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1 de abril de 2011

Minha melhor amiga



        Hoje, passei por uma rua que nunca havia passado. Ouvindo uma música que já havia ouvido. Sentindo algo muito familiar. Extremamente conhecido. Essa angústia amiga que me aproxima cada vez mais de nosso abismo. O que será que a gente teme? Perder nosso suposto controle? Abandonar esse equilíbrio que não equilibra? Reconhecer que somos só uma parte do labirinto? Faz mesmo sentido manter essa disputa? Suprimir a necessidade intrínseca? Abalizar essa trágica permuta? Sentir essa sensação de poder que não passa de mais uma desculpa? Por que insistimos em humilhar e em nos vangloriar por algo que não nos satisfaz? Que só nos traz um alívio eufórico perspicaz? Por que não fomos respeitados, temos, necessariamente, que nos vingar? Quando o conhecimento não liberta. Quando as artes servem apenas como entretenimento. Ceder passa a ser o contraponto para o nosso egoísmo. Doar-se acaba sendo a antítese da intimidade esquecida. O pão e água que saciam nossa fome de vida. A logística em nossa cultura. Toda liberdade sem limites. Sem alicerces. Recorrendo a esses inescrupulosos escapismos. Os pequenos átomos refutando a estrutura reguladora. Vendendo velhos materiais para acalentar novos benefícios. Não sentimos. Não sabemos. Festejamos tanto. Admitimos. Não nos ensinaram como retribuir uma ofensa com carinho. Há muita filantropia. Aspiração pela autonomia de nossas ignorâncias. Independência para nossos altruísmos. Enquanto nossos corpos desabam e tudo o que podemos fazer é juntar dinheiro, pagar, correr como verdadeiros loucos, e comparecer aos nossos tão relevantes compromissos. Testando-nos e recebendo sempre maiores gratificações para nossos falsos moralismos. Era um sábado, ou talvez domingo? Mesmo caminhando, ouvia uma briga entre um casal. Meus vizinhos. Acusações. Xingamentos. Violências que deixavam claro que a escolha não dera certo. O trato, que desprezara o irracional sentimento, virara a causa de mais um tormento. Bem ao fundo, havia uma voz de criança suplicando, gritando com todas as suas poucas forças para que eles parassem com tudo aquilo. Defendendo-se de mais uma incompreendida tirania. Tentando fazer-se parte daquele dia. Não pretendia me solidarizar com o coração vazio. Já havia sentido minha própria voz sendo calada. Abafada. E tudo o que expressava só me colocava como mais uma personagem não esperada. Uma imagem lembrada só quando não pedia pelo impossível. Talvez por isso, fui, mais uma vez, vítima de minha covardia. NÃO. Não invadi aquela casa. Não fugi à normalidade. Atendi ao suplício. Não consegui escorregar por aquele precipício. Continuei caminhando, pedindo para que fosse transferido para o meu corpo aquele assassinato em vida. Para que a dignidade que ainda restava naquela criança fosse poupada. Resguardada. Reconhecida ainda em vida.

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