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18 de fevereiro de 2011

O andador sem assento


O que você anda fazendo por aqui, garoto? Olhando como se eu fosse o seu destino? Você, definitivamente, não precisa de todos esses conceitos! O que lhe importa se as suas pernas não correm tanto como as demais? Talvez esteja na hora de você esquecer os pés e se tele-transportar. Abandonar, sinceramente, esse altar. Sinta a sua mente e escolha com a sua alma. Mantenha-se em alerta e escape sempre que quiser. Eu sei que às vezes você se surpreende com certas experiências. E que se frustra e até se arrepende quando não encontra uma mísera transformação. Sei também que você pode ficar em paz com suas concessões, pois, desta vez, elas foram mútuas e você pode até sorrir com satisfação. Você se sente estranho por não ter conseguido alcançar tudo o que desejava. Desrespeita-se pensando em tudo o que deixou para trás graças à sua ânsia por produção. Agora chegou a hora de você se abster para poder escolher. Não mais querer reviver circunstâncias, mas vivenciar, saborear suas mais loucas e descabidas ilusões. Tudo o que você precisa é abandonar as partidas. Descer da poltrona confortável. Rasgá-la se for possível e refutar essas saídas. Derrubar todas as cercas e atiçar os cavalos aí de dentro. Eu sei que você quer se despregar desse chão. Sua expressão é reveladora, meu chapa! Principalmente agora que o telhado rachou. Que a sua estrutura se esfacelou. Eu assisto à sua respiração quando lhe falta luz e descortino sua visão quando lhe sobra tanto ar sem expressão. Hei garoto, não se esquarteje porque o que lhe parecia eterno foi quebrado e o que lhe parecia vivo acabou teorizado. Os caminhos nunca estarão traçados e as flores do aprendizado precisam de um pouco de adubação. Assim como da sua força para a irrigação. Coerência, meu caro! Essa nota não lhe toca? Essa música não lhe afeta? Essa mágica não lhe interessa? Você, com toda a certeza, já viu outros truques bem melhores! Sobretudo agora que você descobriu a sua própria diversão. Nesse exato momento em que seu vagão criou asas e voou para bem longe da mumificação. Você, finalmente, se ligou. Os seres aterrorizados não podem deixar de estarem desgastados. As ações e emoções tendem a ser mecanizadas. Guardadas em gavetas e revistas com todo o aval de sua respeitabilidade. Agora que você soube aguardar com retidão sua hora. Autenticidade e dignidade conjugadas. Agora que você já descobriu que não há propósito em depositar suas esperanças na grande maioria das pessoas. Pois elas, infelizmente, não lhe lançam no espaço da criação. Se dê ao trabalho e não esconda suas opiniões. Mas, por favor, não me olhe dessa maneira. Não queira me usar como uma muleta. Ou qualquer outra coisa que não seja ajudar a curar sua dor. Pois eu sou só um símbolo. De um livro sem páginas. Um vagabundo sem malas. Um aparelho obsoleto. Um andador encostado. Que não possui sequer assento.

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