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25 de fevereiro de 2014

A incerteza é a única segurança quando a gente tem que decidir

Não nego a carência
Não nego a demência
A paz ou guerra
A morte em vida
Que um corpo pode muito bem exprimir
Não nego que somos o que somos
E também aquilo tudo que nos fizeram engolir
Não nego
Afirmo
Mas, ao contrário do que podem pensar,
Tive algum trabalho
Para descobrir
Destaco
Disseco os órgãos
Com o meu próprio bisturi
Acontece que muitas vezes tenho dúvidas
Sobre o que você me diz
Desdenho do óbvio
E também eu fico sem minha quase matriz
Nada mais a fazer senão aceitar
Que, se todos nós não nos arriscarmos,
Sequer haveria vida
Para nela
E com ela
Aproximarmo-nos e tentarmos
– Inseguros e incertos –
Fazermos o que ainda não aprendemos
Quando só nos resta decidir:
Para quê e como podemos nos descobrir?

19 de fevereiro de 2014

O fim

“Estou morrendo sem estar doente, estou morrendo de uma existência fria demais para resistir. Olho através de uma janela para a luz de um dia terrível, que embrulha meu estômago. Ninguém mais se sente assim? Estarei completamente louco?”

“Arte é nossa agonia transformada em razão.”

“Escrevo para ter uma função. Sem isso cairei doente e morrerei. É tão parte de alguém como o fígado ou o intestino, e quase tão glamoroso quanto.”                                                                                                                                        [Charles Bukowski]


        Também estive pensando sobre o que significa escrever. E sabem a que conclusões eu cheguei? Acho que escrevo porque gostaria de viver. Como toda pessoa que se preza e valoriza o seu existir. Como todo suicida que adia a sua hora até quando não houver mais gente dizendo-lhe para partir. Porque adoraria ser mais certeiro em minhas utopias. Menos divido entre minhas recusas de admitir. Menos multiplicado pelo pouco que um dia já diferi. Porque queria deixar essa matemática nos cadernos e livros que já se foram sem que ao menos eu suspeitasse para onde eles queriam realmente ir. Porque queria muito saber. De onde vem, para onde vai, quem são, afinal, meus parceiros nesta minha procura por manter-me longe e cada vez mais perto de ti. Vida?! Poesia?! Saberei a que me dedico, ao menos por alguns instantes dos meus dias? Insistindo que sou só todos estes eus que conheço e desconheço. Que me arrastam, contrastam, me contestam. Expelem o que fui, o que sou e o que este nós quer para fazermos nossos festins. Acho que escrevo, pois preciso me vasculhar como se faz nos mais cobiçados garimpos. Necessito me perceber tal como a fala que precisa sair. E não sai. Ou sai toda enovelada por medo de não ser e às vezes até de soar como mais um conjunto de palavras que só aparece porque não tem mais como ou porque se divertir. Avaliar-me, aceitar ou refutar, o que nem mesmo em sonho consigo interferir. Escrever começa sendo mais como um método de encarar e também de escapulir. De defesa e de ataque. Ao compromisso que quero firmar sem direito desse contrato se rescindir. Para que consiga tatear entre algumas das minhas vontades e julgá-las construtivas. Ainda que só para mim. Para que não desista e consiga chegar até o fim. Seja isto o que quer que seja, enfim. Escrevo sempre pensando num tipo de diálogo entre o que se cala e o que grita. Discorda. Vomita. Toda vez que intui que não há nada mais aqui além desta água turva que talvez não faça mais questão de viver junto de mim. Escrevo como meio de me autodescobrir. Falando o que penso só para que minhas entranhas consigam ouvir. Mas por que publico o que escrevo, então?! Acho que tem a ver com uma ideia maníaca de tentar ajudar, contribuir. Ainda que com a minha confusão. Poder sentar-me e deixar os raciocínios fora de moda se exibir! Inserindo-me em algum espaço onde o tempo é diferente do contar das experiências para que o possível mérito possa vir. Escrevo e publico como, ou melhor, na tentativa de que alguém se proponha a entender. Sentindo algumas afinidades, querendo debater, resgatando as opiniões que ninguém mais quis refletir. Acho que é por isso. Para que alguns movimentos também tenham as suas chances de se iludirem. Tínhamos medo, mas era só começarmos que logo lá estávamos nós procurando outras expressões para que os sentidos dos desabafos, das agonias e das críticas pudessem aparecer e logo depois virem simplesmente a se diluir. Tal como um alimento que não tem consciência, mas que contribui, sem ter de se declarar, para continuar a nutrir. Já havia escrito alguns textos sobre o que acredito consistir o ato de escrever, mas a única coisa que aprendi é que há muitos outros que ainda vou querer escrever. E que, agora mesmo, começam a se construir...

Posso quase tudo, se meu destino é uma árvore que cresce para depois cair

Sem essa de uma coisa de cada vez!
Eu quero mesmo é me perder
Quando morrer
Conseguir me encontrar
Junto aos vermes
Que durante minha vida
Sabiam que iriam me vencer
E, enfim, me integrar
Colher-me
Como um fruto podre
Prestes a lhes satisfazer
Os instintos mais aprazíveis
E, assim, sobreviver
Como todos os nós
Que imaginam que vão manterem-se firmes
Até o fim.

Isolamento

Não sei se lhe devo desculpas
Por estar trancado dentro de mim mesmo
Não sei se palavras e intenções ajudam
Quando já não há mais culpa
Nem ressentimentos
Por querer viver
Ligado somente às minhas manias
E ao meu gosto
Por bater os dedos nas teclas e nos trastes
E deixar o coração
Parar de se impor
Com todas as suas forças
E a sua ânsia por tudo permitir
Incluindo-lhe e excluindo-lhe
De seus desejos
Que só ele não pode ver
Mas que consegue muito bem palpitar
Quando eles já não correspondem
Ao seu atual modo de fingir.

15 de fevereiro de 2014

Realização

Fico feliz quando vejo algumas famílias
Cuidando, brincando, dialogando com seus filhos
Poderá existir finalidade maior para um corpo que abriga um espírito?!
Fico feliz quando ouço palavras de incentivo
Não xingamentos, avacalhações, culpas e arrependimentos vingativos
Poderá existir companhia mais imprescindível?!
Fico feliz quando me relaciono com pessoas que acreditam em si mesmas
Não mimadas, nem mesmo abatidas, por lhes faltarem os conteúdos que todos precisam
Haverá trabalho mais frutífero?!
Fico feliz quando ensino e aprendo
Com todos estes seres que me transcendem
E que encaminham nossa vida para algo um pouco mais bonito
Fico feliz
Realizo-me
E procuro mostrar
Que não existem castigos nem recompensas que resistam
Que temos uma vida
E que é somente através dela que somos
Que criamos
Inventamos os nossos próprios caminhos
Fazemos e refazemos
As escolhas que queremos
Todo o tempo
Mesmo que estejam
No nosso lugar
Escolhendo
Impondo-nos
Escondendo-nos
Poupando-nos
Dos fatos
E das teorias que eles julgam perigosas
Ao alçar das mentes a um novo voo
Sobre os universos desconhecidos
Sem pátrias
Sem deuses
Sem hinos ou exércitos
Que também são ensinados a serem exclusivos
Com engessados
Pesados
E, talvez por isso, mortíferos
Princípios.

(À minha avó Teruko, por me mostrar desde cedo que havia outros mundos possíveis. Parabéns pelo seu aniversário, vó!)

12 de fevereiro de 2014

Travessia

Minas

Borboletas azuis
Horizonte perdido
Rio do inferno
Lugares diferentes
Busca há muito já sentida
Vontade muito pouco debatida
Histórias contadas ao sabor da chuva
Dentro de uma barraca amiga
As águas da cachoeira deslizam
Ainda agora
Entre as rochas com formatos mistos
Um casco de barco sendo esculpido
Uma piscina natural com pedras ao fundo
Que também se gastam
Se renovam
E passam
Conforme aumenta a corrida
Das águas tranquilas...

Fragmentos que libertam e também escravizam

Ao acaso de um objeto
Que da paisagem se desprendia
Não somente olhava
Talvez nem sequer ouvia
Transitava
Fluía
Junto com os anos
E a sondagem de alguns dias
Lembrava-se
E relembrando
Não revivia
Revidava
Mas não era a vingança o que queria
Com novas estruturas
Significava e ressignificava
O que lhe afetava
E o tipo de afeto que sentia
Amadurecia e morria
Como toda vida
Memórias frágeis
Desleais
Convencidas!
Preenchidas com as ilusões passadas, presentes
Futuras anestesias
Que também se tornariam ausentes
Como as melhores companhias
Resíduos que o corpo sovava
Procurando alguma liga
Sobre o quê era
Quem era
E para quê eram feitas
Suas ações mais repentinas.

O que já foi e o que ainda está por vir

O que você quer ainda coincide com o que você queria?
Há alguma ligação entre o que você é e o menino que já fora algum dia?
Qual a sua maior e mais bela frustração, meu amigo ou amiga?
Você carrega os fardos só porque eles te fortalecem na descida?
À quais atos a sua vontade lhe instiga?
À nobreza? A bem-querença ou à Vida?
O seu desejo é a estrela que lhe guia?
E que se apaga quase toda manhã para que o sol lhe mostre o que para você é inadmissível?
A dor, a miséria, a superfluidade de uma cama ocupada por dois, mas ainda assim vazia?
É o seu orgulho, então, aquele que prescreve os valores que mais lhe glorificam?
Ou será sua vaidade a mola mestra de toda a sua maestria?
Homens voam longe, mas vivem como mortos, submissos às suas próprias avarias
Alguns já bastante fartos de um manjar apodrecido
Como já me ensinava Nietzsche...

Sobre o ultrapassar-se e o riso

Como fui arrogante!
Como fui mesquinho!
Procurando nos outros aquilo que eu mais queria
E que eu mesmo não tinha
E ainda não tenho, como eu quero, aqui comigo
Chamando de amor
O que não passava e ainda não passa de um misto de sentimentos vizinhos
Raiva, frustração... espírito imitativo!
Invejoso de uma posse que não se realiza quando se deseja sozinho
Oferecendo rosas que morriam sempre dentro de jarros d'água em cima de alguma mesa
Presentes que duram só porque a lembrança também é assassina
Como fui superficial!
Como fui presunçoso!
E que bom que fui descobrindo!!!
Odiando te amei mais do que pressentia que pudesse amar algum dia
Desprezando-me e mudando a minha trilha:
Foi assim que eu quis!
Seria assim se precisasse e pudesse fazer as mesmas travessias!
Nunca houve voltas
Há somente tentativas
Outras colisões
E depois dos ferimentos
Dos curativos, das saudades e das alegrias que não terminam
Uma boa dose de gargalhadas
Para mostrar que não há cura
E que a gente fica correndo tanto
Procurando se entender com tudo isso.