Páginas

27 de fevereiro de 2013

Estrelas

Com o tempo
Mas me convenço
De que o que vocês fazem
E de que o que vocês querem

É que se torne consenso
Este culto à sensação de pertencimento
À cultura da insegurança
À perspectiva do medo

Para que haja a quase certeza
De que a vida precisa escorrer assim
Desse jeito tão sem sossego
Para que vocês, seus anseios

E os valores que norteiam seus comportamentos
Que suas posses e suas poses
Representam
Como únicos e merecidamente verdadeiros

Disponham de portas sempre abertas
De mentes sempre aflitas
Afligidas
Por seu sucesso

Tormento e encantamento
De inúmeras existências
Ofuscadas e encantadas
Por seus brilhos

E também pelas misérias
Que vocês e suas belas carreiras
Sustentam como mais um desses mistérios insondáveis
Dessas barreiras intransponíveis.

Praticidade e imediatismos

No mundo dos homens
Troca-se a ternura
Despista-se o bom senso
Quando há uma quantia
Que satisfaça
Cada novo desejo
Surgido não se sabe onde
Conduzindo quase sempre
Ao consumo e à transformação de si mesmos
Em seres que se relacionam
Como se fossem mesmo
Verdadeiras mercadorias.

23 de fevereiro de 2013

Hoje tem marmelada?

Ligo a T.V. e vejo as notícias selecionadas. Difícil não pensar nas intenções desse veículo abastecido com tanta desigualdade. Desse meio onde se propaga a cultura de viver sempre com alguma vantagem. Corrupção, olimpíadas, férias, o boom das cirurgias plásticas. Estupros, negligências médicas, golpes e mais golpes sobre os aposentados. As filas, os cursos no exterior, as fantásticas oportunidades. Todo o valor de um currículo que apresente o carimbo de uma boa fraternidade. Imagino a fina mordaça, a extensa carapaça desses indivíduos tão apegados ao medo de se verem sem respaldo. Oh, triste vida aprisionada! Desde o berço sua miséria começa a ser disfarçada. Oh, estupenda competitividade! Pais, mães, avós e criados pagando caro para que seus filhos colem os adesivos de vencedores nas janelas de suas casas e carros. Acostumados à picaretagem, não percebem que são eles mesmos que fecham as correntes e cadeados, acionam as cercas elétricas e os alarmes que – no discurso – alegam querer ver inutilizados. De público e com qualidade, senhores e senhoras respeitáveis, pouca coisa se enraizou de fato a não ser as promessas vazias de homens e mulheres ávidos por assegurarem seus status. Então, acho que já chega de gritar slogans ditados por aqueles que só pensam em suas carreiras e em seu prestígio por se infiltrarem nos lugares cotados como os mais politizados. Chega de certificados comprados e intermináveis listas de presença para atestarem nossa assiduidade. Se quisermos algo mais, devemos ir além de categorias e revoluções específicas ou por demais particulares. Podemos reinventar nossos jeitos de nos relacionarmos. Sem os embaraços dessa globalização da desonestidade.

Não, seu impostor!

Contente-se com o que lhe é oferecido. As promessas que não podem ser cumpridas. Pois, caso o fossem, cortar-se-ia a eficácia da magia. O desejo de posses deveras difundido. As técnicas para que os produtos para a diversão circulem e sejam adquiridos. Reproduzindo os benefícios para os que desconfiam. Todos, ricos e pobres, abdicam. Permitem que as verdadeiras conquistas de nossos ancestrais para melhorar a vida se transformem em vilania. Indivíduos, massas, sujeitos que quase não se lembram do que sonham ou sonharam, porque se autodefendem dormindo. Da brutalidade que a todos atinge. Dos inúmeros artifícios que usam, mas que não necessitam. Cheios de gana praticam a política do pão e circo. Tão frágil, tão despreparada, diante de uma investida crítica. Isso porque o processo criativo – não essas marmeladas que pipocam de tempos em tempos pela mídia – também é entendido como um crime que deve ser reprimido com todas as forças disponíveis. Adaptação às cenas deste filme que quer equiparar interpretações particulares em único modelo de vida coletiva. Aqui, vulgar é aquele que não se entretém. Que não sai às ruas com sua imaginação saturada de efeitos especiais à espera para abocanhar todas as bilheterias. Para uma nova quase intervenção. Das fatias que vão abrandando, com o apoio das celebridades, os desastres que podem ser evitados. Se estiverem dissociados da geração de mais divisas para a manutenção das regalias. Nossos sentidos um dia se cansam de aceitar que tudo serve de lição para a vida e que cabe só a eles encontrarem uma justificativa.

22 de fevereiro de 2013

Pegadas

Por essas trilhas abertas no meio do que um dia já foi uma mata, vou fugindo desesperado. Sinto a dor das balas alojadas em meu corpo e a minha visão vai ficando cada vez mais embaralhada. Há vários caçadores seguindo minhas pegadas e as marcas que o meu sangue vai deixando por onde passo. Eles estão eufóricos. Querem as minhas presas para fazer dos seus negócios. Obras de arte, joias. Peças estimadas que acabem gerando sensação em seus museus e em suas casas. Ora, olhem para esta devastação e me digam: Ainda precisam de mais para que sejam lembrados na posteridade? Não lhes parece absurdo se divertirem, se distraírem com tamanha crueldade? Quantos de nós seremos aprisionados para que eles tenham o que julgam indispensáveis? E, porque é que nós é que temos que pagar pelos caprichos de suas ensandecidas vaidades? Já não consigo mais correr. Minhas pernas hesitam. As vistas se apagam. Acho que não há mais lugar seguro em que possamos viver sem sermos ameaçados. Encurralado, só me resta lutar, mas as balas vêm de todos os lados. Se pudesse, lhes entregaria o que querem; ao menos continuaria vivo, mas sei que eles não concordariam. Não se saciariam de verdade. Você precisa ver como eles ficam mais felizes, sentem-se mais humanos, quando carregam, engatilham, miram e me atingem com suas várias armas. A dignidade, uma vez perdida, é muito difícil de ser reencontrada.

20 de fevereiro de 2013

Erich Fromm

A nossa sociedade ocidental contemporânea, apesar do seu progresso material, intelectual e político, dirige-se cada vez menos para a saúde mental, e tende a sabotar a segurança interior, a felicidade e a capacidade de amor no ser humano; tende a transformá-lo num autômato que paga o seu fracasso com as doenças mentais cada vez mais frequentes e desespero oculto sob um delírio pelo trabalho e pelo chamado prazer.”

Prisão da vida ou pena de morte?

Sinta os fatos
Imagine o que se faz
Quem faz
Para quê
E para quem também
Se faz
Graças
Ao monopólio das terras, florestas, mares
À concentração da renda
À criminalização da pobreza
À segurança da impunidade.

17 de fevereiro de 2013

Ampulheta

Toda história é uma invenção. Feita com necessidades, expectativas e iniciativas que a conduzem a alguma direção. Toda história começa com algum tipo de identificação. Entre sentimentos, pensamentos, ideais e ações. Precisa desta sintonia para que seus personagens não fiquem no plano da imaginação. Toda história deixa várias recordações. De gostos, cheiros, sons. Pessoas, lugares e situações. E, por mais que a gente queira, todo esse conjunto não admite nenhuma espécie de transplantação. Toda história é única, mesmo que a sua trama e as emoções que ela desperta nos levem à mesma conclusão. Algumas histórias são claras; outras, não se revelam por antecipação. Umas são obscuras, repletas de segredos que nos põem de sobreaviso, nos enchem de apreensão. E a gente até arrisca algumas aproximações: será realmente preciso participar desta rede de intrigas para nos sentirmos como indivíduos unidos desta civilização? Será essa a nossa marca, a nossa contribuição, para adoçarmos e assim suportarmos nossa miserável condição? Somos todos cúmplices, estamos todos quites, por nos calarmos diante de tantas mentiras contadas com as mais sinceras expressões? Vive melhor quem mais alimenta as próprias ilusões?!

Sobrevivência

É um absurdo, mas a gente se submete
Às piores condições de trabalho
Todos nós precisamos
De algo mais do que alimento,
Abrigo, água encanada
Tratamento decente
Remédios de monte para curar a alma
É um absurdo o que fazemos
Membros que raramente se reconhecem
Como indivíduos da mesma humanidade
Do mesmo universo
Buscando algo que compense
Ou que esconda para sempre
Os significantes e significados
Do escoar das forças vitais
Para que,
Na sua conquista diária,
Sobrevivência,
A desigualdade prossiga subentendida
Impunemente resistente
Em sua jornada.

14 de fevereiro de 2013

Amanhã sem extremos

Indignado
Às vezes tão tenso
Lutando pelo equilíbrio
Almejando coerência
Dentro e fora
Fora e dentro de si mesmo

Denunciando
Anunciando que a união
Do sonho com a vontade
Da real possibilidade
Fortifica o solo
Para o amanhã florescer favorável

Não só aos que agem
Jurando-se determinados
Ou àqueles que – sabendo-se condicionados –
Pensam que levam alguma vantagem

Propõe rupturas
Escolhas, riscos
Responsável liberdade
Pede o seu juízo:
Cômoda superproteção ou autoritarismo acomodado?
Imposição moralista ou “amoral” licenciosidade?

Reconhece limites
Aprende-ensina
Age sobre as possibilidades
Da educação que se faz ética
Quando libertadora
Humanitária.

As crianças me fazem mais contente

Por mais que ande indiferente
Ao ouvi-las, ao vê-las,
Aprendo vias diferentes
Para sair do fatalismo operante
Insight:
O futuro a ser feito
A história ali
Como possibilidade
Presente!