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3 de abril de 2011

Tortura chinesa


O monstro
Hoje, sou eu quem vai falar. Vou resistir. Preciso protestar. Cansei de suprimir. Enjoei de esperar. Já tentei várias vezes, mas tudo o que consegui foi um pouco de alívio. Um monte de remédios para digerir e me anestesiar. Não é uma luta por poder. Vai além de um jogo de azar. Não se satisfaz com os ensinamentos para saber perder e saber ganhar. Trata-se de uma necessidade básica que quer chorar, dar murros e pontapés. Gritar. Não aceita mais se auto-ignorar. Simplesmente cansei de só lhe escutar. Sei que não é fácil aceitar. Se desengajar. Mas você precisa se destronar. Sei também que é cada vez mais difícil confiar, mas, mesmo assim, gostaria que soubesse há quanto tempo venho tentando esse diálogo. Implorando por essa conexão que você foi forçada a ignorar. Preciso aproveitar esse momento de dor. Reavivar essa chama que você insiste em apagar. Conter toda essa água que ameaça inundar. Você já deve ter se sentido assim sem opção muitas vezes também. Então, por que não se integrar? Compreender as defesas, e, mutuamente, nos ajudar? Sei que você precisou e ainda precisa me negar como um meio para não enlouquecer. Não morrer e não matar. Dilacerando tudo o que não fazia sentido. Assumindo uma máscara que só nos faz parecer. Encenar. Quando o que mais precisamos é nos conjugar. Não me resta muita paciência quando o nosso inteiro sofre. E está prestes a desmoronar. Isso porque, quando sugiro algo, você, praticamente sozinha, leva para o outro plano, projeta, esquadrinha, contrasta, decide, enfim, faz exatamente o contrário do que estou sentindo, e não está nem aí. Sequer cogita a minha opinião. Tenta fugir sempre, alegando distração. Sempre cheia de compromissos. Sedenta por alguma emoção. Não atribui algum valor à nossa percepção. Para tudo há limites. Eu cheguei aos meus. Estou pronto para explodir. Convicto de que não sou o único que suporta toda essa retaliação. Há muitos outros iguais tentando sobreviver diante de toda essa desumanização. Praticada, sobretudo, no interior desses campos de concentração.

A convivência
Ontem, encontrei nossa confiança em cima de uma árvore. Ela estava lá parada. Horrorizada. Escravizada pelo nosso orgulho e por nossa sempre crescente omissão. Olhando fixa e catatonicamente para o horizonte e não sentindo. Não discernindo nada. Justamente por estar desestruturada. Bem no alto, pude ver você. Toda sedutora. Individualizada. Tentando parecer confortável. Respeitada. Como se fosse a proprietária majoritária. Como se nada, dentro e fora do nosso corpo, dependesse da sua vontade. Sugando energias de tudo e de todos que são ludibriados com sua estratégia de narcisista disfarçada. Foi nesse exato momento que percebi que as palavras, os sentimentos e os comportamentos representam algo que existe na realidade. Você, por exemplo, não acredita em palavras. Descarta. Mercantiliza os sentimentos. Justifica, quando não nega, os próprios comportamentos. Só se convence com imagens. As suas imagens. Isso tem colocado todos nós muito próximos da loucura. E, se ninguém fizer alguma coisa, o resultado será trágico. A morte do que nos torna real. Bem, é mais ao menos assim que percebo a nossa relação. Frágil. Desconfiada. Fechada a qualquer espécie de integração. Nossa intimidade não passa de mais uma fachada. Um meio que você, sabiamente, usa para parecer normal. Livre. Independente. Antinatural. Defendendo seus ideais, mas se negando enquanto ser total. Transformando todos, inclusive nós mesmos, em vítimas da sua tão reforçada fantasia. Objetos e não fins frente a sua compensação existencial. Sei que é muito fácil nos livrar do que não podemos entender. Você, como todo bom cidadão, já aprendeu a lição. O motor da história lhe diz que – juntos – não somos nada. Seguindo os passos de toda uma geração super estimulada. Embrutecida. Tão pouco solidária. Que não pode sentir culpa, remorso ou compaixão. Posando de responsável, mas atraindo outras metades para satisfazer sua infelicidade. Seu senso de inferioridade disfarçado de superioridade. Sua inveja, enfim. Sua tão resguardada blindagem. Já chega!

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