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17 de fevereiro de 2011

Cultura S.A.


Olhando por essa fresta de janela, vi há alguns metros de profundidade as ruas, os automóveis, enfim, os seres humanos em suas rotinas diárias – o nosso objetivo por aqui. Difícil não notar certo embotamento em seus sentidos. Eles andam desconfortáveis. Quase nunca se dirigem o olhar e quando o fazem trata-se de uma leve compensação, já que permitem fetichizar-se com os seus atributos físicos. Já ouvi muitos comentários do tipo: Que bunda! Puta peitão, hein?! Vou sair à noite pra caçada, c-e-r-t-e-z-a! Usam roupas, calçados e outras peças muito parecidas, o que torna a minha compreensão bastante limitada, uma vez que (descobri só agora) utilizam essas roupas, esses calçados, esses relógios, essas correntes, essas bolsas, essas pulseiras, esses anéis, esses óculos, esses celulares, não só como forma de satisfazerem necessidades básicas de convívio e melhor relacionamento entre si, mas também (e isso está se tornando cada vez mais patente por aqui) como meio de lhes realçarem (imaginem só!) as suas totalidades, quero dizer, as suas qualidades: os seus corpos. Mirando um par de botas, o qual, tenho absoluta certeza, já o vi em outros pés e em muitas outras vitrines pelas cidades que já visitei, indaguei sobre as finalidades do pensar, do conhecer humanos. Procurei livros, visitei sites, conversei com pessoas, conheci habitações e estabelecimentos comerciais dos mais famosos. Se a realidade não interessa a ninguém, porque, afinal, os seres humanos ainda empreendem o seu tão precioso tempo pensando? A resposta mais plausível a que cheguei, depois de analisar algumas das mais conceituadas filosofias, ciências, tecnologias e artes dessa raça, foi a de que o conhecer serve (e essa palavra não poderia se aproximar mais do que proponho) para transformar – não as coisas, nem mesmo o ser humano em um animal conectado ao seu meio – mas séculos de história, litros e mais litros de sangue, crânios e mais crânios, matas e rios, vísceras e cartilagens em mitos, fábulas, entretenimento de massa. Criando e recriando mártires, realçando ainda mais a sua cumplicidade. Será que eles não percebem que não há só a sua espécie no Planeta? Acho que acabei me empolgando um pouco com essa história de ciência, mas se vocês estivessem aqui, e vissem, como eu vi, dois professores que trabalham no mesmo local o dia todo e que não se falam porque torcem por times diferentes... Ah, iriam saber que a neutralidade que se ensina nas universidades é só mais uma mentira que tem crédito por aqui.

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