Percebi na favela algumas atitudes que
vão além da simples resistência propagada pela elite intelectualizada. Percebi
coragem. Vontade de juntar a maioria que é marginalizada, inclusive por esse
privilégio que é esta educação mercantilizada, e fazer aquilo tudo que muitos já
desacreditaram. Escutei de pessoas muito mal acostumadas com suas vantagens
diárias palavras como caridade, empatia, senso de responsabilidade, mas quando
perguntadas se conseguiam se colocar no lugar do outro, diziam que não. Que
isto é muito difícil de ser concretizado. Teorias que doutrinam. Discursos
sobre discursos esvaziados. Repletos da inércia de uma classe bem assistida
pela política monetária. Atitudes que não podem ser praticadas?! Oh, vã ilusão
de interferir na realidade desse jeito tão profissionalizado. Percebi que as
oportunidades que não são conquistadas, carecem de dignidade. Que um simples
prato de comida num quarto de despejo é bem mais saboroso do que os que nos
envenenam nas redes de restaurantes mais conceituadas. Desperdiça-se assim o
que poderia ser a base para a construção de virtudes essenciais para o
questionamento, para o cumprimento das promessas que as autoridades afirmam,
senão realizadas, pelo menos em vias de entrar em plenária. Percebi e ainda
percebo que aqueles que têm mais chances pensam que são merecedores de seu
sucesso pessoal, deixando cada vez mais de lado em suas análises o bem social que
eles mesmos fazem deplorável. Não nego que o pessoal deva ser cada vez mais
respeitado (para decidirmos e não sermos conduzidos como gado); no entanto, só faremos
algo quando constrangidos por um castigo ou impulsionados por um prêmio
invejável? Só convivemos porque outros nos cuidaram! Achando-se muito
importantes por desfrutarem do trabalho miserável da maioria que precisa e
ainda há de ser bem melhor preparada. Para competir de igual pra igual com a
ajuda paternal de cotas e auxílios vexatórios. Paliativos para um problema cujas
causas, para serem claras, precisam sempre de novos dados?! Crianças precisam
de respeito e não de uma família, de uma escola, de um estado que tem como fim
sufocá-las. Muito mais que palavras, esta minha percepção me levou a me juntar
um pouco mais. Pois não é meu salário que me dignifica e muito menos as coisas
que eu consigo, a partir dele, comprá-las. Não é meu diploma e muito menos
minhas “vitórias” neste mundo da insana competitividade. Nossas potencialidades
se desenvolvem com menos luta em um meio onde haja segurança, carinho, cuidado,
amor, reciprocidade. Nossa autonomia, nosso reconhecimento de nossas
responsabilidades cósmicas se realizam quando se associam a outras
potencialidades. Os diários da sua vida me ajudaram a perceber que da lama, do
barro, nascem dignidades que, no conforto exagerado, muitas vezes sequer são
notadas.
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