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7 de abril de 2013

Morte, livros e convívio

– Enquanto estou vivo, vou tentando atribuir sentido à minha vida. Procurando entender o que a minha espécie sentiu, pensou, construiu e destruiu ao longo do seu tempo, para não agir como se fosse um deus que reinasse sobre todos os outros indivíduos.
Não era uma pessoa vulgar, dessas que se dão bem com qualquer um e em qualquer circunstância, para agradar sua autoestima. Ele havia escolhido, repensado o infantilismo e chegado à conclusão de que a maioria é vulnerável demais para ser seguida e prepotente demais para ser respeitada em seus egoísmos. Agia levando em consideração também a sua intuição. Assumia que vivia.
– No fundo, todos os livros são de autoajuda – refletia. – No entanto, não simpatizo com aqueles que são escritos e distribuídos com esta finalidade explícita, porque estes não passam de promessas que não podem ser cumpridas. Curas infalíveis para os males de um espírito flexível? Esse tipo de livro serve bem quem admira, gosta de imitar gente que se julga bem sucedida, tão bem sucedida que acredita que anda fazendo o bem dando lições para que os outros também embruteçam as suas consciências, os seus já tão decantados juízos críticos. Olhar uma flor e pensar como ela seria útil, mesmo morta, seria o melhor indício de nossa sabedoria?
– Você não tem casa, família, mulher, filhos? – perguntou-lhe uma menina que o observava há um bom tempo, sempre de longe, tentando se esquivar daquela visão que a feria e a atraía de uma forma irresistível.
– Não, eu não tenho casa, não tenho filhos e as duas mulheres que amei ou se entregavam demais – vendo em mim sua salvação definitiva – ou não se entregavam de jeito algum – porque acreditavam que se doando, se perderiam. Mundo confuso o nosso, garota. Extremista. Mundo em que as pessoas preferem pagar para fingirem que não correm nenhum risco. Insegurança coletiva gera canibalismo. Mutilação vira hábito. Moeda corrente no dia a dia...
– Coitado! – descarregou a menina. – Então, minha mãe estava certa quando me falou que você não passa de mais um desses loucos que abandonam tudo porque são covardes demais para vencer na vida.
– Ora, quem disse que eu abandonei alguma coisa?! Ainda não encontrei o que queria, mas não desisti. Vencer é fácil, garota! Basta a gente encontrar um bom meio de passar o maior número de pessoas para trás, como se tudo não passasse de uma corrida, mas eu não quero isso, nunca quis.
– Você é esquisito! Fala cada coisa... Por isso todo mundo pede pra gente tomar cuidado com você. Que você deve ser algum foragido da polícia, afinal, o que você carrega neste saco aí?
– Carrego minhas roupas, alguns livros, minhas ferramentas para trabalhar engraxando as portas dos comércios que precisam...
– Mentira! Você deve ser um assassino, alguém que fez tanto mal por aí que agora precisa se esconder para suportar a feiura de sua vida. Maldita hora que pensei em vir até aqui perder meu tempo com você e as minhas manias.
– Curiosidade! Isso faz a gente ir interpretando o mundo, conhecendo nossos limites...
– Ah, já vem você com esse papo furado. Não demora e você vai me dizer que estudar é algo bom. Todas aquelas porcarias que meus professores acham maravilhosas, mas que a gente não dá à mínima.
– Eu?! Não, não tenho essa pretensão. Só você pode querer, aprender, entender e explicar para si mesma o quê faz com que a gente, por exemplo, esteja aqui falando, sendo ouvido e até compreendido pelo outro...
– Ah, você não é normal. Diz essas besteiras e quer que a gente ainda o respeite. Já pensou no perigo que corre vivendo assim?
– Já pensei. Penso sempre sobre isso, mas não posso negar o risco, devo corrê-lo, se quiser conservar minha parcela de altruísmo necessária para não viver só pra mim...
– Eu desisto! – gritou enfurecida, antes de virar as costas para aquela coisa humana que se sentava embaixo das árvores e lia, observava, refletia, com um olhar brilhante, algo que ela quase já não via.

2 comentários:

  1. LINDO,PROFUNDO, AMEI!!!

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  2. Interessante. Você sabe escrever bem. A construção da história foi bem feita - dá para imaginar bem!

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