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26 de junho de 2013

Schopenhauer

A vida é feita de desolações. Resolvi devotar meus dias à sua reflexão.”

Às vezes converso com homens e mulheres da mesma forma como uma menina conversa com sua boneca. Ela sabe, é claro, que a boneca não a compreende, mas cria para si mesma a alegria da comunicação, valendo-se de uma autoilusão deliberada e agradável.”

Muito me ajudaria se eu ao menos pudesse livrar-me da ilusão de considerar como meus pares toda uma geração de indivíduos desprezíveis e traiçoeiros.”

Se algum Deus criou este mundo, eu, então, não gostaria de ser Deus; os infortúnios e sofrimentos me cortariam o coração.”

Geralmente não ocorre a ninguém que a filosofia tem de ser tratada com seriedade, sobretudo ao conferencista de filosofia, assim como ninguém crê menos no cristianismo do que o papa.”

Depois de seu quadragésimo ano qualquer homem de mérito dificilmente se verá livre de uma certa misantropia.”

A vida não tem um valor intrínseco verdadeiro, mas é mantida em movimento apenas pela necessidade e pelas ilusões.”

Sempre que vejo um animal, sou imediatamente tomado de uma sensação de prazer que me alegra o coração.”

Apesar de demonstrar grande inteligência e ser considerado como o melhor e mais fiel amigo do homem, o cão é mantido por seus donos em uma coleira! Não consigo ver um cão nesse estado sem sentir a mais profunda simpatia por ele e uma profunda indignação por seu dono.”

Aquele que costuma bater portas, em vez de fechá-las naturalmente não só é mal-educado como também vulgar e de mentalidade tacanha [...] Seremos razoavelmente civilizados quando as pessoas não tiverem mais o direito de perturbar a tranquilidade de um ser pensante com seus assobios, gritarias, algazarras, urros e outros tipos de ruídos.”

Se a vida e a existência fossem uma condição agradável, todos relutariam em entregar-se ao estado de inconsciência provocado pelo sono e dele despertariam com alegria. Mas acontece justamente o contrário. As pessoas vivem ansiando pela hora de adormecer e, pela manhã, levantam-se da cama de má vontade.”

Depois de condenarem um homem a viver uma vida inteira na insignificância e no ostracismo, eles pensam que basta um rufar de tambores ou um soar de trombetas para tudo se resolver.”

Não deixa de ser surpreendente constatar que um assunto [amor] que em geral é uma parte importante na vida de um homem tenha sido, até o presente momento, praticamente desprezado pelos filósofos e permaneça diante de nós como uma matéria-prima jamais trabalhada.”

O amor interrompe a cada momento o mais sério dos trabalhos e algumas vezes deixa perplexos, mesmo que por alguns instantes, os cérebros mais geniais. Ele não hesita em interferir nos negócios do estadista e nas investigações do intelectual. Ele sempre encontra meios furtivos de introduzir bilhetes apaixonados e cachos de cabelos do ser amado até mesmo nas pastas ministeriais e nos manuscritos filosóficos. Ocasionalmente, exige o sacrifício da saúde, dos bens, da posição social ou da felicidade.”

Não devemos nos deter em pormenores insignificantes; ao contrário, a relevância deste assunto está em plena harmonia com a sinceridade e o empenho que lhe dedicamos. Toda relação amorosa tem um objetivo primordial que, na verdade, se sobrepõe a qualquer outro projeto humano.”

O que caracteriza esse objetivo é nada menos que a criação da próxima geração [...] a existência e a organização específica da raça humana no futuro.”

O intelecto não tem acesso ao laboratório secreto onde a vontade urde suas decisões. Ele é claramente um confidente da vontade. Mas um confidente que nunca chega a estar a par de tudo.”

O momento em que o amor – ou, para ser mais exato, o desejo – entre duas pessoas começa florescer deve, na realidade, ser encarado como o primeiro passo para a formação de um novo indivíduo.”

Há algo de bastante peculiar na seriedade profunda e inconsciente com que um jovem casal observa um ao outro no primeiro encontro. A troca de olhares sutis e perscrutadores, a cuidadosa inspeção mútua da aparência, o exame rigoroso de todos os traços que compõem cada individualidade nada mais é do que a meditação do espírito, a indagar sobre a viabilidade de ser gerado um novo ser humano.”

Todos desejam, por intermédio de seu par, eliminar suas próprias fraquezas, defeitos e desvios do padrão, para que não sejam perpetuados ou transformados em completa anormalidade no filho que será gerado.”

A neutralização das duas individualidades exige que um grau determinado de virilidade do homem corresponda exatamente a um determinado grau de feminilidade da mulher, de modo que os exageros de cada uma das partes sejam eliminados pela outra com exatidão.”

[No entanto], conseguir que a conveniência e a paixão caminhem de braços dados é o mesmo que receber o mais raro bafejo da sorte.”

O amor lança-se sobre as pessoas que, fora da relação sexual, seriam detestáveis, desprezíveis e mesmo repugnantes como amantes. A vontade de perpetuação da espécie é tão mais poderosa que a do indivíduo que faz o apaixonado fechar os olhos para todas as qualidades que lhe são repugnantes, tudo tolera, tudo distorce, e acaba por unir-se para sempre ao objeto de sua paixão. Ele se mostra, dessa forma, completamente enfeitiçado por uma ilusão, que se desfaz tão logo o desejo de perpetuação da espécie seja satisfeito, mas deixa como herança um cônjuge detestável para o resto da vida. Essa é a única explicação razoável para o fato de encontrarmos com frequência homens muito sensatos, e até mesmo eminentes, presos a verdadeiras megeras e ficarmos intrigados com as razões de semelhante escolha [...] Um homem apaixonado pode chegar a enxergar com clareza e amargura os intoleráveis defeitos de sua noiva, de temperamento e caráter, que lhe acenam com uma vida de agruras e, no entanto, não se assustar a ponto de se afastar definitivamente porque, em última análise, não está levando em consideração os seus interesses e sim os interesses de uma terceira pessoa que ainda não existe, embora ele se deixe envolver pela ilusão de que o que procura é o seu próprio interesse.”

Quantas vezes não já se observou que imediatamente após a cópula ouvem-se as gargalhadas do Diabo?”

Tudo leva a crer que, ao se contrair matrimônio, um dos dois interesses deve ser prejudicado: o interesse pessoal ou o interesse da espécie.”

A geração futura é providenciada à custa da geração atual.”

O que se procura no casamento não é diversão intelectual e sim a procriação.”

[A ideia da perda de um amor] entre um homem e uma mulher é um aviso de que o ser que poderiam gerar não passaria de uma criatura malformada, um ser infeliz, carente de harmonia intrínseca.”

Contemple a atividade incansável das insignificantes formiguinhas [...] A vida da maioria dos insetos não passa de um esforço incessante de preparar a alimentação e a moradia da futura prole, que sairá de seus ovos. Depois de ter consumido o alimento e ter passado para o estágio de crisálida, a prole começa uma existência cuja finalidade é cumprir novamente e, desde o princípio, a mesma tarefa [...] Não podemos deixar de indagar qual é o resultado de tudo isso [...] Não há nada a revelar, apenas a satisfação da fome e do instinto sexual e uma pequena recompensa momentânea, ocasional entre necessidades e esforços infindáveis.”

O único erro inato é pensar que viemos ao mundo para sermos felizes. Enquanto insistirmos nesse engano o mundo nos parece cheio de contradições. A cada momento, tanto nas pequenas como nas grandes coisas, estamos sujeitos a experiências que o mundo e a vida não arranjaram com o propósito de garantir uma existência feliz [...] Essa é a razão pela qual praticamente todos os idosos trazem uma expressão daquilo que atende pelo nome de desapontamento.”

O que perturba os anos de juventude e provoca sofrimento é a busca obsessiva da felicidade com a firme suposição de que ela deve ser encontrada na vida. A partir daí, surge uma esperança que morre e nasce a cada instante; com ela, vem a insatisfação. Imagens dolorosas de uma felicidade vaga com a qual sonhamos desfilam diante de nossos olhos em formas cuidadosamente selecionada e procuramos em vão por sua fonte [...] Muito se teria a ganhar se a juventude fosse instruída e aconselhada a tempo e conseguisse eliminar de sua mente o conceito errôneo de que o mundo tem muito a lhe oferecer.”

No decorrer de sua vida e dos infortúnios que ela traz, ele irá deixando de voltar-se exclusivamente para a sua própria sina e passará a enxergar a sina da humanidade como um todo e passará a conduzir-se mais como aquele que adquiriu sabedoria do que como aquele que sofreu.”

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