“O
desesperado pode conseguir – e isto é, sobretudo, verdadeiro para
o desespero que se ignora – perder o seu eu, e perdê-lo tão
completamente que não fiquem vestígios.”
“Ai
de nós que nos entretemos e que se entretêm as multidões com tudo,
exceto com aquilo que importa! Que as conduzam em rebanhos...
enganando-as, ao invés de as dispersar, de isolar cada indivíduo,
para que sozinho se consagre a atingir o fim supremo.”
“Perante
essa miséria eu bem poderia chorar uma eternidade inteira! E mais um
horrível sinal desta doença – a pior de todas – é o seu
segredo."
“A
eternidade duma só coisa inquirirá: se a tua vida foi ou não de
desespero, e se, desesperado, tu ignoravas sê-lo, ou soterravas em
ti esse desespero, como um segredo angustioso, como o fruto de um
amor criminoso, ou ainda se, horrorizando-os mais, desesperado,
gritavas enfurecido. E, se a tua vida não foi senão desespero, que
pode então importar o resto! Vitórias ou derrotas, para ti tudo
está perdido, a eternidade não te dá como seu, ela não te
conheceu, ou, pior ainda, identificando-te, amarra-te ao teu eu, o
teu eu de desespero!”
“Assim
a consciência, a consciência interior, é o fator decisivo.
Decisivo sempre que se trata do eu. Quanto mais consciência houver,
tanto mais eu haverá. Pois que, quanto mais ela cresce, mais cresce
a vontade, e haverá tanto mais eu quanto maior for a vontade.”
“Tornar-se
si mesmo é tornar-se concreto. Ao contrário, o eu que não se torna
ele próprio permanece, saiba ou não, desesperado.”
“Como
o sentimento se torna imaginário, o eu evapora-se mais e mais, até
não ser ao fim senão uma espécie de sensibilidade impessoal,
desumana, doravante sem vínculo num indivíduo.”
“Quando
uma das suas atividades – querer, conhecer ou sentir – se perdeu
assim no imaginário, todo o eu corre igualmente o risco de nele se
perder, e abandonando-se voluntariamente ou se deixe levar. Em ambos
os casos permanece responsável. Então leva uma existência
imaginária, infinitizando-se ou isolando-se no abstrato, sempre
privado do seu eu, da qual consegue afastar-se cada vez mais.”
“Para
alguém que seja assim presa do imaginário, um desesperado portanto,
a vida pode muito bem seguir o seu curso, e, semelhante à de toda
gente, estar plena de temporalidade, amor, família, honras e
considerações. Provavelmente ninguém se aperceba de que num
sentido mais profundo esse indivíduo tem necessidade de eu.”
“O
eu não é destas coisas a que o mundo dê muita importância. É
aquela que menos curiosidade desperta e que mais é arriscado mostrar
que se tem. O maior dos perigos, a perda desse eu, pode passar tão
despercebido dos homens como se nada tivesse acontecido.”
“O
mundo só fala de indigência intelectual ou estética ou de coisas
indiferentes porque a tendência é dar um valor infinito às coisas
indiferentes. A reflexão de quase toda gente prende-se sempre às
nossas pequenas diferenças, sem que, naturalmente, se dê conta da
nossa única necessidade.”
“A
contemplar as multidões à sua volta, a encher-se com ocupações
humanas, a tentar compreender os rumos do mundo, este desesperado
esquece-se de si mesmo, não ousa crer em si mesmo e acha demasiado
ousado sê-lo e muito mais simples e seguro assemelhar-se aos outros,
ser uma imitação servil, um número, confundido no rebanho.”
“Polido
como um seixo, o nosso homem gira dum lado para o outro como moeda
corrente. Bem longe de o tomarem por um desesperado, é precisamente
um homem como a sociedade o quer.”
“Aos
olhos do mundo o perigo está em arriscar, pela simples razão de se
poder perder. Evitar os riscos, eis a sabedoria.”
“Ordinariamente,
os homens estão longe de considerar como supremo bem a relação com
a verdade, sua relação pessoal com a verdade, como estão longe de
concordar com Sócrates em que a pior das infelicidades é estar em
erro. O mais das vezes, neles os sentidos têm mais força do que a
intelectualidade. Ordinariamente, quando alguém se julga feliz e se
envaidece por isso, ao passo que à luz da verdade é um infeliz,
está a cem léguas de desejar que o tirem do seu erro. Zanga-se,
considera como seu pior inimigo aquele que o tenta, e como um
atentado e quase um crime esse modo de proceder e, como costuma
dizer-se, de destruir sua felicidade. Por quê? Porque é presa da
sensualidade e duma alma plenamente corporal; porque sua vida conhece
apenas as categorias dos sentidos, o agradável e o desagradável, e
descuida do espírito, da verdade, etc. Porque é demasiado sensual
para ter a ousadia, a paciência de ser espírito.”
“A
necessidade da solidão revela sempre a nossa espiritualidade, e
serve para dar a sua medida.”
“Esse
é precisamente o caminho a percorrer, que te conduzirá, pelo
desespero do eu, ao teu verdadeiro eu. O que dizes da fraqueza é
verdadeiro, mas não é dela que deves desesperar. Devemos
despedaçar o eu para nos tornarmos nós mesmos.”
“Todavia
o desesperado não faz senão contemplar-se, pretendendo assim
conferir aos seus empreendimentos um interesse e um sentido
infinitos, quando é apenas um fazedor de experiências.”
“O
que mais falta quando nos extraviamos, é sempre aquilo em que não
pensamos – evidentemente, porque pensá-lo seria encontrarmo-nos.”
“Nesse
sentido, seria necessária à nossa época, e é talvez a sua única
necessidade, uma tal correção de ética e de ironia.”
“Dessa
forma vivem talvez multidões de pessoas. Trabalhando, como que
insensivelmente, para obscurecer o seu juízo ético-religioso, que
os leva a decisões e conseqüências que reprovam a parte inferior
deles mesmos. No lugar daqueles, desenvolvem em si um conhecimento
estético e metafísico, o qual, para a ética, não é senão
divertimento.”
“A
maioria das pessoas vive por demais inconscientes de si para
suspeitar quais sejam as conseqüências. Devido a uma ausência do
vínculo profundo do espírito, a sua vida, seja por encantadora
ingenuidade infantil, seja por necessidade, não é mais do que uma
mistura sem nexo de um pouco de ação, de acaso, de acontecimentos.
Vemo-las
umas vezes praticar o bem, depois fazer mal. Certas vezes o seu
desespero dura uma tarde; outras prolonga-se durante três semanas, e
ei-las prazenteiras, e logo desesperadas por mais um dia. Para elas a
vida é uma espécie de jogo em que se entra, mas não chegam nunca a
arriscar tudo, nunca ela se lhes representa como uma conseqüência
infinita e fechada. Por isso não falam nunca senão a respeito de
atos isolados, essa ou aquela boa ação, tal falta.”
“Correria
ela o risco de ser arrancada dessa totalidade que suporta a sua
vida?”
“Se
o mundo quer ser enganado, que seja enganado então.”
riscos, dizem que a vida nao vale a pena se nao arriscarmos,mas sera que vale a pena se arriscar?Os medos e as duvidas sao os maiores inimigos, da vida e eles podem durar uma vida toda!
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