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3 de setembro de 2011

Sören Kierkegaard

O desesperado pode conseguir – e isto é, sobretudo, verdadeiro para o desespero que se ignora – perder o seu eu, e perdê-lo tão completamente que não fiquem vestígios.”

Ai de nós que nos entretemos e que se entretêm as multidões com tudo, exceto com aquilo que importa! Que as conduzam em rebanhos... enganando-as, ao invés de as dispersar, de isolar cada indivíduo, para que sozinho se consagre a atingir o fim supremo.”

Perante essa miséria eu bem poderia chorar uma eternidade inteira! E mais um horrível sinal desta doença – a pior de todas – é o seu segredo."

A eternidade duma só coisa inquirirá: se a tua vida foi ou não de desespero, e se, desesperado, tu ignoravas sê-lo, ou soterravas em ti esse desespero, como um segredo angustioso, como o fruto de um amor criminoso, ou ainda se, horrorizando-os mais, desesperado, gritavas enfurecido. E, se a tua vida não foi senão desespero, que pode então importar o resto! Vitórias ou derrotas, para ti tudo está perdido, a eternidade não te dá como seu, ela não te conheceu, ou, pior ainda, identificando-te, amarra-te ao teu eu, o teu eu de desespero!”

Assim a consciência, a consciência interior, é o fator decisivo. Decisivo sempre que se trata do eu. Quanto mais consciência houver, tanto mais eu haverá. Pois que, quanto mais ela cresce, mais cresce a vontade, e haverá tanto mais eu quanto maior for a vontade.”

Tornar-se si mesmo é tornar-se concreto. Ao contrário, o eu que não se torna ele próprio permanece, saiba ou não, desesperado.”

Como o sentimento se torna imaginário, o eu evapora-se mais e mais, até não ser ao fim senão uma espécie de sensibilidade impessoal, desumana, doravante sem vínculo num indivíduo.”

Quando uma das suas atividades – querer, conhecer ou sentir – se perdeu assim no imaginário, todo o eu corre igualmente o risco de nele se perder, e abandonando-se voluntariamente ou se deixe levar. Em ambos os casos permanece responsável. Então leva uma existência imaginária, infinitizando-se ou isolando-se no abstrato, sempre privado do seu eu, da qual consegue afastar-se cada vez mais.”

 “Para alguém que seja assim presa do imaginário, um desesperado portanto, a vida pode muito bem seguir o seu curso, e, semelhante à de toda gente, estar plena de temporalidade, amor, família, honras e considerações. Provavelmente ninguém se aperceba de que num sentido mais profundo esse indivíduo tem necessidade de eu.”

O eu não é destas coisas a que o mundo dê muita importância. É aquela que menos curiosidade desperta e que mais é arriscado mostrar que se tem. O maior dos perigos, a perda desse eu, pode passar tão despercebido dos homens como se nada tivesse acontecido.”

O mundo só fala de indigência intelectual ou estética ou de coisas indiferentes porque a tendência é dar um valor infinito às coisas indiferentes. A reflexão de quase toda gente prende-se sempre às nossas pequenas diferenças, sem que, naturalmente, se dê conta da nossa única necessidade.”

 “A contemplar as multidões à sua volta, a encher-se com ocupações humanas, a tentar compreender os rumos do mundo, este desesperado esquece-se de si mesmo, não ousa crer em si mesmo e acha demasiado ousado sê-lo e muito mais simples e seguro assemelhar-se aos outros, ser uma imitação servil, um número, confundido no rebanho.”

Polido como um seixo, o nosso homem gira dum lado para o outro como moeda corrente. Bem longe de o tomarem por um desesperado, é precisamente um homem como a sociedade o quer.”

 “Aos olhos do mundo o perigo está em arriscar, pela simples razão de se poder perder. Evitar os riscos, eis a sabedoria.”

Ordinariamente, os homens estão longe de considerar como supremo bem a relação com a verdade, sua relação pessoal com a verdade, como estão longe de concordar com Sócrates em que a pior das infelicidades é estar em erro. O mais das vezes, neles os sentidos têm mais força do que a intelectualidade. Ordinariamente, quando alguém se julga feliz e se envaidece por isso, ao passo que à luz da verdade é um infeliz, está a cem léguas de desejar que o tirem do seu erro. Zanga-se, considera como seu pior inimigo aquele que o tenta, e como um atentado e quase um crime esse modo de proceder e, como costuma dizer-se, de destruir sua felicidade. Por quê? Porque é presa da sensualidade e duma alma plenamente corporal; porque sua vida conhece apenas as categorias dos sentidos, o agradável e o desagradável, e descuida do espírito, da verdade, etc. Porque é demasiado sensual para ter a ousadia, a paciência de ser espírito.”

A necessidade da solidão revela sempre a nossa espiritualidade, e serve para dar a sua medida.”

Esse é precisamente o caminho a percorrer, que te conduzirá, pelo desespero do eu, ao teu verdadeiro eu. O que dizes da fraqueza é verdadeiro, mas não é dela que deves desesperar. Devemos despedaçar o eu para nos tornarmos nós mesmos.”

Todavia o desesperado não faz senão contemplar-se, pretendendo assim conferir aos seus empreendimentos um interesse e um sentido infinitos, quando é apenas um fazedor de experiências.”

O que mais falta quando nos extraviamos, é sempre aquilo em que não pensamos – evidentemente, porque pensá-lo seria encontrarmo-nos.”

 “Nesse sentido, seria necessária à nossa época, e é talvez a sua única necessidade, uma tal correção de ética e de ironia.”

Dessa forma vivem talvez multidões de pessoas. Trabalhando, como que insensivelmente, para obscurecer o seu juízo ético-religioso, que os leva a decisões e conseqüências que reprovam a parte inferior deles mesmos. No lugar daqueles, desenvolvem em si um conhecimento estético e metafísico, o qual, para a ética, não é senão divertimento.”

A maioria das pessoas vive por demais inconscientes de si para suspeitar quais sejam as conseqüências. Devido a uma ausência do vínculo profundo do espírito, a sua vida, seja por encantadora ingenuidade infantil, seja por necessidade, não é mais do que uma mistura sem nexo de um pouco de ação, de acaso, de acontecimentos. Vemo-las umas vezes praticar o bem, depois fazer mal. Certas vezes o seu desespero dura uma tarde; outras prolonga-se durante três semanas, e ei-las prazenteiras, e logo desesperadas por mais um dia. Para elas a vida é uma espécie de jogo em que se entra, mas não chegam nunca a arriscar tudo, nunca ela se lhes representa como uma conseqüência infinita e fechada. Por isso não falam nunca senão a respeito de atos isolados, essa ou aquela boa ação, tal falta.”

Correria ela o risco de ser arrancada dessa totalidade que suporta a sua vida?”

Se o mundo quer ser enganado, que seja enganado então.”

Um comentário:

  1. riscos, dizem que a vida nao vale a pena se nao arriscarmos,mas sera que vale a pena se arriscar?Os medos e as duvidas sao os maiores inimigos, da vida e eles podem durar uma vida toda!

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