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18 de fevereiro de 2011

O espectador ainda vive


O espectador não perde por esperar. Pelo contrário, ele se delicia cada vez mais com isso. Pode-se dizer até que ele se sacia muito mais intensamente quando opta por esse caminho. A sua vida sempre foi assim, mas ele de nada desconfiou. Nada foi predestinado, nada se transformou de fato para ele. Jamais sentiu a menor vontade de participar, se envolver, cooperar, haja vista o fato de tudo lhe parecer como algo sem o menor significado para a sua vida.
O espectador não se aborrece, no entanto. Ele se envolve em sua tão confortável redoma e de lá só sai quando o perigo estiver bem longe. Não que queira se esconder, mas – tal como nos filmes – simplesmente se afastar das distorções. Esperar e esperar. Até morrer. E novamente esperar para ser descoberto, posto – pela primeira vez – em primeiro plano: velado pela família que sempre o advertiu sobre as suas manias insanas.
Os amigos do espectador não se abalam com a notícia de sua morte. São amigos mais que verdadeiros, e, justamente por isso, vão juntos observar o seu enterro. Mal podem esperar para ver mais um fato que lhes passará despercebido. Não lhes fará sentido algum aquele corpo, aquela vida fadada ao esquecimento, relegada ao nada da existência, ser nada mais nada menos do que o seu velho e bom amigo.
A família do espectador também não se desespera. Poucos se sensibilizam e os que o fazem procuram apenas demonstrar boa educação. Afinal, eles já o vinham observando desde a sua mais tenra infância. Pouco se importam, a não ser com os gastos que o pobre infeliz deixou até quando decidiu morrer.
Mas será que foi ele quem decidiu algo? Seus sentidos, após anos e anos de mórbida expectativa, teriam vozes suficientes para lhe impulsionar a tomar alguma atitude? E será que ele, o espectador, teria ouvidos para os sentidos? O que será que o fez morrer, então? Deixar a sua tão tranqüila e reconfortante vida de espectador? Será que ele – tão cético quanto conformado – fora invadido por uma estranha avalanche vinda de dentro? Será que de tanto os reprimir, seus sentidos assumiram total autonomia sobre sua personalidade, forçando-o a um ato?

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