveis forem as paixões que uma época, um povo ou um indivíduo podem se permitir, porque são capazes de utilizá-las como um recurso, mais elevada é a sua cultura.”

Eles não repudiavam o impulso natural que se manifestava nas qualidades negativas, mas optavam por aceitá-lo e – logo após terem descoberto um número suficiente de medidas acautelatórias capazes de fornecer a essas águas revoltas um meio o mais inofensivo possível de serem canalizadas e escoadas – confiná-lo, definindo para ele dias e cultos determinados. Essa é a raiz de toda a moral da liberdade de espirito da Antiguidade.”

Toda paixão passa por uma fase que se pode chamar de no mínimo desastrosa, na qual sua vítima verga sobre o peso da estupidez. Em seguida, vem o período em que o espírito se acomoda, a vítima ‘espiritualiza-se’. Em tempos remotos, devido à estupidez da paixão, as pessoas travavam com ela uma verdadeira batalha; planejam destrui-la […] Destruir as paixões e os desejos apenas para evitar-lhes a estupidez e as consequências desagradáveis dessa estupidez nos parece nos dias de hoje ser, em si mesma, simplesmente uma forma aguda de estupidez. Foi-se o tempo em que costumávamos ficar maravilhados quando um dentista arrancava um dente para fazer cessara a dor.”

Muitas vezes causaram-me extrema repugnância as manifestações de camaradagem entre os frequentadores da sede do clube [...] Mal podia suportar determinados indivíduos e seu materialismo etílico.”

Quanta cerveja há na inteligência alemã!”

Devo aconselhar com demasiada gravidade a todos de natureza mais espiritual a se abster absolutamente do álcool. Água é suficiente.”

Se um indivíduo recusa-se a permitir que seu próprio sofrimento recaia sobre si mesmo durante uma hora e se tenta constantemente precaver-se contra o infortúnio e antecipar-se a ele; se encara o sofrimento e o desprazer como algo nocivo e merecedor de aniquilamento ou como um defeito da existência, então torna-se evidente que esse indivíduo abriga em seu coração a religião do comodismo. Como essas pessoas sabem pouco a respeito da felicidade humana! A felicidade e a infelicidade são irmãs, são, até mesmo, gêmeas, que ou crescem juntas, ou, como no caso desses a quem me refiro, permanecem unidas em sua pequenez.”

Todas essas linhas de pensamento que julgam o valor das coisas em conformidade com o prazer e a dor, e de acordo com os fenômenos circunstanciais e secundários, são superficiais e ingênuas. A consciência, não só do artista como a de qualquer pessoa que não ignore a existência de uma energia criativa, irá desprezá-las e tratá-las com escárnio.”

Para acreditar que o vinho tem a propriedade de deixar alguém bem disposto, eu teria de ser cristão, isto é, crer – o que, para mim em especial, é um absurdo.”

Lanço contra a Igreja as mais terríveis palavras de acusação que qualquer promotor jamais proferiu. Para mim, ela é a forma mais extrema de corrupção que se possa conceber [...] nada escapa à sua depravação [...] Considero o cristianismo a única grande praga, a única grande depravação intrínseca.”

Faz muito bem aquele que calça luvas para ler o Novo Testamento. A proximidade com tanta sujeira quase nos força a isso [...] Tudo o que o cristianismo prega é a covardia, a autoilusão e a alienação do ser humano quanto à sua própria condição [...] Será que ainda preciso acrescentar que em todo o Novo Testamento existe uma única e solitária figura que se deve respeitar? Refiro-me a Pilatos, governador romano da Judeia.”

Nosso destino é sermos eremitas intelectuais e travar conversas ocasionais com algumas pessoas cuja mentalidade se assemelha à nossa.”

Não quero mais ser um solitário. Quero reaprender a ser um ser humano. Ah, quanto a isso, tenho praticamente tudo a aprender!”

Minha insegurança agora é imensa [...] Tudo o que me chega aos ouvidos me faz pensar que as pessoas me desprezam.”

Não gosto da minha mãe, e a voz da minha irmã causa-me uma certa ojeriza. Sempre adoecia quando estava em companhia das duas.”

Dores constantes, uma sensação de hemiplegia, um estado próximo ao dos mareados, durante o qual sinto dificuldades de falar – essas sensações prolongam-se por várias horas por dia. Para minha diversão tenho ataques apopléticos (o mais recente forçou-me a vomitar durante três dias e três noites; fico mortalmente sedento). Não consigo ler! Raramente consigo escrever! Não consigo ouvir música!”

Para a doença masculina do autodesprezo o remédio mais eficaz é ser objeto do amor de uma mulher inteligente.”

Ler um livro, logo pela manhã, ao nascer do sol, quando se está no auge do vigor físico e do frescor espiritual – chamo isso de mórbido!”

O combate às doenças da humanidade gerou uma doença ainda mais grave. A longo prazo, o que parecia a cura acabou por agravar os males que pretendiam eliminar. Por ignorância, acreditou-se que os métodos de efeitos imediato que só faziam entorpecer e inebriar, as supostas consolações, eram verdadeiras curas. Ninguém foi capaz perceber que, muitas vezes, preço que se pagava por esse alívio imediato trazia um agravamento geral e profundo sofrimento.”

Considerar os estados de infortúnio em geral como um obstáculo, como algo que deve ser abolido, é a [suprema estupidez], representa um verdadeiro desastre em suas consequências... quase tão estúpido quanto a pretensão de se abolir o mau tempo.”

"Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio - ninguém, exceto tu."

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