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31 de dezembro de 2022

Bob Dylan - One More Cup Of Coffee

Social Distortion - I Was Wrong

dramaturgia

como se eles não estivessem

no mesmo planetinha

enquanto ela era a estrela do espetáculo

ele era um figurante escolhido à revelia

enquanto as falas dela encadeavam toda a trama

as deixas dele eram medíocres.

24 de dezembro de 2022

riso culpado

tentava se desvincilhar

não conseguindo

começou a escamotear

trapaceando consigo

e com os outros

seu jeito de estar.

19 de dezembro de 2022

Debate?!

Quais são as causas das violências? O que as motivam, as mantêm e as acirram? Quando falam em segurança pública, geralmente só se remetem à necessidade de aumentar o uso da força física. Endossando a noção de que, para resolvê-la, as polícias precisam ser ainda mais repressivas. No congresso, bancada evangélica, bancada da bala, bancada ruralista. Negociando privilégios para quem já está estrategicamente farto da vida. Agronegócio exterminando populações nativas e recursos vitais imprescindíveis. Por que manter essas coisas imprestáveis repletas de preguiçosa cultura para a exploração capitalista? Se o intuito fosse atacar o problema pelas suas raízes. Talvez devêssemos propor e aprovar outras soluções políticas. Redução das desigualdades sociais? Compromisso e investimento em educação pública? Formação humana e consciência cidadã ativa? Em vez disso, autorização para matar. Liquidação progressiva dos serviços necessários a todos que ainda acreditam. Que a saída virá com representantes que cada vez mais provam. Que só representam a tragédia de suas existências estarrecidas. Inalcançáveis comunicadores reprodutores das mais diversas meritocracias.

16 de dezembro de 2022

Peritos

Quase todos apreciamos os conhecimentos que hoje possuímos muito mais pela sua serventia do que pelas evidências que eles trazem ou não à tona para a compreensão dos fatos que nos desafiam. Religião como meio de amenizar as carências e sofrimentos humanos. Ciência como meio de alavancar a arrecadação econômica em função da produção armamentista. Arte para nos alegrar ou nos distrair um pouco da velha rotina. No entanto, quando esses conhecimentos não vão ao encontro desses princípios utilitaristas, tornam-se uma ameaça. Uma espécie composta pelos nossos mais belicosos inimigos. Alegamos que há fraude. Blasfêmia. Heresia. Manipulação. Distorção da verdade. A qual queremos que seja aquela, e só aquela, que nos foi transmitida. Hipocrisia. Ignorância que alimentamos com nossos modernos fanatismos. Quando queremos que o que chamamos de universo se adéque às nossas teorias imprecisas. Estupidez. Apatia. De todos nós, servos tão prestativos. Que muitas vezes não medimos esforços para demonstrar que precisamos ser sempre conduzidos. Fugindo da dúvida. Inventando desculpas. Evitando o debate. O questionamento sem medo. A argumentação refletida. Sobre o uso irracional. Corrosivo. Que todos os dias permitimos que os ditos especialistas façam com o nosso potencial criativo. Mais um patrimônio do qual nós mesmos nos excluímos. Entregando-o aos interesses de uma minoria. Que alimentou e manteve todos estes dogmas e autoprotecionismos. Verdades que somente a eles são possíveis. Únicos capazes de guardá-las, interpretá-las, divulgá-las e usá-las. Onde, quando e através dos meios que mais os beneficiam.

15 de dezembro de 2022

Reserva

Tenho uma criação de monstros em um espaço tombado de minha mente. Lá eu posso encontrar indivíduos de muitas espécies e, com o tempo, algumas mutações já aparecem. Por mais que fique junto deles, e os queira realmente, sei que muito de suas peculiaridades me escapa por entre os dentes. Mesmo que os encontre e os prenda, após sedá-los – como o costume me fez aceitar como a atitude mais prudente – não consigo contê-los. Fogem de minha proteção como se ela trouxesse uma dor ainda mais pungente. Tenho, enfim, uma criação que não me pertence. Fogem, reproduzem-se, criam seus filhos e filhas que também me desdenham. Vivem sem confiança, sem segurança ou quaisquer outros sentimentos de afeto os quais acreditei que requisitariam de mim infalivelmente. Eles simplesmente vivem, se divertem, sem precisarem de outro motivo além daquele que os faz viventes. Não lamento por eles assumirem o controle sobre suas vidas e me abandonarem após encontrarem outras genéticas onde podem interagir com resultados mais patentes. O que me espanta é que causem tão poucos danos a si mesmos quando, todos os dias, os combates por assombrarem outros cérebros acabam sendo feitos. Eles não perecem nestas guerras. Ao contrário, mostram-se cada vez mais fortes e capazes de se associarem para que os seus direitos se assentem. Portanto, meu amigo, preserve sua sanidade, sua simplicidade, sua ética, mas não se desespere quando for visitado por um ou mesmo por todos eles. Não os despreze. São eles, muitas vezes, que nos mostram quão múltiplos nós somos quando escolhemos. Acolha-os, ouça-os e você verá que, quando menos se espera, eles se vão e a gente se vê aguardando o seu retorno incerto. Impacientemente.