Páginas

19 de março de 2014

O sonho de Zuleica

Zuleica achava-se feia. E não havia um dia em que deixava de se imaginar assumindo outra aparência. Zuleica trabalhava numa fábrica de costura. E como lhe era difícil lidar com as contas que só cresciam no comércio. Quem dera lhe sobrasse um pouco de tempo para se cuidar e então viver como todas aquelas mulheres que lhe falaram serem tão belas! Seus filhos sempre lhe davam mais e mais despesas. O caçula, este mês, fizera a gentileza de quebrar um dos vidros do colégio e o diretor chamou-a para lhe entregar a nota com mais um valor a diminuir do seu já comprometido orçamento. Seus maridos não quiseram nem saber. Deixaram-na sozinha com os meninos e também com suas manias de grandeza. Desse jeito, pensava ela, seria quase impossível conseguir juntar algum dinheiro para, enfim, satisfazer-se. Sacrificava-se, pensando em como encontraria uma saída para o seu desespero. Zuleica sonhava junto de suas amigas na empresa. Viam-se, então, saindo de uma clínica com outros corpos. Outros homens, com outros olhos, a lhes perceberem. Costuravam e sonhavam. Dia após dia, novas velhas encomendas que lhes faziam correr. Começavam cedo e de lá só saiam quando o dia não lhes deixava mais a menor leveza. Rugas apareciam cada vez com mais frequência e eram notadas como castigos destinados somente às suas existências. Zuleica queixava-se à sua mãe, alegando que não aguentava mais o emprego. A mãe ralhava, mostrando que não havia outro jeito. Não era este serviço mais leve que o que havia deixado no abatedouro onde tinha trabalhado durante tanto tempo?! Zuleica consentia; afinal, tinha os pequenos, sua juventude dançando pelas veias. Como mãe solteira, impunha-se toda a culpa por não ter sido mais esperta. Responsabilizava-se por ter se envolvido com aqueles tipos de sujeitos. Não se perdoava e os seus erros foram se transformando em armas sempre apontadas e disparadas voluntária ou involuntariamente contra si mesma. Zuleica, no entanto, apaziguava seus anseios. Cozinhava em fogo brando os sonhos que desde pequena vinha tendo. Ainda se lembrava das antigas brincadeiras. Das cenas dos filmes e das telenovelas que com ela muito mexeram. Dos garotos que namorara e que acreditava que iriam cobri-la de carinhos e de presentes. Onde estariam eles? Quando encontraria um verdadeiro companheiro? Alguém que lhe tratasse com algum respeito? Mudaria mesmo que isso lhe custasse o mais alto preço! E assim, buscando uma solução, encheu-se de novos problemas. Dias na fábrica, noites em claro, homens que mais uma vez só se importavam consigo mesmos. Zuleica trabalhou arduamente, esquecendo-se do que tinha por dentro. Com o dinheiro economizado com os programas, marcou uma consulta e lá foi ela explicar ao doutor o que desejava que fosse feito. Pago o preço, assinado o termo, deitou-se na mesa de cirurgia e de lá saiu outra, realmente. Acabou com o rosto enfaixado, o corpo todo inchado, sendo por fim encaminhada para ser identificada e velada, enterrada e lamentada por todos aqueles que há tempos não a viam assim tão de perto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário