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22 de maio de 2013

Performances para manequins


– É estranho... Quanto mais quero esconder, mas isso insiste em aparecer dentro e fora de mim.

– É... Isso acontece muitas vezes. Você não é a primeira pessoa que achava que gostava de alguém para depois perceber que era de outro ou de outros que estava a fim.

– Ah, isso está me deixando maluca! Não tenho forças para terminar, mas, por outro lado, não suporto mais essa rotina em que nós acabamos por cair. Assim, você sabe, vou levando como dá...

– Você se refere ao tédio, à monotonia, às traições que vocês foram construindo?

– Sim. A gente acaba se acostumando, mas no fundo, no fundo mesmo, a gente sabe que não era para ser bem assim.

– Uma vez me disseram que o inferno era isso. A repetição. E, desde então, eu venho pensando muito sobre isso. Mas, por outro lado, eu particularmente gosto de criar raízes. Fico intrigada quando vejo uma árvore... Imagino a mim mesma indo até ao fundo, descendo até aos lençóis para me nutrir.

– Por que tem que ser assim?

– Não sei se tem que ser assim. Acho que pode ser diferente. Depende de quem você escolhe para repartir. O que sei é o que sinto. E o que sinto é que minhas experiências, ao invés de me tornarem mais madura, me deixam cada vez mais confusa. Com medo de tentar de novo. De assumir minha vida como responsabilidade minha. De admitir que sozinha não passo de mais um manequim.

– Calma! Um dia, quando você menos espera, quando você deixar de procurar, você acaba encontrando alguém legal para ser honesta e confessar sua solidão que parece não ter fim.

– Isso é conversa. Papo para nós não insistirmos. Para nos darmos por vencidas antes mesmo de começarmos a refletir. Não vê quantas pessoas estão juntas, ligadas pela mentira que adoça e realça ainda mais nossa hipocrisia? Quantas crianças vão nascendo em meio a este bombardeio, percebendo que seus pais, ou as consideram como o sentido que eles não tinham, ou como um peso, um fardo insuportável, responsável por obrigá-los a tantos sacrifícios?

– É... Eu nunca havia pensado por essa perspectiva.

– Então, o que você vai fazer a respeito?

– O que você está fazendo?

– Eu?! Ah... Bom, eu estou sozinha.

– Mas fingindo...

– É... Fingindo que estou bem assim. Talvez para ganhar tempo. Para encontrar outra ilusão que talvez possa me manter ainda mais distante de mim. E você?

– Eu?! Ah, eu vou continuar assim. Como me disseram, é melhor um amor na mão do que todas estas possibilidades que às vezes vêm e outras que podem não vir.

– Não acredito que você se norteie por essa máxima tão egoísta! E os outros?! Acha que eles ficam com você porque também não tem algo melhor para usufruir?!

– Acho, sim. Se encontrarem algo melhor, é claro que a fila vai seguir. Nós não somos fiéis. Nunca fomos. Queremos curtir. Viver como se não houvesse amanhã ou como se não houvesse sequer um fim. É uma questão de logística: a melhor vantagem, com os menores gastos de energia e paciência, é o caminho que vamos preferir.

– Não sei, mas acho que estou cheia de ver minhas amigas sofrerem tanto, para depois concluírem que não passamos de meios, prontos para usarem outros meios para a gente simplesmente se divertir. Talvez essa seja a moeda corrente, mas, desse modo, eu escolho me manter assim. Presa somente a mim.

– Entenda: os outros são os meios, o fim é a nossa felicidade, tão passageira que quase nem temos como sentir.

– Não vê que assim também você se coloca no mesmo papel de objeto nessa troca que não chega nem à sombra do nosso vazio?!

– Percebo, mas foi o que conseguimos fazer até aqui. Tiro a minha vantagem porque, se não tirar, outros vão tirar antes de mim.

– Mas, ninguém tem outro olhar, outra posição sobre isso?

– Podem até ter, mas estes estão loucos, tão loucos que colocam como princípio o não mentir. Tentam ser tão honestos que nem eles mesmos são capazes de acreditar que estão vivendo com esse fim. Talvez tenham sofrido tanto, ou causado tanto sofrimento, que agora querem se redimir.

– É... Conheço algumas pessoas assim. São tão estranhas... Tão arredias. Eu mesma sou assim.

– São muito românticas! E o romantismo serve apenas para nos consolar, é uma espécie de ideal que nunca vai poder existir. O real é correria, é malandragem, é carreira, é dinheiro que precisamos tanto para que possamos ao menos existir. O resto é resto, minha amiga. Pare de se iludir! Quando você estiver velha, vai se arrepender do que deixou para trás. Tantas histórias que você deixou de viver graças a este seu ideal que você colocou como barreira para não transgredir. Vamos, seja mulher, moderna, aproveite as nossas conquistas!

– É... Talvez... Este é o seu jeito de pensar. Eu não penso assim.

– Veja, se os homens podem, a gente pode também. Direitos iguais!

– Direitos iguais?!

– Sim, direitos iguais!

– Não vejo nada de igualdade quando homens e mulheres estão se vendo cada vez mais como inimigos.

– Pode haver algo melhor do que isso?

– Sim, pode... Podemos...

– Você pode, eu não! A propósito, eu estou atrasada para um encontro, depois a gente sonha mais um pouco, tá?

– É... Depois a gente dialoga mais um pouco...

– Desculpe, eu tenho mesmo que ir. Depois eu te conto se ele vale a pena ou não, ok?

– Dispenso a dica. Pode passar a minha vez. Vou ver se encontro um livro ou um disco que possa me distrair.

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