–
Você não pode sair!
–
Mas, por quê?
–
Simplesmente porque ninguém pode sair.
–
Como assim, ninguém pode sair?
–
Não pode.
–
Então, eu estou condenado a ficar aqui?
–
Sim, você tem que ficar aqui.
–
Mas, ficando aqui, eu não posso fazer nada?
–
Não, quero dizer, você pode fazer o que bem entender. Pode criticar, pode até
se juntar aos outros que também necessitam expressar seu descontentamento
infundado sobre o que temos aqui. Pode inventar, pode até criar (se sua vaidade
assim preferir crer) obras de arte, pode protestar. Você tem todo o direito.
Pode ir até para outro país, mas sair, não.
–
Não se trata de uma mera necessidade e sim de uma vontade, de um princípio. De
algo que preciso fazer. Não tem nada a ver com cumprir certas leis que sei
muito bem quais são seus fins. Não se trata de obter glórias, de me distinguir.
Pelo contrário.
–
Ah, já entendi. Você vai acabar percebendo, de um jeito ou de outro, que esta
liberdade só se realiza aqui. Nunca ouviu falar que a sua liberdade termina onde
começa a do outro?
–
Sim já ouvi, mas também já compreendi que o outro não é o limite para a minha
liberdade, mas a condição para atingir – mediante a cooperação, a
reciprocidade, a responsabilidade e o compromisso – nossa liberdade. Não vejo
porque tenho que continuar aqui, ajudando a manter todo este extermínio.
–
Que extermínio?!
–
Ora, você não vê o preço que pagamos por esse globalitarismo?
–
Globalitarismo?! Nós vivemos numa democracia! A mais legitima possível! Olha,
vou lhe explicar: existem coisas que podemos e coisas que não podemos fazer.
Veja, mesmo que eu queira, não posso voar, tal como um pássaro. Somos
limitados!
–
Sim, somos limitados física e culturalmente, mas, ao contrário dos limites
físicos, podemos reinventar os significados culturais. Podemos saber que somos
condicionados, o que é totalmente diferente de estarmos limitados a isso. Não
somos tão determinados assim!
–
Isso é o que você pensa.
–
Mas pensar não amplia as minhas possibilidades?!
–
Amplia, mas, ao mesmo tempo, lhe limita, porque sabendo, você vai deixando cada
vez mais de ser feliz.
–
Feliz?! Acha que há como ser feliz estando preso aqui?
–
Muitos acham, quero dizer, sentem-se felizes.
–
Como?!
–
Ora, vivendo a vida, fazendo o que todos fazem por aqui.
–
Não, eu não quero fazer o que todos, ou melhor, o que a maioria está fazendo,
pelo simples fato de que há algo mais a ser feito além de se adaptar, se
conformar com todas essas competições em todas as instâncias da nossa vida, na
vã tentativa de sermos recompensados pelos nossos bons comportamentos tão
incentivados pelas estrelas que brilham por seus luxos e por seus trabalhos
sociais que, desse jeito, nunca hão de ter fim.
–
Olha aqui, meu amigo, então você vai ter sérios problemas. Ninguém consegue sair,
a não ser pelas vias da imaginação. Essa é a única alternativa, está
satisfeito, agora?
–
Não, eu quero sair de fato, não só através da imaginação. Não consigo só achar,
só supor que sou livre, quando, na verdade, não sou. Não sei como todos esses
seres conseguem.
–
Simples. Eles pensam que é assim. Por isso, vão dançando conforme a música,
como se diz.
–
Isto é o que você pensa. O que você quer acreditar, porque isso lhe beneficia
de algum modo. Não é a realidade.
–
Procure na história e me diga: quem tentou, onde foi parar? Ou acabaram loucos,
ou acabaram se suicidando.
–
Sim, alguns acabaram assim, mas eu vou sair! Há possibilidades. E não é porque
alguns homens e mulheres pensaram e ainda pensam que não existem alternativas
além destas, que elas não existam. Suas justificativas não vão me amedrontar!
–
Não? Aí é que você se engana! Essas alternativas de que você vive a me falar, não
existem. Você não vê? Este é o melhor dos mundos possíveis, por isso estamos
evoluindo. Espanta-me que você não consiga sentir isso em sua própria pele. Que
você não possa tirar disso aqui nenhum tipo de bem-estar. Nunca fomos tão
livres e, consequentemente, tão felizes. Tudo é permitido. O prazer que hoje
temos não tem mais limites.
–
O que temos aqui? Vamos, me diga!
–
Temos divertimentos. Nunca tivemos tantos. Todos estão contentes. Não dá para
negar que hoje todos têm acesso às mercadorias, quero dizer, às novidades, às
tecnologias que tanto nos facilitam, nos fazem relaxar depois e até durante as
poucas horinhas que estamos envolvidos com nossos trabalhos altamente
produtivos.
–
Ah, você chama essas besteiras de divertimentos. Eu os chamo entretenimentos.
Coisas criadas para que nós continuemos escravizados e desperdicemos nosso
tempo vital. Trabalho produtivo?! Para quem? A custa de quantas vidas?
–
Você exagera! Por isso, não vive, não aproveita as oportunidades únicas que só
a gente tem. Seu espírito é doentio, meu querido!
–
Exagero?! Você exagera! Não pensa nos inúmeros problemas que tudo isso está
acarretando. Não percebe que estamos cada vez mais infelizes e que compramos
cada vez mais coisas para tentar nos livrarmos desta infelicidade, mas, ao
contrário do que vocês querem nos fazer crer, ficamos muito mais ansiosos, mais
deprimidos e isso nos leva novamente a consumir outras coisas que logo
descartamos com uma rapidez cada vez maior, pois elas não nos satisfazem, mas
somente a vocês que se julgam menos miseráveis por conta disso.
–
Penso, mas não será esse ciclo o nosso destino por aqui?
–
Não.
–
Não há nada além daqui. Veja esse céu maravilhoso, veja esse povo tão lutador,
de sol a sol ajudando a construir um mundo melhor. Você tem uma missão a
cumprir. Não é a toa que está aqui. Não pode simplesmente querer abandonar sua
família, seus amigos, toda essa história para os outros cumprirem. Não se tocou
ainda que a vida é o maior presente que Deus nos deu. Trate de viver! E de
viver muito bem! Aqui!
–
Eu não quero abandonar minha família, meus amigos, enfim, quero todos eles
muito mais próximos de mim. No entanto, não assim. Desse jeito tão frio. Tão
sem sabor. Quero mergulhar, tocar o fundo, fazer parte dos recifes que encalham
e destroçam as embarcações que não têm outros fins além dos
militares-mercantis.
–
Mas isso é poesia. Que maravilha! Por outro lado, não passa da mais deplorável
fantasia. Você é que está querendo que a realidade se adeque, lhe privilegie. Que
pretensão! Isso é típico de aberrações, de personalidades autoritárias,
extremamente egoístas!
–
Que asneira! Vai, saia da minha frente. Ou...
–
Ou o quê? Já não lhe disse que não há saída! Você não escuta, não? Revolte-se,
proteste, mas aqui. É desejo do nosso Criador. Respeite-O ou vai sofrer as
consequências! Aí sim você vai ver o que é sofrimento.
–
Cara, você é que não está entendendo...
– Eu estou entendendo
perfeitamente, ao contrário de você que se escraviza com suas patéticas
fantasias. Esta é a vida que temos, as saídas existem aos montes, use a sua
bela e tão privilegiada mente para descobrir...
kkkkkkkkkkkk,boa professor (kalison)
ResponderExcluiramei isso, muito bom!muito sensivel!
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