Pedagogia
da indignação (2000)
“Não
há cultura nem história imóveis. A mudança é uma constatação
natural da cultura e da história. O que ocorre é que há etapas,
nas culturas, em que as mudanças se dão de maneira acelerada. É o
que se verifica hoje. As revoluções tecnológicas encurtam o tempo
entre uma e outra mudança.”
“Não
haveria cultura nem história sem inovação, sem criatividade, sem
curiosidade, sem liberdade sendo exercida ou sem liberdade pela qual,
sendo negada, se luta. Não haveria cultura nem história sem risco,
assumido ou não.”
“Neste
sentido é que, primeiro, devo saber que a condição de existentes
nos
submete a riscos; segundo, devo lucidamente ir conhecendo e
reconhecendo o risco que corro ou que posso vir a correr para poder
conseguir um eficaz desempenho na minha relação com ele.”
“Me
parece fundamental sublimar, no horizonte da compreensão que tenho
do ser humano como presença
no
mundo, mulheres e homens somos muito mais do que seres adaptáveis às
condições objetivas em que nos achamos. Na medida mesma em que nos
tornamos capazes de reconhecer
a
capacidade de nos adaptar à concretude para melhor operar, nos foi
possível assumir-nos como seres
transformadores.”
“(...)
A vontade só se autentica na ação de sujeitos que assumem seus
limites.
A vontade ilimitada é a vontade despótica, negadora de outras
vontades e, rigorosamente, de si mesma. É a vontade ilícita dos
'donos do mundo' que egoístas e arbitrários, só se vêem a si
mesmos.”
“A
mim me dá pena e preocupação quando convivo com famílias que
experimentam a 'tirania da liberdade', em que as crianças podem
tudo: gritam, riscam as paredes, ameaçam as visitas em face da
autoridade complacente dos pais que se pensam, ainda, campeões da
liberdade. Submetidas ao rigor sem limites da autoridade arbitrária
as crianças experimentam fortes obstáculos ao aprendizado da
decisão, da escolha, da ruptura. Como aprender a decidir, proibidas
de dizer a palavra, de indagar, de comparar. Como aprender democracia
na licenciosidade em que, sem nenhum limite, a liberdade faz o que
quer ou no autoritarismo em que, sem nenhum espaço, a liberdade
jamais se exerce?”
“A
disciplina da vontade, dos desejos, o bem-estar que resulta da
prática necessária, às vezes difícil de ser cumprida, mas que
devia ser cumprida, o reconhecimento do que o que fizemos é o que
devíamos ter feito, a recusa à tentação da autocomplacência nos
forjam como sujeitos éticos, dificilmente autoritários, submissos
ou licenciosos. Seres mais bem dispostos a confrontação de
situações limites.”
“As
possibilidades decorrem da assunção lúcida, ética, dos limites e
não da obediência medrosa e cega a eles.”
“(...)
A mim me dá pena também e preocupação, igualmente, quando convivo
com famílias que vivem a outra tirania, a da autoridade, em que as
crianças caladas, cabisbaixas, 'bem-comportadas', submissas nada
podem.”
“Quão
equivocados se acham pais e mães ou quão despreparados se encontram
para o exercício de sua paternidade e de sua maternidade quando, em
nome do respeito à liberdade de seus filhos e filhas, os deixam
entregues a si mesmos, a seus caprichos, a seus desejos.”
“Contraditórios
entre si estes modos, o autoritário ou o licencioso, trabalham
contra a urgente formação e contra o não menos exigente
desenvolvimento da mentalidade democrática.”
“Quanto
mais filhas e filhos vão se tornando 'seres para si' tanto mais se
vão fazendo capazes de re-inventar seus pais, em lugar de puramente
copiá-los ou, às vezes, raivosa e desdenhosamente, negá-los.”
“Não
gostaria de ser mulher ou homem se a impossibilidade de mudar o mundo
fosse verdade objetiva que puramente se constatasse e em torno de que
nada se pudesse discutir.”
“Gosto
de ser gente, pelo contrário, porque mudar o mundo é tão difícil
quanto possível. É a relação entre a dificuldade e a
possibilidade de mudar o mundo que coloca a questão da importância
do papel da consciência na história, a questão da decisão, da
opção, a questão da ética e da educação e de seus limites.”
“A
educação tem sentido porque o mundo não é necessariamente isto ou
aquilo, porque os seres humanos são tão projetos quanto podem ter
projetos para o mundo.”
“A
consciência do mundo, que viabiliza a consciência de mim,
inviabiliza a imutabilidade do mundo. A consciência do mundo e a
consciência de mim me fazem um ser não apenas no mundo mas com
o
mundo e com os
outros. Um ser capaz de intervir no mundo e não só de a ele se
adaptar.”
“Saliente-se
que o discurso da impossibilidade da mudança para a melhora do mundo
não é o discurso da constatação da impossibilidade mas o discurso
ideológico da inviabilização do possível (...) O discurso da
impossibilidade de mudar o mundo é o discurso de quem, por
diferentes razões, aceitou a acomodação, inclusive por lucrar com
ela.”
“Se
somos progressistas, realmente abertos ao outro e à outra, devemos
nos esforçar, com humildade, para diminuir ao máximo, a distância
entre o que dizemos e o que fazemos.”
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