remexa o solo
cave com intento
até atravessar os lençóis
então, reconecte-se.
remexa o solo
cave com intento
até atravessar os lençóis
então, reconecte-se.
Amanheceu mais uma vez
É hora de acordar para vencer
E ter o que falar, alguém para mandar
Uma vida pra ordenar, poder acumular
E ai então viver. Viver e prosperar
Mais nada a pensar. Me myself and I
E assim permanecer. Credicard, status quo
É tudo que penso ser, ilusão é questionar
O sonho médio vai, vai te conquistar
E todo dia iremos juntos ao shopping pra gastar
Ter e sempre acreditar. Princípio, meio e fim
A hipocrisia vai vencer, vou sorrir pra você
Será uma festa em meio ao caos e as pessoas feias pagarão
Pois somos os eleitos, pelo menos achamos ser
Nossa raça é superior, mas vou fingir ser daquela cor
Roberto Campos é o nosso gurú
E para sempre seremos liberais pra trabalhar, pra viver!
Não importa se meus filhos não terão educação
Eles tem que ter dinheiro e visual
O sonho médio vai, vai te conquistar
Mentalidade de plástico e uma imagem a zelar.
Dentro do movimento há vários movimentos. Estilos. Gêneros. Punk Rock. Hardcore. Rap. Metal. Ska. Guitar. Indie. Grunge. Rockabilly. Psychobilly. Blues. Reggae. Músicas. Fanzines. Skate. Literaturas. Filosofias. HQ’s. Grafite. Autoconhecimento. Protestos. Rádios comunitárias. Coletivos. Anarquismos. Feminismos. Veganismo. Straight Edge. Splits para os trabalhos circularem entre os parceiros. O underground como contraponto ao mainstream. Essa badalação indigesta. Tantas e tantas vezes sectária. Super produzida a ponto de suprimir o humano. Esta incompletude latente. Que aciona as possibilidades de fazer o inverso. Sou grato pelas cartas trocadas. E ao que aprendi com a expectativa pelas suas idas e vindas através dos correios. Os flyers que recebia. Sobre as bandas. Os escritores e suas publicações. Os shows. As cenas que se apoiavam. Sem descartar os conflitos ideológicos. E os desentendimentos. Os releases. As fitas demo e os zines que trocava ou comprava. Tudo isso me levou a entender. O até então estranho “do it yourself”. Contracultura. Resistência. Sou grato por fazer parte desse meio. Crescer com essa referência. Como alternativa aos padrões de comportamento. Esperados de um jovem interiorano. Querendo livrar-se das inumeráveis correntes. Do familiar pressionamento pelo ilusório sucesso. Grato, pois com esses elementos. Pude ampliar meus horizontes de escolhas. Encontrar o que queria. Fazer o que penso ser justo ao menos para comigo mesmo. Respeito mútuo. Anticonsumismo. Posicionamento. Nas relações entre os seres. Que hoje sabemos ponderar. Por relativizarmos essa busca delirante pela atuação perfeita. Inventada e invejada na ânsia por fazer parte dessa névoa de gente. Motivada pelo medo. De frustrar. Se rever. E aprender com o que amaldiçoadamente se tem para viver. Com o seu toque. A sua verve.
testo o texto
que me sirva de pretexto
para relê-lo
ouvi-lo
entender o que me fez
escrevê-lo.
Escrevo porque essa paródia da vida não me convence. Entendo que o humano pode ser apreendido com a ajuda de outras lentes. Que o percebam como um elemento muito mais complexo. Daí enveredar pelas nuances, sinais, intuições, sutilezas. Que nos alçam aos céus das palavras não ditas. Aos solos onde germinam os gestos que não se mostraram por medo. Fugidios através de avatares cada vez mais interativos. Mas facilmente desconstruídos. Quando não são validados a tempo. Nesse passatempo de indivíduos que batalham arduamente pela vitória de seus egos. Toda uma gama de pormenores se une para reconstituir nossos vazios. Que transbordam desses imprescindíveis recheios. Pressionemos esses padrões. De nivelamento. Para que eles se expandam. Não apenas permaneçam. Sobretudo nesse tempo. Progressista. Mas que conserva as mesmas maneiras. Reproduzindo essa liberdade de outdoor. Que almeja tudo o que o presente lança à sua frente. Para que assim haja ao menos alguma migalha. Um pedaço de proveito. Caso contrário, outro o fará. E de nada adiantará reclamar da sorte que não teve. Sinceros. Com nós mesmos. Quando esses olhares tão apagados. Contrafeitos. Acenam para valores um pouco mais coesos. Reavaliados. Somente quando das constatações do insuportável desespero. Dos quase sujeitos. Que se revelam ainda mais. Quanto mais acreditam que se escamoteiam.
Observa algumas pichações pelos muros da cidade. “Mindset é o caralho!” “Amor, porra!” O que estas manifestações revelam? O que leva essas pessoas. A agirem dessa maneira? Reflete. Pois compartilha dessas percepções há algum tempo. A tal ponto que já não consegue deixar de reagir. Como parte. Presente. Seremos as máquinas que tudo produzem. Consomem. Descartam. Votam. Competem. E se esquecem progressivamente de si mesmas? Quais pegadas deixaremos. Para os que hoje sequer se sentem como sujeitos? Quantas medalhas, troféus ou bandeiras. Exporemos em nossas quase casas para provarmos o valor de uma reputação que nos nega? Anda em busca de discernimento. Pois o interpessoal caminha incontinente. Por paragens desertas. E até receia demonstrar seus afetos. Pois muitos o interpretam como invencionice de gente insegura. Dependente. Que não investe o suficiente em suas carreiras. Num bom jogo de deixar rolar. E não lutar pelo que queremos. Rumina por dias e noites esses pensamentos. Até, quem sabe, colidir com a disposição para parar. Refletir sem toda essa pressa. Reconhecer o delírio coletivo. A profundidade do ferimento. E não simplesmente seguir. Sem saber o que uma existência pode significar. Nesse contexto. Da angústia que nos invade. Como vontade. Necessidade que as engrenagens fazem de tudo para nos ludibriar. E esquecermos.
eu era a espera
já fui a esfinge
quando descobri
essa guerra dentro de mim
estranhei
escondi
agora sou assim
um pouco disso tudo
e ainda um infinito
de possibilidades
que posso vir
a descobrir.
nos limites das palavras
procura pelas dosagens
atitudes
espontaneidade
recheadas de emoções
impensadas
para recriar/reviver
trocar com equidade
não se confundir
com as flores jogadas das sacadas.
Caminho pensando em como se constroem os caminhos. Busco sentir meu fôlego. Respiro. Não há como negar que por aqui já estive. O que parecia imprevisível. Torna-se familiar. Um feixe de luz num túnel com paredes que se estreitam quando ultrapassamos seus limites. Passagens que se ramificam. Embaralhando a consciência. Impingindo suas inevitáveis vertigens. Assim, não hesito. Ritualizo minha jornada. Tramo meu percurso. Aos poucos. Invisto em minhas paradas para um justo descanso junto aos totens que crio e recrio. Uma noite ou talvez uma vida. Não são perdidos. Se conseguir apreender algo novo para continuar. Insistindo. Naquilo que acredito. Ainda que todos achem esquisito. Aprecio estar por aqui. Mesmo intuindo. Que esse lugar não exista por si só. Pode ter sido criado. Para me livrar. Daquelas queixas sobre o vazio. Que muitos faziam em seus monólogos sobre estarem convencidos. Sobre como e porquê escondem muito bem suas feras assassinas. Independentemente dos outros que gritam dentro de nós. Para manterem-se e realizarem-se justamente aqui. Nesse esconderijo. Onde as passagens se parecem. Mas há sempre a chance de nos percebermos voltando à entrada. Para recomeçarmos de onde nunca partimos.
no meio do asfalto
há um pedaço de nós mesmos
relegado
conscientemente
pela necessidade de barganharmos nosso recheio
ao seu lado estão os abutres
com seus bicos abertos
ansiosos
porém, sem qualquer angústia
por escolher quem será devorado primeiro
no meio do asfalto
pulsando como só eles
nossos corações
na contramão do hábito
soando como acordes inexistentes.
nossas maiores ilusões
indivíduo
independência
nunca mais nos veremos
jamais conversaremos
nada partilhamos, nenhum envolvimento
somos
com os outros, entre os outros
ainda que nas lembranças
naquilo que não queremos
na arte
uma das partes mais nossas da coexistência
é no espelho do outro que melhor nos vemos
percebemos quando esses outros
já não estão mais presentes
com as mortes, as cisões,
os desmembramentos que nos fazem
ressignificarmos as máscaras que tecemos.