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13 de fevereiro de 2011

Fique mais um pouco!

Eu estive com ela ontem o dia todo. Com meus olhos fechados eu podia senti-la. Foi bem mais do que uma visão. Foi além de um sentimento ruim. Eu caí da montanha-russa e não me desesperei um só instante. Eu perdi no jogo e não me envergonhei por sair só de cuecas. Por precaução, fechei as janelas para que eles não me vissem dançando. Fui trágico. Fui cômico. Hoje, sou mais um corpo que não quer fingir. Meu sangue jorra, mas a chama continua queimando. Desculpe-me, mas eu não quero ver o nosso conteúdo exposto nesse estande. Eu sempre achei que as informações pudessem destruir todos os estigmas e estratagemas. Porém, eu só posso ver a razão através da perspectiva da alma. Eu já tive tudo quando ela me visitava sem ódio. Sem um método. Escrevia sem paternalismos. Aprendia o ritmo colorindo gibis. Articulando sílabas, palavras e frases. Batucando em latas e panelas. Tocando guitarras e baixos imaginários. Cantando músicas que não me faziam o menor sentido. Soprando saxofones, trompetes e flautas sem saber como me comportar. Fique mais um pouco, eu lhe peço! Não me deixe estirado nessa superfície tão plana. Meus órgãos não precisam de descanso agora. Logo eles serão recolhidos e quiçá serão doados. Voltarão a se integrar à vida. É tudo o que eu posso esperar. Por que você se foi? Eu ainda tenho algumas perguntas essenciais. Não as encontrei nos livros e nem as ouvi nos bares. Não as suportei entrelaçadas aos dogmas. Por que você levou minha capacidade de sentir dor sem me importar? Os curiosos vêm me ver só pra terem o que falar. Eu não me julgo vencido, mas minha máscara se perdeu com o choque da queda livre. Não me esconde mais. Ouço os ruídos nessa bifurcação, os carros param e, de repente, descem dois homens vestidos de branco. Recolhem meus pedaços e pisam sobre o meu sangue. Onde você foi parar logo agora, minha solidão? Queria lhe falar algo antes que a chancela se abaixe. Que me registrem num livro preto e me aprisionem numa caixa enfeitada de flores compradas. Vistam-me com roupas e sapatos que não gosto de usar. Façam orações para um único deus e peçam para que ele me acomode em um quarto nos andares superiores. Eu sou da terra – e – caso possa escolher, quero servir de alimento aos vermes sem que eles tenham tanto trabalho para chegarem ao que restou de mim.

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