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15 de abril de 2020

Mulher de palavra

 Tom e Marlon terminaram seu trabalho. Arrumaram suas ferramentas, pegaram suas marmitas vazias e iam caminhando para a rua quando subitamente se lembraram de algo.
 Era sexta, o dia de passarem pela casa de seu amigo Denis para jogarem algumas rodadas e tomarem aquele porre invejável.
 Subiram no carro de Marlon e voaram para o mercado na expectativa de acharem uma promoção de cerveja gelada.
 A garota do caixa ficou desconcertada com a quantidade, mas não deu a menor bola quando eles começaram com as suas já ensaiadas cantadas.
 As mesmas que os fizerem conseguir a atenção de suas mulheres. Que, segundo pensavam, estavam em suas casas e por lá ficariam esperando até que eles chegassem.
 A cerveja estava cara e morna, mas mesmo assim seguiram sua jornada. Agora, só faltavam mais alguns quilômetros e logo estariam na casa de Denis para mais uma noitada.

- Puta vida boa essa, hein! - disse Marlon.
- Pode crer! - respondeu Tom.
- Não existe nada melhor pra se fazer depois que a gente acaba o serviço!
- Só!
- Cara, já reparou como a Sandra é estranha?
- É… Você acredita que ela me pediu pra gente deixar o Denis quieto. Não ir mais até a casa dele, que ela tá perdendo a paciência.
- Ah, véio… Isso é problema deles lá. A gente já se conhece há tanto tempo... Se o cara quisesse que a gente parasse de ir lá, ele mesmo falava, não acha?
- Verdade. Mas ele tem que ver essa parada. A Sandra tá me olhando com umas caras…
- Caras?
- É… Acho que se ela pudesse, ela me matava. E você também. Cuidado!
- Qualé! Ela é só uma mulher apaixonada. Loucamente apaixonada, mas logo isso passa. Cê vai ver. Não passou com você e a Ana?
- É, passou… Se bem que ela já me falou que se tiver festinha essa semana, eu não entro mais em casa.
- Isso é chantagem, cê tá ligado! Elas nos adoram, cara!
- É… Talvez.

 Estacionaram e foram logo gritando para o amigo vir ajudá-los com as sacolas lotadas. Sem resposta, foram abrindo a porta e se deparam com uma cena bizarra.
 Denis estava estirado no chão. Uma bala no meio da testa. Ficaram alguns minutos estupidificados. Nenhum dos dois se mexia, nem conseguia dizer nada. Talvez sequer pensavam.
 Passado o choque, entraram para dar uma geral pela casa, mas logo foram surpreendidos quando se depararam com a autora do crime bem ali, com a arma nas mãos aguardando pelas próximas vítimas.
 Calma, sem qualquer indício de que temia alguma reação inesperada. Foi logo abordando os rapazes e pedindo que escolhessem quem seria o primeiro a levar a próxima bala.
 Marlon recuou assustado, tentando fugir, mas mal teve tempo de se virar e já ganhou a sua parte. Um tiro que o fez cambalear e cair deixando uma boa parte o quarto manchado de vermelho.
 Aquela cor que Sandra tanto adorava.
 Tom, visto que não havia nada a fazer, foi logo ajoelhando e pedindo desculpas, perdão por todos os pecados.
 Sandra escutou com calma, sorrindo daquele seu jeito estranho, e tão logo acabou aquela ladainha, mirou e disse:

- Quantas vezes não avisei vocês que sexta é o MEU dia de ficar com o Denis. Que não quero ele mais andando com vocês? Quantas vezes, hein?
- Ah, então foi por isso?!
- Claro que não, seu tapado!
- Foi por isso e por todo o resto. Vocês sabiam que ele estava tendo um caso! Sabiam e até trocavam sorrisinhos de cumplicidade quando eu estava por perto. Você acha que eu não sei?
- Ei, espere! Do que é que você está falando?
- Tô afirmando. Vocês sabiam. Aposto que todos tem os seus casinhos por aí. Bom, tinham, né?
- Como? Por favor! Eu não tenho caso nenhum e posso te provar…
- Ah, vá se foder, cara! Eu não quero prova nenhuma. A merda já tá feita. Agora só falta você. Me diz, o que é que você quer que eu e a sua mulher escrevemos em seu túmulo: marido fiel, pai dedicado, essas merdas todas?
- Eu… eu… eu nunca pensei sobre isso. Olha, vamos conversar, deixa eu te explicar...
- Que explicar o caralho! Diga: que merda a gente escreve na tua lápide?
- Deixa eu ver: trabalhador, pai e marido. Deixou saudades.
- Você é uma piada, né? Olha, já que está com todas essas cervejas aí, me passa uma que eu tô louca pra tomar a minha gelada. Afinal, hoje é sexta, não? - e ria, ria como se o riso fosse a sua melhor cartada.
- Tá... tá aqui. Só que não tá muito gelada.
- O quê?
- É, a gente pegou elas no mercado, você sabe. Esse horário é foda.
- Ah cara, aí você pediu pra morrer mesmo, né! Cerveja quente, porra!
- Não foi culpa minha. Se você quiser eu vou pegar uma bem geladinha pra você agora mesmo. Que marca você quer?
- Você tá me tirando, né? Acha que eu vou pedir pra você ir pegar cerveja pra mim?!
- Eu só estava tentando ser gentil.
- Agora? Vai ser gentil na caso do caralho!!!
- Sandra, olha, não tenho nada a ver com isso, tenho mulher e filhos e não tô podendo morrer agora não, sabe?
- Sei, mas vai. Não tem outro jeito. Vai levar um balaço no meio da cara pra ir junto com os teus amigos. Vocês três vão poder se divertir muito juntos!
- Por favor! Não tem nada que eu possa fazer para não morrer?
- Deixa eu ver… Não, não tem. Isso é parte do destino. Não do seu. Você cruzou o meu caminho. Não tem volta. Agora fica bem quietinho que não vai doer nada.
- Não, Sandra! Eu faço qualquer coisa! Juro que faço. Saio correndo daqui, ninguém vai me ver, não falo nada. Eu imploro!
- Que lindo! Mais um covarde. Meu, você não entendeu que eu preciso dos três mortos juntos?
- Por quê?
- Ora, porque é assim que eu imaginei. É assim que tem que ser.

 Levantou tranquilamente a arma que estava apoiada no seu colo, mirou e cumpriu com o combinado.
 Em seguida, foi até a sala, abraçou o seu amante, beijo-o e desejou ficar com ele pra sempre. Só pra ela. Para todo o sempre. Ou até ambos se cansarem daquele marasmo.

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