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17 de fevereiro de 2011

Os pescadores


Olhou fixamente para a água que corria entre as margens do rio e desejou esquecer a vida cronometrada que levava na cidade. Desenrolou a linha que envolvia a sua vara de pesca, separou os três tipos de isca que havia levado, fixou um anzol de boa espessura numa das pontas do nylon e alçou a sua velha companheira até o meio do rio.
Acendeu um cigarro de palha, deu três longas tragadas e começou a puxar a linha lentamente, certificando-se assim de que o dia estava para peixe.
– Não volto para casa sem um lambarizinho! – pensou, confiante de si, o jovem Antônio.
Como de costume, deixou as minhocas para segundo plano, iniciando o ritual utilizando os grãos de milho em conserva como forma de atrair os cardumes. Julgara correto o fazer e, logo estava trazendo para a sua direção um peixe de tamanho mediano – como diriam os amigos de todas as ocasiões.
Passadas algumas horas, o Sol começara a pesar sobre a sua cabeça, e, como já havia conseguido um número considerável de vitórias sobre a natureza, resolveu ir preparar o almoço para a turma, já que dessa vez fora o escolhido para cozinhar.
Assim que o arroz ficou pronto e os lambaris começaram a pular na frigideira, Antônio fez sinal para os seus dois amigos que o acompanhavam naquele bem aventurado exercício de relaxamento mental.
Comeram como se não tivessem ingerido nada pela manhã e, tão logo começaram a se desencadear aquelas conversas sobre a superioridade de algum para como os outros, bem como aos peixes que acabaram sendo traídos por seus instintos, procuraram se lembrar que tudo isso não passava de algo que os tornavam ainda mais insignificantes.
Todos ali – assim como suas respectivas esposas – trabalhavam arduamente a fim de garantirem o sustento de suas famílias, agüentando desaforos de chefes, descontos injustificados em seus salários, enfim, não passavam de peças de uma engrenagem que se aproveita inclusive do lazer como forma de aprisioná-los.
Diante dessas lembranças, três pensamentos distintos decorrentes... Cada qual, com as suas experiências de vida, procurou uma forma de sair daquela embaraçosa situação que eles mesmos criaram, ora reconhecendo que eles vinham sendo tão ingênuos quanto aqueles peixes (prontos para serem servidos com cerveja na casa de algum deles, durante algumas partidas de truco), ora sustentado o desejo de serem verdadeiras cópias de seus patrões.
Nesse tempo de um pensamento a outro, sem que pudessem perceber, tal era a perplexidade, um velho senhor de roupas rasgadas e com uma trouxa nas costas apareceu do meio do mato e – ao contrário do que os seus preconceitos almejaram – lhes dirigiu algumas palavras muito condizentes com aquela tarde de céu escuro, cujos ventos fortes chegavam a amedrontar até os mais corajosos.
Dizia o velho que não pôde deixar de ouvir a conversa e afirmava veemente a idéia de que a liberdade é algo que jamais alguém a sentirá por completo, contando várias histórias de sua vida errante, frisando algumas das trapaças a que fora submetido movido pelo desejo de enriquecer, ter uma vida digna dentro desse sistema, muitas propriedades, etc., etc., etc.
Contou que viera parar em terras brasileiras justamente em função de sua ambição. Por se deixar envolver por promessas que constantemente se fazem nos países ditos ricos, forçando os excluídos a irem procurar oportunidades no quintal, ou seja, na periferia do mundo.
– Somos o que muitos políticos, jornalistas, advogados, etc. chamam de doença social, de escória, lixo humano. Assim é que eles se referem a nós, ou seja, àqueles que não encontram outra saída a não ser a de dormir embaixo de pontes, viadutos ou onde quer que seja, de tomar cachaça para tentar esquecer as lembranças do passado, os erros, os antigos sonhos e assim ficar com a sensação de se acharem mais fortes para enfrentar a indiferença daqueles que sempre passam apressadamente em busca da vitória e da realização individual.
  O velho homem, de nome até então desconhecido, percebendo que interrompia o retorno daqueles homens às margens do rio, procurou se despedir como pôde e foi tomando o caminho da estrada, com a nítida impressão de que jamais esqueceria aquele dia, porque os três pescadores lhe presentearam com uma caninha “coisa fina” – como gostava de frisar sempre para si mesmo.
Como a chuva estava por vir e ainda teriam que encarar alguns quilômetros, os pescadores começaram a retirar os bocós presos às margens do rio e iniciaram a melancólica tarefa de carregar o velho opala, que tanto viajara por estradas de terra.
Tudo pronto. Voltavam para os seus respectivos lares. Suas famílias já os aguardavam com o prato que mais os agradavam sobre a mesa, e, após aquela noite de quarta-feira de cinzas, regressariam aos seus postos de trabalho, aos mesmos sons, às mesmas cores, tendo que encarar os mais idênticos rostos extremamente embrutecidos pela vida em sociedade.

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