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9 de março de 2025

Ciclos

Nem todo ciclo se encerra naturalmente. Alguns requerem uma boa dose de insistência. Discernimento, autorrespeito e autogestão para acalmar a agitação que transita pelo duo corpo/mente. Reaprendizado para pousar o olhar onde a visão não está coaptada a ser condescendente. Incorporado após vivenciar a angústia, a ira e o luto decentemente. Acondicionando as lembranças sem as bricolagens que nos acostumamos a fazer com os fatos que sucederam. Exemplo. A passagem da sociedade do controle e/ou disciplinar para a sociedade do desempenho. Ao contrário do que muitos pensam, não foi uma transição que simplesmente se deu devido à evolução das condições naturais que evolvem nossa existência. Os mecanismos de domínio foram relativizados até o limite de não precisarem serem impostos de fora para dentro das humanas consciências. Introjetados como liberdade de tudo poder fazer, como num cenário de comercial de cartão de crédito, o indivíduo se assumiu como vítima e carrasco de si mesmo. Cumprindo os ditames da performática ausência e se punindo quando o fracasso aparece. Fracasso que também é parte do processo de voluntário alistamento para que a busca por melhores scores nunca termine e os cases de sucesso sejam perseguidos indefinidamente. Sem alteridade, uma multidão ensandecida de potenciais sujeitos vai se igualando de uma forma talvez nunca vista anteriormente. Procurando se diferenciar exteriormente [e ficando cada vez mais padronizada exatamente por isso], esquece-se de que o maior diferencial provém de dentro, da subjetividade, a qual, enclausurada e acuada pelo medo de não pertencer, de ser reprovada pelo cultuado narrador do stand up interno, ataca sem trégua. Ferida e ferindo, pois do jogo essa é a regra. Vingança para provar o valor do investimento. Finge-se que nada está acontecendo, faz-se o que der na telha e esconde-se para baixo dos tapetes que estamos todos doentes, procurando nos outros – nesses esbarrões arranjados pelo capital, os quais chamamos de direito à escolha do lazer que melhor nos aprouver [veja o que fizemos culturalmente] – algum resquício de vínculo, respeito e comprometimento. O que me intriga é: Quando deixaremos de lado as distrações e prestaremos atenção ao modo como estamos nos desfazendo? Em um mundo onde a positividade é a lei, ser crítico, recorrer à negatividade de nada fazer que corresponda à reatividade prescrita pelo global experimento, é um modo consciente de apaziguar o modo sobrevivência e acolher as sutilezas da vivência.

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