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12 de junho de 2013

Augusto dos Anjos

Lembrança da minha juventude

A minha ama de leite Guilhermina
Furtava as moedas que o Doutor me dava.
Sinhá-Mocinha, minha Mãe, ralhava...
Via naquilo minha própria ruína!

Minha ama, então, hipócrita, afetava
Susceptibilidades de menina:
“– Não, não fora ela! –“ E maldizia a sina,
Que ela absolutamente não furtava.

Vejo, entretanto, agora, em minha cama,
Que a mim somente cabe o furto feito...
Tu só furtaste a moeda, o oito, que brilha...

Furtaste a moeda só, mas eu, minha ama,
Eu furtei mais, porque furtei o peito
Que dava leite para a tua filha!


Versos íntimos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


À mesa

Cedo à sofreguidão do estômago.
É a hora
De comer. Coisa hedionda! Corro.
E agora,
Antegozando a ensanguentada presa,
Rodeada pelas moscas repugnantes,
Para comer meus próprios semelhantes
Eis-me sentado à mesa.

Como porções de carne morta... Ai!
Como
Os que, como eu, têm carne, com este assomo
Que a espécie humana em comer carne tem!...
Como! E pois que a Razão me não reprime,
Possa a terra vingar-se do meu crime
Comendo-me também.

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