Páginas

13 de fevereiro de 2011

Edição especial


No quarto de seu apartamento, há mais de três horas em frente ao monitor, Junior tentava dar vida aos seus pensamentos. Procurava, nos lugares mais recônditos de sua mente, uma forma de mesclar algumas imagens às poucas palavras que integrariam sua mais recente concepção para a mídia televisiva.
Desde que se formara, vinha compondo o quadro de funcionários de uma requisitada agência de propaganda e marketing nacional e, nem mesmo em sonho, gostaria de pôr em xeque a posição que o seu salário lhe propiciava, já que desfrutava de um amplo conforto e de uma boa parte da comodidade requerida pelos mais singulares grupos humanos.
Assim, indagava-se se suas idéias realmente poderiam atingir o alvo prescrito pela empresa que contactara os seus superiores. Precisava, de uma só vez, entreter, agradar, satisfazer e – o que acreditava ser o diferencial de sua profissão – aguçar os sentidos, trazer à tona novas vontades, em suma, infiltrar-se no imaginário do maior número de espectadores possível.
Munido de um curioso receio, Junior começou a se lembrar de algumas aulas que assistira nos seus tempos de faculdade, mais especificamente de alguns professores – sobretudo aqueles tidos como medíocres pela grande maioria da turma – os quais insistiam em propor discussões acerca da responsabilidade desejada dos profissionais de comunicação.
Um pouco confuso, nosso personagem não sabia ao certo como dar continuidade ao seu trabalho. Muitas imagens passaram pela sua cabeça durante esse instante, mas nada que alterasse a ordem natural das coisas.
Após pestanejar, vislumbrou desejos secretos, sonhos proibidos, expectativas quanto ao futuro, enfim, mixou ficção com aspectos reais, compreendendo – apoiado em uma fórmula que já vinha dando certo há anos – que jamais poderia deixar de lado algumas formas femininas, assim como uma certa dose de humor direcionada à concorrência para que o seu produto, ou seja, uma conhecida marca de cerveja, ampliasse consideravelmente suas vendas e passasse a ser reconhecida como a melhor diante de um mercado em constante transformação.
Já com um pouco de sono, suas olheiras pesando demasiadamente sobre sua face, opta por terminar o seu trabalho logo pela manhã, acreditando obter um maior discernimento após algumas horas de descanso.
Salvou o que até então se poderia chamar de esqueleto do trabalho na memória da máquina, desligou-a e só teve forças para se levantar da cadeira em que se encontrava sentado e literalmente se jogar sobre a sua cama, vindo a dormir como se fosse um bebê.
Durante as horas de sono prolongado seu inconsciente lhe instigara ainda mais a imaginação criadora, compondo situações desconexas, mas harmonizando, por assim dizer, o emaranhado de possibilidades que se delinearam, quando de seu estado de vigília.
Essas possibilidades apareciam-lhe agora sob a forma de incansáveis meretrizes, dançando com intocável sensibilidade e senso de unidade – ora com trilha sonora específica e cores reluzentes que preenchiam praticamente todo o ambiente que pouco a pouco fora se pintando – ora com o som produzido pelo toque de seus sapatos sobre o soalho velho e rangente, num cenário onde branco e preto tendiam a se repelir e a se completar mutuamente.
Após acordar, e antes mesmo de pensar em alguma coisa em particular, tal como sair para tomar o seu café da manhã – como o fazia todo dia – Junior retorna à sua mais que conhecida posição diante do computador e, passados alguns minutos, conclui sua tarefa com um tom de satisfação e uma pitada de orgulho que por muito pouco não lhe saltaram da boca ao passar pelos transeuntes durante o curto trajeto de sua casa à empresa onde vendia os seus serviços.
Cumprimentou a secretária com um bom-dia fora do convencional, subiu alguns degraus e apanhou um café. Retribuiu alguns sorrisos aos seus colegas de trabalho e, enfim, chegou à repartição do seu chefe, sem tentar esconder o seu contentamento por ter terminado dentro do prazo e por acreditar ter realizado um bom trabalho.
Saiu de lá fora de si, com a alma completamente lavada, visto que esse era o segundo elogio consecutivo que recebia...
Os responsáveis por dar forma à matéria bruta trabalharam arduamente no decorrer daquele dia e também no que se seguiu, visto que, segundo as recomendações da empresa-chave, o comercial deveria começar a ser veiculado com pelo menos um mês de antecedência à abertura da Copa do Mundo, sobretudo durante o chamado horário nobre da televisão brasileira.
Depois de muita expectativa, as partidas começaram. Muitos às assistiam em suas próprias casas, enquanto outros iam prestigiá-las em alguns bares que as exibiam em exuberantes telões. Felizmente, muitos bradaram em alto e bom som todo o seu orgulho por pertencerem ao país do futebol, ficando bêbados o bastante quando a seleção ganhava ou mesmo perdia algum jogo.
Nosso arguto Junior recebeu uma boa gratificação, aproveitou uns bons dias de férias e, desde então, só vêm expandindo a sua cota, buscando a sua meta: chegar à direção executiva de sua empresa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário