Páginas

13 de fevereiro de 2011

O vendedor de livros


Se pudesse descreveria com detalhes o brilho daqueles olhos. Pois creio que jamais os esquecerei. Nem aquelas palavras organizadas em forma de pergunta:
– “Você tem algum livro que fale sobre a vida?”
O que consigo descrever foi o modo como me senti pequeno, vazio de significado, condicionado dos pés à cabeça a não me preocupar com o que é essencial na vida. Era uma garotinha de no máximo dez anos de idade que queria reservar, para que no dia seguinte, mediante a autorização de seus pais, comprar um livro que lhe falasse um pouco mais sobre a vida. E cabia a mim, absorto como estava, assombrado como uma criança de colo, oferecer-lhe algumas opções.
É claro que sobre a essência da vida aquela menina sabia muito mais do que eu, do que qualquer adulto sério que pudermos imaginar, mas como negá-la a oportunidade de aprender um pouco mais, de aprimorar, criar e refutar referenciais, sonhos, construir valores e viver o que a vida tem de bom, de belo e de mais puro através da leitura, da visão e da contemplação de outras histórias, de outras vidas que igualmente buscam um mínimo que seja de valorização e dignidade humanas a fim de não serem alvos fáceis do que costumo chamar de tirania da fragilidade?
Olhando para aquelas duas malas repletas de livros (carregava os livros dentro de 2 malas idênticas), vi que a sabedoria é muito mais do que o acúmulo desenfreado de conhecimentos, experiências e vivências. Por ter de sobra, ou melhor, por ser sábia demais, aquela menina soube me doar, ainda que num único contato, sugerindo-me inclusive que às vezes saber esperar é mais essencial à alma do que se desesperar, se precipitar e se lançar ao jogo e à obsessão criada pelas ofertas imediatas de nossa realidade.
Contemplo – mesmo que em minha mente – um personagem kafkiano chamado o artista da fome que, numa alegoria sobre a confusão e a dispersão que querem nos vender todo o tempo como bens culturais, diz que não come porque não encontrou o alimento que sacie verdadeiramente a sua fome, porque não vislumbrou razões para se fartar como todos nós. Não se sentiu impelido e, apesar de se sentir culpado, respeitou-se e se entregou à sua arte: passar fome dentro de uma jaula – num mundo em que a exuberância, a exaustão, os instintos, a pressa, o tempo, a fartura, o status e a estética são almejados como pedestais, como modelos a serem copiados e reproduzidos em série numa tentativa de se esquivar da própria vida.
O artista da fome e a garotinha que queria mais da vida transcendem a própria transcendência, em minha opinião, pois conseguem ver além das aparências, além das formas, conseguem ver o que para muitos é invisível, e não estão nem um pouco interessados em possuir, dominar, colecionar, subjugar, destruir, enfim, em fazer do mundo e das pessoas trampolim para suas limitações, meios para se sobrepor.
 Para eles alguns valores, algumas éticas, algumas poesias, algumas esperanças, alguns sonhos, alguns amores, algumas personalidades e porque não potencialidades, não são inverdades, muito menos banalidades, mas sim alternativas frente ao salve-se quem puder, ao esgotamento da Natureza que somos todos nós.
Por tudo isso, muito obrigado garotinha da quarta série da escola Olga Silvério de Guaratuba/PR por desobstruir minha visão, me mostrar encantamento e magia. Espero que além de mim, muitos outros (as) possam sentir-se mais vivos compartilhando dessa completude que estrelas cadentes como você são capazes de proporcionar – sem ao menos notar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário