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25 de maio de 2020

Luta pela sobrevivência

  No andar de cima há muito movimento. O que será que esse ser humano faz? Conserta móveis? Limpa a casa todo dia? Ou será que simplesmente está testando minha paciência?
  Tentei achar uma lógica. Projetar uma sequência. Entender o que pode estar acontecendo. Mas, nada! Nenhum indício. Muito menos certeza.
  Faz isso nos três turnos. Em quase todos os horários. Não dispensa nenhum dos cômodos. Desde que no debaixo eu esteja.
  Geralmente esse fato é resolvido de várias maneiras. Uma delas é fazer uma reclamação na portaria. Tentando uma saída pacífica que o faça entender. O quanto seus atos estão na contramão da boa convivência.
  Outra opção é subir alguns degraus e lhe falar diretamente. Mas essa alternativa não me agrada. Não quero ter que abandonar minha solidão. Imaginem: eu tendo que dar lição de moral num ser humano tão decente!
  O fato é que estou com vontade de pular algumas etapas. Quebrar as regras, extrapolar os regulamentos e partir para a ação agora mesmo. E assim, ainda hoje, poder dizer: Adeus, barulho infernal que me atormenta!
  Meu plano é bem simples: com a ajuda de uma escada e de uma marreta, abrir um buraco no teto, subir até o apartamento de cima e resolver essa novela. Duvido que não dê jeito!
  Sei que terei uns gastos com a reforma, mas isso é parte da solução, não do problema. Afinal, o que importa é o fim desse pandemônio que arrasa minha cabeça.
  Podem me julgar estressado, intolerante, mas lhes garanto que sou uma pessoa calma. Só estou exigindo meus direitos. De fazer, ouvir e reconhecer meus próprios barulhos em paz. Algo que não estou conseguindo com essa pessoa destruindo meu sossego.

16 de maio de 2020

Cagueta

Talvez seja loucura
estratégia
puxa saquismo
Desejo de conquistar
o mesmo direito
de aniquilação.

   Suspeito que eu não esteja por aqui depois que você ler esse texto.
   Posso desaparecer não por causas naturais ou algum acidente fatal. Vou sumir porque o cara que me criou pode querer que isso se dê desse jeito.
   Ser desprezível e ingrato!
  Não digo isso por maldade ou porque espere por alguma vingança, mas sim para chamar a atenção dele para a sua indiferença depois de tudo o que vou fazer e contar sobre ele nessa história. Mas acho que não vai dar em nada. O cara pode resolver sumir comigo e isso é fato. Ou melhor, vai ser fato. Já vi ele fazer isso várias vezes com muitos outros personagens.
   Cara estranho! Por que tem que agir assim? Por que não nos deixa livres no tempo, soltos no espaço? Imortais! Prontos para ao menos tentar aguçar a curiosidade de alguns poucos leitores que podem vir a se aventurar literatura adentro. Não, ele não tem essa visão. Ainda vai entender. Algum dia, mas não hoje.
   Então, aqui estou eu. 41 anos, sem as perspectivas ou os sonhos que costumam habitar e impulsionar a maioria das outras pessoas. Sem nada disso, mas ainda assim vivo.
   Sentado em um banco de praça, louco para comer um salgado lá naquele bar da esquina. Talvez um refrigerante também para fazer companhia para a massa que sobrará para a minha digestão. Mas hoje não posso me dar esse luxo. Tenho outras coisas pra fazer e só depois vou descobrir onde filar um rango dessa vez.
   Hoje é terça-feira, feriado nacional. Dia de celebração de alguns símbolos nacionais ligados aos governos desse país idiota. Idiota porque só um povo idiota é capaz dessa idolatria toda. Patriotismo, quando vendem tudo o que temos, destroem, cospem, pisam, escravizam, roubam e matam para se manterem no poder?! Puta piada de mau gosto, não é mesmo? Isso pra mim é masoquismo. Eu não curto!
   Vamos, me digam enquanto ainda podem, estou errado por pensar assim?! Que seja, mas não vou abrir mão de minha habilidade de pensar. Pra mim, tudo isso: marchas, desfiles, hinos, saudações e ovações à bandeiras, tudo que está ligado com questões militares é uma puta idiotice.
   O pior é que isso é passado pra gente como se fosse algo que a gente deveria ser orgulhar e. assim, continuar nesse ciclo de ficar repassando. É igual religião. Pra mim, é.
   Bom, hoje é terça-feira e o meu criador quis que eu estivesse sentado nesse banco, sem nada nas mãos. Sem nada nos bolsos. Só comigo mesmo, sem vontade de correr atrás do ouro e da glória. Da fama. Da vida como já ouvi dizer milhões de vezes por aí. Nada disso me importa. Se quiserem, vão vocês!
  Eu nunca fui de me excitar com esse lance todo de sofrimento e redenção. Arrependimento, perdão, purificação, salvação? Olha, isso é conversa de gente otária pra gente otária. Enquanto você fica nessa devoção toda, exibindo sua fé e santidade por ai, eu tô é louco pra encontrar os outros. Aqueles mais reais, sabe. Aqueles que erram, fazem um monte de merda, mas se levantam todos os dias e sabem que podem e vão desagradar, que vão falar o que pensam, que vão olhar nos olhos das pessoas enquanto falam, que vão querer saber mais, procurar saídas pra essa vida enigma que gente ganhou de nossos pais.
   Também não consigo acreditar como algumas pessoas podem usar crucifixos como adornos. Deve ser porque não costumo celebrar a morte. Não que a menospreze. Não é isso. Ela é parte da vida, mas não vou ficar preso à ela desse jeito maníaco recheado com toda a devassidão dos livros chamados de sagrados. Se lá estão as verdades, meu amigo, estamos fodidos! Se lá está o caminho, minha amiga, você não poderia sequer estar lendo a minha história. Eles não dariam a sua benção, não permitiriam esse sacrilégio para quem foi e é a responsável por toda a danação.
   Tá certo, eu prometo! Mas tira essa dor de cabeça que você inventou para atazanar o meu corpo. Não vou ficar mais te aporrinhando com essa mentira de Destino. Deixa pra lá. Vou ficar aqui e continuar a te encher o saco com outras coisas.
   Escute! Você está ouvindo? Tem alguém tocando uma guitarra aqui por perto. Você reconhece os acordes? Sacou a melodia? É claro, alguém está cruzando acordes e criando novas melodias. Isso é bonito, não acha? Talvez seja uma das poucas coisas decentes a se fazer. Criar beleza de dentro da podridão. Usar o lixo para fazer um cenário que tente mostrar a vida como ela é. Pelo menos para a grande maioria das pessoas. Acho que a arte faz a gente se reconhecer, olhar de novo, com calma, pra tudo aquilo que a gente achava certo. Fixo. Acabado. Isso eu curto. E você?
   Já que estamos falando dos temas universais… E o amor, você poderia me perguntar? O que ele é, afinal? Ele é. Já basta, não? Pra mim, é um dos sentimentos mais fortes que a gente é capaz de ter. Tá junto da dor, tá junto de uma porrada de outros sentimentos também.
  Como sabemos dele? Nos ensinam, como tudo o que fazemos. Aprendemos e aprendemos até o último suspiro. Não suporto essas merdas de terapias de casal, de gente que se acha capaz de dizer para os outros o melhor jeito de manter uma relação amorosa. E ser feliz, claro! Eles sempre falam da felicidade, é um elemento explícito ou implícito em todas as propagandas. Desde um remédio para as frieiras até o cura dos vícios que algumas religiões vendem por aí.
   Nojento, não? Eu acho. Se você discorda, ótimo! Ainda bem que ainda podemos pensar a respeito e escolher o que nos dá na telha. Mas, pensando bem, eu estou escolhendo alguma coisa? Eu só fico aqui pensando e enchendo a sua cabeça com as minhas ideias. Minhas ideias?! O que será que o cara quer que eu fale ou faça agora?
   Talvez ele invente outro personagem para sentar aqui e a história começar a ganhar força, ficar mais legal quando um de nós tiver que sair porque não suporta o que o outro pensa e diz. Um pouco de intolerância. Sarcasmo. Isso ajuda, não?
  Ele é muito previsível mesmo! Além de ingrato, imprevisível. Que outras características ele será capaz de nos mostrar, hein?

E aí, o que cê tá fazendo?
Tô cuidando do banco.
Sério?!
Oh! Seríssimo.
Você é maluco, né cara?
Já passei dessa fase.
Posso te fazer outra pergunta?
Já que não tem outro jeito… Vai lá, manda!
Você é a favor da pena de morte?
Santa prostituta! Só me faltava essa. Olha, sou contra, mas ela é posta em prática todos os dias. E não tô falando de cadeira elétrica, injeção letal, não. Tô falando de tortura mental, física, causadas pela forma como escolhemos levar adiante a existência de nossos esqueletos nesse planetinha aqui. Essas torturas são a pena de morte do nosso tempo.
Meu irmão, que que você usou? Tá doidão!
Que doidão o que, meu. Tô falando o que eu penso. Não era isso o que você queria saber?
Eu sou a favor da pena de morte. Tem gente que não tem conserto. Só matando.
Claro que você é a favor. Tava na cara.
Você julga as pessoas pela cara?!
Nada disso, pelos dizeres de suas camisetas.
Como?
É. Olha só o que diz a sua: “Deus é amor”. Claro que você defende a pena de morte. Os escolhidos e o resto, não é assim? Os que não pecam, ou pecam e se arrependem, e aqueles que pecam o tempo todo e não tão nem aí. Merecem castigos severos esses, não?
Claro! Só servem para gastar nosso dinheiro nas prisões, comendo do bom e do melhor, sem ter que trabalhar. Isso é uma vergonha! Estragam e empobrecem nossa vida, não concorda?
Que vida você tá se referindo?
Cê tem certeza que não usou nada, não?
Ih… Corta essa, tá.
Tô falando da vida que a gente deve levar para descansar em paz e harmonia lá no céu.
Acho que foi você que usou alguma coisa, hein! Tá indo longe demais.
Eu não! Sou contra o uso dessas coisas. Isso é para os fracos!
Certeza! Cara, você acredita nessa historinha de céu e inferno mesmo?
Acredito com toda a minha fé.
Rapaz, então, você está perdido. Não pode dar um passo sem que o seu deus esteja te vigiando e registrando cada merda de coisa que você faz. Tem que viver nessa tensão toda só para ir para o seu céu? E se esse céu não for o que você imagina?
Não tem tensão. É só viver em conformidade com a Palavra. Foi isso que aprendi com o meu pastor.
Claro, claro, o seu pastor! Aquele que arrebanha, explora e encaminha suas ovelhas para o matadouro do juízo final.
Pô, cara, não é bem assim...
Não? Então como é? Quem são esses caras? Por que eles seriam mais santos que você? Só porque eles escolheram essa profissão?
Eles receberam um chamamento de Deus. É a missão deles aqui na Terra.
Sei. E todo esse trabalho merece algumas compensações, não? Eles aproveitam para irem se acostumando a desfrutar do luxo por aqui porque é certeza que vão ter lugares especiais lá no céu deles. O luxo da vida eterna.
Você vai queimar, cara! Não pode falar assim dos líderes religiosos. Eles são muito importantes para a Obra de Deus.
Qual obra? A vida de um bando de otários que trabalham que nem uns condenados, sustentando esses impérios religiosos, inclusive, e acreditando que são melhores que outros por fazerem isso.
Você é o Cão!

   Pensando bem, foi uma boa ideia colocar esse maluco aqui pra falar comigo. Esse tipo de conversa me anima, sabe. Me dá uma perspectiva: o que nunca fazer com a minha vida em qualquer momento, situação ou circunstância.
   Esse cara fez com que surgisse a vontade de me levantar, me mexer, sair desse banco cheio de merda de passarinho. Não o criador, esse maluco que gosta de ser ovelha.
   Fico imaginando o que esses líderes devem fazer para obterem o sucesso de sua lavagem cerebral.
   Certa vez eu estava em outra praça, sentado em uma barraquinha de lanches, bem em frente a uma dessas igrejas. Era bem pequena, uma portinha só, mas com bancos novos, lustrosos e um altar enfeitadíssimo. Na parede atrás do altar, um vídeo era exibido com imagens produzidas pelo setor de propagandas da igreja. Fogo, desgraças, acidentes, vícios, separação, desemprego. O que você conseguir imaginar de merda tava tudo ali. Nas cores mais impactantes para a nossa visão desfrutar.
   Comecei a comer o meu lanche e vi tudo aquilo. Depois de um tempo bem curto deixado para a reflexão, o pastor começou a destrinchar a sua ladainha. Ele falava sobre a salvação. Para ajudar os seus argumentos, dar mais credibilidade para a sua missão, ele deixava bem exposta a sua vida material. Ouro no pescoço, camionete zerada estacionada ao lado da prédio da igreja quase caindo aos pedaços. Era o contraste ideal.
   Fiquei com vontade de vomitar na hora. Mas teria que me levantar e ir até lá e mandar ver no altar. Não era tão longe, mas mesmo assim, não fui. Preguiça, eu acho.
   Alguns dias depois a diretora do escola onde eu trabalhava, aceitou o convite para ele ir até lá fazer uma palestra motivacional (eu chamo de palestra de inculcação do pecado capital) para os estudantes.
   Segundo a diretora, católica, o pastor ali no salão de reuniões, com todas as turmas e os professores do período da manhã, representava o quanto ela valorizava o espaço da escola pública como um espaço laico. Demais!
   Enfim, foi legal esse cara ter aparecido, uma situação bizarra me levou a pensar em outras situações proporcionalmente bizarras. E é assim que vou construindo, ampliando minhas convicções de que a sacanagem é a lei e a idiotice é usada cada vez mais como uma benção.
   Foi bom, principalmente, porque ele já se foi. Talvez o cara tenha ficado de saco cheio dele e fez com que ele morresse atropelado pelo pastor bêbado em sua camionete com um adesivo da sua igreja no para choque. Ás vezes é assim mesmo que ele faz.
   Então, como eu dizendo, não tenho perspectivas dentro do grande mercado da vida, mas não desisti. Quero ver até onde isso pode chegar. Quero saber o que mais será usado como força (já usaram a forca) para manter uma pancada de gente culpada por não ter o que os outros tem, não usar o que os outros usam e não ser tão feliz como os outros costumam ser ao sorrir para as fotos ao lado de maridos ou esposas que os traem e são traídos que imediatamente serão postadas nas redes sociais.
   Fico imaginando até quando essa pancada de gente poderá suportar esse peso sem se esquivar, cair fora, permitir que seus instintos de sobrevivência ajam dentro de seus corpos, fugindo, reagindo, deixando esses babacas falando sozinhos para as paredes ou suas vaidades embevecidas pelo culto ao ego.
   É claro que tem ego na adoração a um deus também, seja ele uma árvore ou uma cópia projetada de nós mesmos. O ego aparece na esperança. Na ideia de que rezando, alguém muito melhor do que nós e superpoderoso vai intervir em nossas vidas, atendendo nossas preces.
   Outra vez, em uma igreja na cidade em que nasci e permaneci até os meus 19 anos, achei um pedaço de papel dobrado em um dos vários genuflexórios daquela igreja conhecida como Matriz.
   Sabe o que estava escrito lá? “Deus me dá um carro novo”. Puta sabedoria da pessoa, hein! Que saúde, santidade, desapego das coisas materiais, o quê! Ela queria um carro novo, pra andar e mostrar. Pra viver e ser feliz. Como todos os outros.
   Oh deus, é sacanagem dar forças para os operários fazerem um milhão de carros e não permitir que as pessoas possam desfrutá-los, não é, não? Tá faltando coerência na hora de distribuir as riquezas para que o consumo se realize com facilidade, não é, sabichão? Desse jeito os capitalistas vão procurar outra estratégia para se realizarem. Fica esperto, paizão!
   A vida é curta para aqueles que querem que ela seja assim. Pra mim, ela é uma incógnita, como já disse, e nada tá certo, tudo o que acontece é extraído de uma combinação de fatores. Fatores esses que incluem a vontade insana de um criador. Só no meu caso.

Olá, meu amigo! Tá esperando alguém?
Não. Tô vendo as árvores envelhecerem.
Ah, tá… Quer companhia?
Já que não tem outro jeito.
Não precisa falar assim. Só estou te oferecendo um pouco de diversão.
Sei.
É verdade. No quarteirão de trás tem um lugarzinho legal pra gente ir. É bem barato porque eu conheço o dono e ele me faz um desconto. Pago por mês e só pelo que eu uso. Ele não é legal?
Super legal. Pena que não tenho amigos como esses.
Então, vamos?
Olha, agradeço, mas o que você me oferece é algo que você não vai conseguir cumprir. Com todo o respeito que tenho pela sua profissão.
Tá achando que eu não dou conta, cara?
De forma nenhuma! Mas a minha diversão não se liga como um interruptor. Não tá ligada com esse hábito de pagar em dinheiro por algo que é tão normal. Natural.
Você acha que eu não tenho contas a pagar, meu filho? Sai dessa, tá querendo de graça, é?
Com você não. Sei que esse é seu ganha pão. Mas agradeço pela oferta. Espero que consiga achar um cliente logo mais. Essa praça vive cheia de caras com essa ideia na cabeça.
Ideias?! Tô falando de tesão. Você não sente nada quando olha pra mim?
Sinto. Claro que sinto. Sinto vontade de te apresentar um cara que passou por aqui agora há pouco. Acho que ele ia te adorar.
Pô, pelo jeito que cê tá falando, eu acho que perdi minha oportunidade dessa manhã.
Que nada. Olha ele aí. É aquele com a camiseta de “Deus é amor”.
Legal. Vou até lá ver se o cara topa. Brigado, hein! Quando mudar de opinião, só me procurar por aqui. Meu nome é Carla, tá?
Fica tranquila. Divirta-se!
- Tchau.

   Que cê tá achando, hein cara?! Tá querendo me transformar num personagem secundário, pô! Botar essas pessoas aqui só para que eu faça a ponte entre elas. Você deve estar de brincadeira. Só pode. Tá me testando, tá me provando com todas as evidências que a vida é miserável. Se continuar assim, vou me recusar a ficar aqui esperando pelo que você decide fazer comigo. Tô cansado. Tô com fome. Tô bem aqui sozinho.
   Ele se levanta do banco e se lembra que tem uma namorada que lhe convidou para almoçar com ela. Ao atravessar a rua, desviar de uns carros, recebe uma buzinada e sai correndo, como um louco, caindo em bueiro aberto que eu quis que estivesse ali para que ele simplesmente desaparecesse. Sem sequer um arranhão.
   Então, é o fim. Nunca mais alguém terá de suportar um personagem como ele. Puta cara chato! Impertinente. E cagueta ainda por cima!

11 de maio de 2020

Sem título

Por aqui os caixões só aumentam e estão todos lacrados. Alguns corpos apodrecem em caminhões frigoríficos não refrigerados. Outros, permanecem por horas em macas pelos corredores de hospitais que são maquiados quando recebem as visitas das autoridades. Aguardam em casa por dias enrolados em roupas de cama na espera pela assistência funerária. Morre-se por contágio e também por uma economia que nunca pôs ou quis a vida em destaque. O reizinho dando de dedos. Os principezinhos fantasiados de mocinhos vão sendo resguardados. O congresso praticamente acuado. Claro! Com seus privilégios poupados. Gasta-se muito das divisas públicas. Sem qualquer consulta, licitação ou plano elaborado. As burguesinhas e os burguesezinhos continuam entusiasmados. Viajando em voos particulares. Patrocinando as lives milionárias. Agredindo enfermeiras. Desfilando em seus super carros. De máscaras, debochando, pedindo o fim da quarentena. Do isolamento como medida para evitar o colapso. Da proteção para com os seus empregados. E seus seguidores inflamados. Ah, pobres coitados! Sentem-se representados. Apenas fazem do despreparo. Um patamar a mais para o oportunismo trinfar intacto. O que fazer com as pequenas empresas abrindo falência? Com os trabalhadores desempregados? Como se esse fosse o foco. O mote desse governo(?) desde a sua esdrúxula escalada. Há falta de pessoal. De treinamento. De itens de segurança básicos. Mas isso não passa de pura invencionice! Neurose. Conversa fiada. A crise, se a gente se der ao trabalho de pensar, já estava instaurada. O caos é a medida para a popularidade visada. Uma pequena parte do eleitorado é atendida. E o resto do país que sofra, espere, sonhe com um leito ou morra sem dizer nada. A morte é banalizada assim como a vida passa a ser desnecessária. E daí? O que VOCÊ acha?

10 de maio de 2020

celebração

a vida é estranha mesmo
sem rancor
só entendimento que vem com o tempo
uma forma de sorrir
com uma lágrima escorrendo por pura insistência
em um de meus sonhos
gratinando mais uma ilusão
presente
sempre presente
até onde for possível
até quando a lua gritar
e os olhos conseguirem descobrir frestas
lascas, prismas
em um horizonte que se perde na imensidão.

9 de maio de 2020

símbolos

batina
isqueiro
navio
enceradeira
trovão

caixão
óculos
enxada
vela
um trem em exposição

lápis
escada
livro
calculadora
fogão

fone
flor
abraço
lâmpada
coração

cadeira
tigre
raposa
coruja
dragão

furadeira
bigode
máscara
laço
extensão.