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28 de junho de 2013

Paulo Freire

Pedagogia da indignação (2000)

Não há cultura nem história imóveis. A mudança é uma constatação natural da cultura e da história. O que ocorre é que há etapas, nas culturas, em que as mudanças se dão de maneira acelerada. É o que se verifica hoje. As revoluções tecnológicas encurtam o tempo entre uma e outra mudança.”

Não haveria cultura nem história sem inovação, sem criatividade, sem curiosidade, sem liberdade sendo exercida ou sem liberdade pela qual, sendo negada, se luta. Não haveria cultura nem história sem risco, assumido ou não.”

Neste sentido é que, primeiro, devo saber que a condição de existentes nos submete a riscos; segundo, devo lucidamente ir conhecendo e reconhecendo o risco que corro ou que posso vir a correr para poder conseguir um eficaz desempenho na minha relação com ele.”

Me parece fundamental sublimar, no horizonte da compreensão que tenho do ser humano como presença no mundo, mulheres e homens somos muito mais do que seres adaptáveis às condições objetivas em que nos achamos. Na medida mesma em que nos tornamos capazes de reconhecer a capacidade de nos adaptar à concretude para melhor operar, nos foi possível assumir-nos como seres transformadores.”

(...) A vontade só se autentica na ação de sujeitos que assumem seus limites. A vontade ilimitada é a vontade despótica, negadora de outras vontades e, rigorosamente, de si mesma. É a vontade ilícita dos 'donos do mundo' que egoístas e arbitrários, só se vêem a si mesmos.”

A mim me dá pena e preocupação quando convivo com famílias que experimentam a 'tirania da liberdade', em que as crianças podem tudo: gritam, riscam as paredes, ameaçam as visitas em face da autoridade complacente dos pais que se pensam, ainda, campeões da liberdade. Submetidas ao rigor sem limites da autoridade arbitrária as crianças experimentam fortes obstáculos ao aprendizado da decisão, da escolha, da ruptura. Como aprender a decidir, proibidas de dizer a palavra, de indagar, de comparar. Como aprender democracia na licenciosidade em que, sem nenhum limite, a liberdade faz o que quer ou no autoritarismo em que, sem nenhum espaço, a liberdade jamais se exerce?”

A disciplina da vontade, dos desejos, o bem-estar que resulta da prática necessária, às vezes difícil de ser cumprida, mas que devia ser cumprida, o reconhecimento do que o que fizemos é o que devíamos ter feito, a recusa à tentação da autocomplacência nos forjam como sujeitos éticos, dificilmente autoritários, submissos ou licenciosos. Seres mais bem dispostos a confrontação de situações limites.”

As possibilidades decorrem da assunção lúcida, ética, dos limites e não da obediência medrosa e cega a eles.”

(...) A mim me dá pena também e preocupação, igualmente, quando convivo com famílias que vivem a outra tirania, a da autoridade, em que as crianças caladas, cabisbaixas, 'bem-comportadas', submissas nada podem.”

Quão equivocados se acham pais e mães ou quão despreparados se encontram para o exercício de sua paternidade e de sua maternidade quando, em nome do respeito à liberdade de seus filhos e filhas, os deixam entregues a si mesmos, a seus caprichos, a seus desejos.”

Contraditórios entre si estes modos, o autoritário ou o licencioso, trabalham contra a urgente formação e contra o não menos exigente desenvolvimento da mentalidade democrática.”

Quanto mais filhas e filhos vão se tornando 'seres para si' tanto mais se vão fazendo capazes de re-inventar seus pais, em lugar de puramente copiá-los ou, às vezes, raivosa e desdenhosamente, negá-los.”

Não gostaria de ser mulher ou homem se a impossibilidade de mudar o mundo fosse verdade objetiva que puramente se constatasse e em torno de que nada se pudesse discutir.”

Gosto de ser gente, pelo contrário, porque mudar o mundo é tão difícil quanto possível. É a relação entre a dificuldade e a possibilidade de mudar o mundo que coloca a questão da importância do papel da consciência na história, a questão da decisão, da opção, a questão da ética e da educação e de seus limites.”

A educação tem sentido porque o mundo não é necessariamente isto ou aquilo, porque os seres humanos são tão projetos quanto podem ter projetos para o mundo.”

A consciência do mundo, que viabiliza a consciência de mim, inviabiliza a imutabilidade do mundo. A consciência do mundo e a consciência de mim me fazem um ser não apenas no mundo mas com o mundo e com os outros. Um ser capaz de intervir no mundo e não só de a ele se adaptar.”

Saliente-se que o discurso da impossibilidade da mudança para a melhora do mundo não é o discurso da constatação da impossibilidade mas o discurso ideológico da inviabilização do possível (...) O discurso da impossibilidade de mudar o mundo é o discurso de quem, por diferentes razões, aceitou a acomodação, inclusive por lucrar com ela.”

Se somos progressistas, realmente abertos ao outro e à outra, devemos nos esforçar, com humildade, para diminuir ao máximo, a distância entre o que dizemos e o que fazemos.”

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