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28 de fevereiro de 2011

Companhia


– Hei, por que você está assim?!
– Assim, como?!
– Olhando como se não estivesse aqui?
– Não faz sentido!
– Sentido?!
– Não faz um único sentido!
– Você não está pensando em...
– Estou! Por quê?
– Sei o que você deve estar sentindo.
– Como assim?! Você nem me conhece!
– Acho que já te vi passar algumas vezes pelas ruas.
– Isso não te torna um amigo!
– Sei disso.
– Então... Até mais!
– Como assim, até mais?!
– Até mais!
– Não... Eu não vou embora!
– Por quê?!
– É que eu quero saber mais.
– Saber mais?!
– Não posso saber?!
– Não! Deixe-me em paz!
– Não quero ir embora!
– Mas eu quero!
– Você está chateado com alguma coisa?
– Só quero me matar, cara, dá o fora daqui!!!
– Não, o que é isso... Não vou perder mais essa!
– Amigo, vá fazer o que você estava fazendo!
– Não esquenta não, cara... Eu tenho tempo.
– Mas eu não!
– Você não está achando um sentido, é isso?
– Exatamente!
– E, por esse motivo, você acha que o melhor é se matar?
– Exatamente!
– Só por isso?!
– É... Só por isso!!!
– Deve haver uma razão, um sentimento, alguma coisa...
– Não posso viver sem, mas também não consigo aceitar esse mundo!
– Ah... Aceitar... É difícil mesmo... Talvez você...
– É, aceitar! Você aceita o seu?
– Não, mas... Você não tem espelho, não?
– Como assim?!
– Você ainda não se tocou de que já está morto?!
– Morto não sente dor! Morto não pensa sobre isso o dia todo!
– Ah, então você está tentando deixar de sentir e de pensar, é isso?
– Pensando bem, é isso mesmo!
– Siga em frente, finja que eu nem estou aqui!
– Como, se você continua aqui?
– Ora, dê um jeito!
– Jeito?! Você deve ser maluco!
– É, cara, se mata vai, eu quero ver!!!
– Eu... Eu cheguei aqui primeiro!
– Esse é um lugar público!
– Só que eu já estava aqui bem antes de você!
– E daí?!
– Que merda, nem pra morrer a gente tem um pouco de espaço!!!
– Olha, eu estava passando por esse lugar, vi você de longe e não ia desviar o meu rumo só porque a vossa senhoria já estava aqui, pensando em se matar.
– Cara, dá um tempo, você está sendo muito enxerido!
– Enxerido?!
– Você não sabe o que isso quer dizer?!
– Sei e é por isso que não entendo!
– Bem-vindo!
– Bem-vindo?! Como assim?!
– É... Bem-vindo! Você também não entende!
– Olha, eu só quero ter o meu direito.
– Direito?!
– É... O meu direito de ir e vir, de ver e às vezes até de conversar com caras como você.
– Caras como eu?!
– É... Ou você pensa que é o primeiro a ter essa idéia genial?!
– Você é pirado, cara! Vá procurar ajuda!
– Eu já procurei... Sabe, ontem vi um cara, como você, fazendo a mesma coisa.
– Ele... Ele conseguiu?
– Foi muito rápido. Ele veio decidido.
– Você viu?!
– Claro que vi! Quase toda semana vejo pelo menos um.
– Então... Eu também vou conseguir!
– Espero que sim!
– Pô, cara, vá procurar a sua turma! Eu preciso ficar sozinho!!!
– Pensei que você se sentisse assim.
– O problema é sentir e não poder prosseguir!
– Acho que te entendo, cara!
– Você também sente isso?!
– Claro! Sentir, querer, e, não conseguir...
– Não se integrar...
– É... Eu sei...
– Bom, mas eu já me decidi.
– Você não parece nem um pouco decidido.
– Não pareço, mas estou!
– Se você quer uma segunda opinião eu posso chamar mais alguém...
– Não, obrigado, já tenho a minha opinião!
– Tudo bem. Então, você vai fazer agora?
– Agora! Quero dizer, assim que você me deixar em paz!
– Você, em paz?!
– Vou chamar a polícia, cara! Você está invadindo minha privacidade!
– Privacidade?! Você acha que alguém tem privacidade hoje em dia?!
– Deveria ter!
– Mas não tem!
– Pois, então, me deixe desfrutar da minha, por favor!!!
– Desfrutar?!
– É... Isso é um direito conquistado!
– Você acredita em justiça?!
– Sempre procurei ser justo!
– Talvez esteja aí uma parte do seu problema.
– Ah... O que você quer dizer?
– A maioria das pessoas só pensa em justiça, não sente a necessidade...
– É, pode ser.
– Quase tudo virou uma obrigação, não se sabe, mas se age assim mesmo...
– As coisas perderam o seu sentido...
– Lá vem você falar em sentido de novo!
– Você tem um sentido para a sua vida, por acaso?
– Eu não! Cansei de procurar por um.
– Então... Como consegue viver?!
– Eu não consigo, simplesmente nasci assim... Vivo!
– Você não passa de mais um covarde, assim como eu.
– É... Talvez eu seja isso mesmo.
– Já pensou em...
– Claro que já pensei, até já vim aqui para fazer isso, como você!
– E... Não conseguiu?
– Não. Resolvi deixar pra lá.
– Deixou pra lá, simplesmente?!
– É... Deixei.
– E você nem pensa mais sobre isso?!
– Claro que penso. Todo dia eu considero essa alternativa.
– Então, você encontrou um sentido.
– Não. Eu achei que tinha encontrado, mas não encontrei nada.
– Tá vendo...
– Cara, você deve ter alguém que goste realmente de você...
– Não tenho ninguém!
– Ninguém?!
– É... Ninguém!
– Você já amou alguém?
– Claro que amei... Ainda... Amo.
– E esse alguém não te ama?
– É... Esse alguém disse que me amava também.
– Disse que te amava?! Você não sabe se ela te ama ou não?!
– Não sei... A gente não... Cara, dá o fora daqui! Eu não quero falar sobre isso!!!
– Mas você já está falando.
– Estava falando!
– Eu também acho que o amor...
– Que amor?! Ninguém ama ninguém, não! É tudo uma grande farsa!!!
– Então, você nunca amou!
– Amo... Quero dizer, amei!
– Vocês não se entenderam?
– É... A gente é... Já passa da meia-noite, você não tem casa, não?
– Já tive.
– E onde você mora, então?!
– Eu vivo por aí.
– Como assim, por aí?!
– Por aí, oras! Você nunca me viu?!
– Você não tem onde dormir?!
– Claro que tenho! Durmo por aí.
– Então, você também veio aqui para...
– Não, eu vim aqui porque sempre tem alguém querendo se...
– E você se contenta, fica feliz em ver?!
– Não, que idéia a sua! Você deve estar muito mal mesmo, hein!
– Desculpe-me!
– Tudo bem!
– Você vem aqui para quê, então?
– Para conversar.
– Conversar?!
– É... Conversar! Não reparou que nós estamos conversando?!
– Sim, reparei, mas por quê?
– Por que, o quê?
– Por que você gosta de conversar com quem está querendo morrer?!
– Ora, isso é muito pessoal! Agora é você que está sendo enxerido!
– Tudo bem, mas você pode me dar licença, por favor?
– Claro que não!
– Mas você é teimoso, hein!
– Se sou! Se não fosse, já estaria morto.
– Mas você também não me parece nem um pouco bem...
– Tá bom... Eu também não estou legal, mas isso não me faz querer morrer.
– Mas você já tentou e sempre pensa nisso!
– Já tentei e penso sobre isso todo santo dia! Pra mim, é fundamental!
– Pois, então...
– Então, o quê?
– Você não quer me ajudar e se ajudar?
– Olha, cara, me tira dessa, tá!
– É só você me dar uma mãozinha...
– Nem pensar!
– Por quê?
– Não me sinto bem ajudando as pessoas com isso. Elas são muito capazes!
– Mas... Eu estou lhe pedindo.
– Tanto faz. Acho... Acho que já vou indo.
– Não... Por favor, espera aí!
– Tenho algumas coisas pra fazer ainda hoje à noite.
– Coisas?! O que, por exemplo?
– Isso é muito pessoal, já te disse!
– Pessoal?!
– É... Tão pessoal como a sua decisão sobre a sua vida.
– Desculpa aí, então, senhor Razão!
– Ora... Deixe-me em paz!
– Ah... Agora é você que quer ficar em paz?
– Sim, agora sou e sei que você não vai me deixar.
– Exatamente!
– Você tem todo o direito!
– Então, você acredita em direitos?!
– Às vezes... Quando eles vêm de uma necessidade real, quando já existem no coração e não precisam de qualquer tipo de recompensa ou punição para fazer com que os homens os respeitem.
– Você deve ser mais um desses que negam a natureza, a cultura, a razão e a sensibilidade...
– Nada disso! Não nego, só não as encontro dentro das pessoas.
– Então, você também concorda que está perdido?
– Claro que concordo! Nunca me vi de outra maneira. A não ser quando...
– Quando?
– Ora, deixe pra lá!
– Não, agora sou eu que quero saber mais!
– Tá bom! A não ser quando vivi com alguém que...
– Mas... Você disse que não tem nem onde morar...
– E não tenho mesmo.
– Qual o sentido, então?!
– Não há sentido. Já houve... Só isso!
– Você nunca tentou voltar?
– Claro que tentei, mas...
– Mas?
– Olha, vamos mudar de assunto, você não ia se matar?
– Eu vou!
– Então, estou esperando... Não posso ficar aqui a noite toda!
– Não vou te dar mais esse gostinho! Vá assistir à televisão, cara! Ela sempre passa esse tipo de notícia! Eles acham que a gente precisa de mais!
– É... Eu sei, mas não estou procurando notícias. Quero ver os fatos, chegar à raiz!
– Acho que te entendo.
– Você nem me conhece!
– É verdade.
– Então?
– Então, o quê? Você não vai se jogar daqui?
– Que se jogar, que nada! Olha só o que eu trouxe!
– Uma arma, que legal! Você vai mesmo apontar para si mesmo e puxar o gatilho?!
– Claro que vou! Assim que estiver sozinho!!!
– Ah, cara, corta essa! Eu quero e vou ver!!!
– Nem pensar!!!
– Isso é que é conflito! Um quer e o outro não!
– Exatamente!
– Bom, então eu já vou indo.
– Tem certeza?
– Claro! Você não quer que eu veja, mas quer fazer!
– Não estou mais certo se é isso mesmo o que eu quero...
– Então, você está desistindo?!
– É... Acho que sim.
– Que pena!
– Até mais, então!
– Como assim, até mais?!
– Até mais... Eu vou pra minha casa e você vai fazer o que estava indo fazer!
– Como assim?! Nós não estamos juntos?!
– Claro que não!
– Vai me negar, então?!
– Negar?!
– É... Negar! Isso também é matar!!!
– Eu nem te conheço, cara!
– Mas eu te conheço!
– Como assim?!
– Já não te falei que te vi passar pelas ruas?!
– Que diferença isso faz?!
– A diferença é que eu sou uma parte tua e que, só agora, nesse momento de desespero, consegui que você me ouvisse! O primeiro passo... Depois a gente ia resolvendo os problemas de comunicação!
– Você é biruta, cara! Vá se tratar!
– Estou tentando, mas não posso! Não posso nem sair desse lugar, agora! E, a propósito, essa arma é minha!
– Como sua, se foi eu mesmo que comprei?!
– Você não entende mesmo, hein?!
– Não! E nem quero entender!
– Então, vá em frente, acabe com isso de uma vez!
– Não posso fazer isso com você por perto!!!
– Acontece que eu não posso sair daqui!!!
– Que seja, então! Ninguém sai... Ninguém se mata e ninguém vive, pode ser assim?
– Difícil, hein?!
– Que nada, há quanto tempo nós estamos desse jeito?
– Sei lá. Diga você.
– Eu também não sei.
– Fique aí na sua e eu fico aqui na minha!
– Para sempre?
– Para todo o sempre!
– Tudo bem! Foi um prazer!
– Que é isso, o prazer foi todo meu!

Um comentário:

  1. kira:
    Você traduziu muito bem essa relação!
    Não sabia que utilizaria tão bem essas falas!
    Parabéns, por confundir quando era um e quando era outro personagem dentro da história, por dizer que eles são parte um do outro agora e concluir que, pelo pé em que estavam caminhando, conseguiram ser tão teimosos ao ponto de por tanto tempo não quererem sair, morrer ou viver!

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