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12 de junho de 2025

respeito

retribuindo o poema
no qual
você se diz acolhida

encantadora
singular
parceria

simbolizo com seu jeito
em paz
crio narrativas.

11 de junho de 2025

deleite

os assuntos se estendem
sobre o que permanece
fatos que nos acompanham
enquanto espécie.

10 de junho de 2025

9 de junho de 2025

Hipermundos

Cada humano é um universo. Um diamante lapidado. Concorrente. Dependente dos sucedâneos para a vida coletiva que acabou descartada. Alguém que deixou de ser alguém. Que vale só pelo que tem. E não pelo que, para a esfera pública, faz. Como bem atestam as empresas que negociam nossos dados. Hiperinteligente. Se autoexplora e se vangloria por não possuir dignidade. Goza com o poder e gratifica-se com o prazer de se degradar como sugestiona a cartilha que coaduna autoestima com autodestruição quantificável. Mais uma série de cortes das navalhas. Para sentir algo. Algo que o distraia de si mesmo. Hipervaidade. Cada hiperser internamente esgotado precisa de um hipermundo infindável. Instabilizado. Controlado pela hiperliberdade de ter de lidar com cada vez mais novos hiperprodutos que acalentam, suprem e o tornam motivado. Estímulos intermitentes. Espíritos hiperindependentes. Desejos e necessidades. Previsíveis maquinários. Projetados como robôs. Fetiches marombados & uniformizados. Escudos diante da mortalidade. Hipercorpos expostos nas hipervitrines como obras de arte. Performando sucesso e eficiência para atrair outros hipercorpos consumíveis com raspas de amabilidade. Compartilhando pela rede suas experiências fabricadas. Para que haja uma hipersociedade que exale comodidade, conectividade, afetos numéricos, confiança mútua e hospitalidade.

no escuro

me perco
enquanto ego

pequeno frágil
incompleto

saio da luz
não fico cego

tateio
me encanto

avisto a alma
distraído

meus desejos
distingo

ações futuras
germino.

5 de junho de 2025

reprisou

o dinheiro
que arrecadou
e não precisou
embolsou
 
ponderou
um trabalhão
devolvê-lo
a quem doou.

3 de junho de 2025

a negatividade necessária

em nome da paz
intuição é sacrificada
em nome do autocuidado
consumismo é justificado
em nome da amizade
bajulação é alcançada
em nome da felicidade
embruteces a alma.

compulsões

likes
controle
aparência
autopunições

autodesprezo
desprazeres
abandonos
rejeições
 
profecias
autorrealizáveis
incontáveis
lesões.

29 de maio de 2025

autoprodução

onde falta ser
graça ou beleza
sobra ação
buscas desesperadas
por sucedâneos
e comparsas
amparo
para a
despersonalização.

27 de maio de 2025

inativo

em sua companhia
contemplo
ouço
silencio

não há pressa
atropelo
ou necessidade
me recrio

seu sabor
inspirador
nossas soberanias
interligo.

26 de maio de 2025

21 de maio de 2025

Byung-Chul Han - "O desaparecimento dos rituais"

Rituais são ações simbólicas. Transmitem e representam todos os valores e ordenamentos que portam uma comunidade.”


[…] A percepção simbólica é constitutiva dos rituais. O símbolo significa originalmente o sinal de reconhecimento entre amizades hóspedes… O símbolo serve, assim, ao reconhecimento.


[…] A percepção simbólica, na condição de reconhecimento, percebe o permanente.”


[…] O mundo hoje está muito desprovido de simbólico. Dados e informações não possuem força simbólica. Assim, não admite reconhecimento… A experiência da duração tem diminuído. E a contingência aumenta radicalmente.”


Rituais podem ser definidos como técnicas simbólicas de encasamento. Transformam o estar-no-mundo em um estar-em-casa. Fazem do mundo um local confiável… Fazem o tempo se tornar habitável. Sim, fazem-no viável como uma casa.”


[…] Pois é bom quando o tempo que passa não nos pareça algo que nos gasta e destrói, como a um punhado de areia, mas como algo que nos realiza. É bom que o tempo seja uma construção.” [Antoine de Saint-Exupéry]


[…] Ao tempo falta hoje a estrutura firme. Ele não é uma casa, mas um fluxo volúvel. Desintegra-se em mera sucessão de presentes pontuais. Ele se esvai. Nada lhe dá uma parada. O tempo que se esvai não é habitável.


[…] Pela sua mesmidade, sua repetição, os rituais estabilizam a vida. Tornam a vida suportável.”


São formas rituais, como a polidez, que tornam possível não apenas um belo trato interpessoal, como também um belo trato, conservativo, com as coisas. No âmbito ritual, as coisas não são consumidas ou exauridas, mas usadas. De modo que podem também envelhecer.”


Hoje não consumimos meramente as coisas, mas também as emoções com as quais são carregadas… A emocionalização e a estetização, que a acompanha, da mercadoria são regidas pela coação de produção. Têm que potencializar o consumo e a produção. Com isso, o estético fica colonizado pelo econômico.”


As emoções são mais fugazes do que as coisas. Não dão, assim, estabilidade à vida. Ao consumir emoção, além disso, não é com coisas que a gente se relaciona, mas consigo mesmo. Busca-se autenticidade emocional. O consumo de emoção intensifica, com isso, a relação consigo narcísica.”


Os valores também servem hoje como objetos de consumo individual. Tornaram-se eles mesmos mercadoria. Valores como justiça, humanidade ou sustentabilidade são explorados emocionalmente.”


[…] Valores morais são consumidos como características distintivas. São contabilizados na conta do ego, elevando o valor do ego. Aumentam a autoestima narcísica.”


[…] Rituais são também uma práxis simbólica ao reunirem as pessoas produzindo aliança, uma totalidade, uma comunidade.”


Um dos problemas mais sérios de nossa época é o desaparecimento da união por símbolos comuns… ‘Ritual’ se tornou uma palavra escabrosa… somos testemunhas de uma revolta geral contra todo tipo de formalismo, contra a ‘forma’ em geral.” [Mary Douglas]


[…] Formas objetivas são condenadas em prol de estados subjetivos. Rituais não se prestam à interioridade narcísica. A libido do eu não consegue se acoplar neles… Rituais produzem uma distância de si, uma transcendência de si. Eles despsicologizam, desinteriorizam seus atores.”


A percepção simbólica desaparece hoje cada vez mais em prol da percepção serial, incapaz da experiência da duração… Apressa-se de uma informação à outra, de uma vivência à outra, de uma sensação à outra, sem terminar. Certamente, é por isso que as séries são tão populares hoje, pois correspondem ao hábito da percepção serial”


O regime neoliberal acelera a percepção serial, aumenta o hábito serial. Elimina deliberadamente a duração para obter mais consumo… A vida se torna, com isso, mais contingente, mais efêmera, e instável.”


O transtorno de déficit de atenção é resultado de um recrudescimento patológico da experiência serial. A experiência nunca repousa. Desaprendeu a permanecer.”


[…] A atenção é, segundo Malebranche, a reza natural da alma. Hoje, a alma não reza. Ela se produz continuamente.”


Hoje, muitas formas de repetição são inibidas, como a memorização, por reprimirem a criatividade, a inovação etc… Apenas a repetição alcança manifestamente o coração.”


A repetição é a característica essencial do ritual. Ele se distingue da rotina pela sua capacidade de produzir uma intensidade.”


[…] Quem, ao contrário, espera sempre algo novo, excitante, não vê o que já está ali. O sentido, ou seja, o caminho, é repetível.”


[…] Aos dispositivos neoliberais como autenticidade, inovação e criatividade é inerente uma coação permanente ao novo. Eles produzem, ao fim e ao cabo, apenas variações do igual.”


O novo cai logo na rotina. É mercadoria que se gasta e provoca novamente a necessidade de algo novo A coação de ter que rejeitar o rotineiro produz mais rotina… Para escapar da rotina, do vazio, consumimos ainda mais coisas novas, novos estímulos e vivências.”


Rituais criam uma comunidade de ressonância capaz de um acorde, de um ritmo comum… Sem ressonância, a gente ecoa a si mesmo e se isola para si.”


[…] A comunidade digital consiste de câmeras de eco nas quais antes do que nada se ouve apenas a si mesmo falando. Likes, Friends e Followers não formam corpos de ressonância. Apenas aprofundam o eco de si mesmo.”


O regime neoliberal isola as pessoas. Ao mesmo tempo, invoca-se a empatia. A sociedade ritual não necessita de empatia, pois é um corpo de ressonância… A empatia é utilizada como meio de produção eficiente. Serve para influenciar e conduzir emotivamente as pessoas.”


[…] A gestão emocional se mostra aqui como ainda mais eficaz do que a gestão racional… A política psíquica neoliberal trabalha na obtenção de emoções positivas e na sua exploração.”


A comunicação digital se desenvolve hoje cada vez mais em uma comunicação sem comunidade, na medida em que cada um é isolado se tornando produtor de si mesmo.”


Produzir vem do verbo latino producere, que significa mostrar ou tornar visível. A palavra em francês produire ainda tem o sentido de exibir. Se produire, se produzir, significa se pôr em cena.


[…] Hoje, nos produzimos em geral e compulsivamente, e as mídias sociais são um exemplo disso. O social está completamente subordinado à produção de si. Cada um se produz com o intuito de gerar mais atenção. A coação da autoprodução provoca uma crise da comunidade.”


A assim chamada Community’, invocada em tudo que é parte hoje, é apenas um vestígio, uma forma de mercadoria e de consumo, da comunidade. Falta-lhe por completo a coesão simbólica.”


[…] Onde cessam de existir rituais na condição de dispositivos de proteção, a vida está desprotegida por completo. A coação de produção não poderá lidar com essa desproteção e desabrigo transcendentais. Ela a intensifica, ao fim e ao cabo.


A sociedade da autenticidade é uma sociedade da performance. Cada um se performa. Cada um se produz. Cada um cultua o self, na medida em que é o sacerdote de si mesmo.”


[…] A autenticidade se revela como antagonista da sociedade. Devido à sua constituição narcísica, impede a formação de comunidade. Decisivo para seu conteúdo não é a referência à comunidade ou a outra organização superior, mas ao valor de mercado que anula todos os outros valores. Sua forma e seu conteúdo, assim, são uma coisa só. Ambos dizem respeito ao self. O culto de autenticidade desloca a pergunta da identidade da sociedade para a pessoa singular.


[…] A coação de autenticidade leva a uma introspecção narcísica, a uma ocupação permanente com a própria psicologia.”


[…] A sociedade da autenticidade é uma sociedade da intimidade e desnudamento. Um nudismo da alma concede seus traços pornográficos. Relações sociais são tão genuínas e autênticas quanto mais revelam de privacidade e intimidade.”


[…] As formas exteriores da sociedade não constituem mais um ideal de vida elevado.”


[…] As roupas ficam cada vez mais monótonas e menos variadas. Se uniformizam como uniformes de trabalho… Reproduz-se, na moda, a pornografização crescente da sociedade. Se mostra mais carne do que formas.”


Na esteira do culto de autenticidade, as tatuagens têm voltado a estar em moda. No contexto ritual, simbolizavam a aliança entre o singular e a comunidade. No século XIX, no qual a tatuagem era benquista, sobretudo pela classe alta, o corpo ainda era uma área de projeção de anseios e sonhos. Às tatuagens de hoje falta essa força de símbolo. Elas remetem somente à singularidade de seu portador. O corpo aqui não é nem um palco ritual, nem área de projeção, mas área de propaganda. O inferno neoliberal do igual é habitado por clones tatuados.”


O culto de autenticidade faz erodir o espaço público. Destruído, esse se torna espaços privados. Cada um carrega consigo seu espaço privado para toda parte.”


[…] Mas essa genuinidade não é outra coisa do que grosseria e barbárie. O culto narcísico da autenticidade é corresponsável pelo embrutecimento crescente da sociedade. Vivemos hoje em uma cultura do afeto. Onde gestos e modos rituais ruem, os afetos e emoções ganham predominância Nas mídias sociais também é desmantelada a distância cênica constitutiva da esfera pública Até o ponto de uma comunicação de afetos que não guarda o distanciamento necessário.”


A coação de autenticidade torna tudo subjetivo.”


[…] O homo phychologicus narcísico está aprisionado em si, em sua interioridade complicada. Sua pobreza de mundo lhe deixa apenas girar em torno de si mesmo. Entrega-se, assim, à depressão.”


Onde assola o narcisismo, desaparece o lúdico da cultura. A vida tem perdido cada vez mais em serenidade e jovialidade e exuberância.”


A profanação da cultura leva a seu desencantamento. A arte também tem se tornado cada vez mais desencantada… A magia cede à transparência… Não seduz mais. O invólucro mágico é retirado. As formas não dizem mais por si mesmas.”


No excesso de abertura e de ilimitado que dominam o presente, perdemos a capacidade de conclusão. Com isso, a vida se torna meramente aditiva… Mesmo a percepção hoje é incapaz de conclusão ou inferência, pois se apressa de uma sensação à outra. Apenas a permanência contemplativa é capaz de concluir, de inferir.”


[…] Sem a negatividade da conclusão, vai-se parar na adição e acumulação infinitas do igual, no excesso de positividade, na proliferação adiposa de informação e de comunicação.”


O imperativo neoliberal da otimização e do desempenho não permite o encerramento. Torna tudo provisório e incompleto. Nada é definitivo e terminal.”


[…] O nós, capaz de uma ação comum, também é uma forma de conclusão. Ele se desintegra hoje em Egos que se exploram voluntariamente como empresas de si mesmas.”


O lugar é uma forma de conclusão. O mercado global é um não-lugar. A conexão também abole o lugar. Do mesmo modo, a rede é um não-lugar. Não é possível habitá-la… E os turistas circulam eles mesmos incessantemente como mercadorias e informações.”


[…] O lugarejo constitui uma ordem fechada. Faz com que uma permanência seja possível… Os rituais de conclusão estabilizam o lugar.”


Os habitantes do lugarejo vivem em um vínculo profundo. Tanto a percepção, como a ação assumem uma forma coletiva. É coletivamente que se vê e que se ouve. As ações não são atribuídas a um sujeito determinado.”


Não têm opinião sobre isso ou aquilo, mas contam continuamente uma grande e única história.” [Péter Nádas]


[…] No lugarejo domina um acordo silencioso. Ninguém o incomoda com vivências e opiniões pessoais. Ninguém busca atenção ou se fazer ouvir. A atenção vale mais do que tudo para a comunidade. A comunidade ritual é uma comunidade da escuta e do pertencimento mútuo.”


A narração é uma forma de conclusão. Tem começo e fim. Uma ordem fechada a caracteriza. Informações, ao contrário, são aditivas, não narrativas. Não se juntam, terminando em um conto, em uma canção que doa sentido e identidade. Permite apenas uma acúmulo sem fim.”


O ser humano é um ser de um lugar. Só o lugar faz ser possível a habitação, a estada. Ser de um lugar, no entanto, não descarta a hospitalidade.”


A cultura é uma forma de conclusão. Por isso, provê uma identidade. Contudo, essa identidade é includente, não excludente.”


A globalização des-loca a cultura em hipercultura, na medida em que expande os espaços culturais, fazendo-os implodir. Assim, se sobrepõem e se atravessam em uma justaposição sem distanciamento. Surge um hipermercado da cultura.”


A abolição dos rituais leva sobretudo que o tempo apropriado desapareça. Os tempos apropriados correspondem aos capítulos da vida. As formas fundamentais do tempo apropriado são a infância, juventude, maturidade, velhice e morte.”


Os rituais dão forma às passagens essenciais da vida. São formas de conclusão. Sem eles, deslizamos pela vida afora. Ganhamos idade sem que fiquemos velhos. Ou permanecemos consumidores infantis que nunca crescem.”

20 de maio de 2025

bem-estar

quando você parar
para olhar
vai enxergar

muitos a se autodeclarar
seus melhores amigos
e no direito se achar
de cuidar da sua vida
com toda certeza
deles você vai precisar

sua vida
como uma casa aberta
a eles vai entregar

em cada esquina
vai encontrar
alguém autorizado a lhe sussurrar
como deve ser
o que deve fazer
onde e com quem deve estar

quem é você
é uma questão que não lhe cabe mais
delegar é tão prático já cansou de se frustrar

sua história
não quer mais narrar
pois eles lhe conhecem tão bem
fazem todo o árduo trabalho
como boas almas
que vieram para ficar

em nome da identidade
que eles lhe insuflam
escolhe livremente não os confrontar.

19 de maio de 2025

Caricatural

O ser de mil amores não sabe amar. Tanto fez. Tanto faz. Para atrair. Agradar e se recompensar. Que se identificou como um ser de nenhum lugar. Não há casa para voltar. Relação duradoura, só contingência para lidar. Compulsão por perverter o prazer e o quantificar. Indisponível por tanto projetar. Não sabe de onde vem. Não sabe para onde vai. Não passa de mais um turista subjugado pela impulsividade no hipermercado cultural. Não sabe o que fazer. Não está em paz com seu núcleo familiar. Neurose complementar. Sabe muito bem fugir. Fingir. Trabalha para se dopar. Compara-se sem dosar e, comparado, se produz para performar. Ajusta os holofotes para a sombra não chegar à luz e atrapalhar a persona de brilhar. Aceita qualquer coisa. Expõe-se como coisa. Reage como se estivessem a enxergar. A dor que não para de gritar.

13 de maio de 2025

tensionar

evoluir não é apenas deixar para trás
evoluir é igualmente conservar
integrar aquilo que te faz vivaz
arquétipos que presentificam esse limiar.

11 de maio de 2025

limiar

tecnologia inteligente
propaganda de si mesmo
proteção para o que se deseja.

8 de maio de 2025

Hiperexposição

Não é resposta à privação de sentido. Repulsa ao esvaziamento da humana condição. Nem resistência consciente. Demanda pelo potencial de expressão. Não se fia à relação. Alteridade? Libido violentada. Desejo descalibrado. Busca-se apenas conexão. Com as demais estrelas que compõem a mesma constelação. Como se, curtindo-se mutuamente, brilhassem distante da multidão. É o uso reforçado. Premeditado e cambiável. Numérica equiparação. Otimização das propagandas de si mesmo. Que converge com a propalada diversidade da neoliberal permissão.

7 de maio de 2025

pião

roda roda
como um pião
roda roda
sem direção

empreendimento
de si mesmo
roda roda
sem dizer não

roda roda
louco por aceitação
roda roda
compensação e frustração

roda roda
até acabar
rodando e rodando
só para cumprir sua função.

6 de maio de 2025

merecimento

autodestruir-se é se autodefender
como assim, vocês não conseguem me ver?!
já que meu valor não podem reconhecer
vejam só o que aprendi a fazer!

Sugestões de leitura V



5 de maio de 2025

Reminiscências

Quase sinto os cheiros, toco os pés nos chãos, vejo os rostos, ressinto as emoções. Não fosse o abismo que separa aquele que narra daquele que as experimentou. Desejo. Medo. Expectativa. Insegurança. Surpresa. Admiração. Alegria. Satisfação. Um misto na memória. Que perpassa o corpo todo. Meu elogio a você, sua família e amigas. Meu amor.

27 de abril de 2025

poder das armas

colecionava armas
e um dia resolveu usá-las
escolheu uma e abateu uma ave
gostou da empreitada

noutro dia, de posse de outra,
matou um porco com um tiro certeiro
adorou a praticidade

precisado
ameaçou e amedrontou um desafeto
vibrou com sua coragem

em outra ocasião, usou a mais rara
municiou, destravou e disparou
contra aquele que mais lhe desafiara
surpreso, caiu ali mesmo, na sala.

25 de abril de 2025

Raiva & Culpa

saem juntas
ansiosas por desculpas

para transferirem seus medos
do abandono da rejeição
reforçam-se mutuamente
buscando substitutos

porém nada as satisfaz
caem em suas próprias arapucas

sequelas rejeitadas
sintomas escamoteados
usam e abusam de si mesmas
não se diluem em permutas.

24 de abril de 2025

alucinação

eu sou livre
independente
autossuficiente
não tenho patrão
só faço o que gosto
resolvido desapegado
trabalho com o que quero
banco toda a minha diversão.

23 de abril de 2025

solidão

é como mexer um caldeirão
vive-se e revive-se a cisão
coleta-se e acrescenta-se os ingredientes
ferve-se a mistura até dar o ponto à poção
que em preparo já desfaz a maldição
solidão não é condenação
estar só é bem acompanhar-se para a decisão
sobre como cuidar da integração.

22 de abril de 2025

guerreira ferida

onde quer ficar?
paralisada?
não sabe o que buscar?
revive o trauma?

o que é justo soa como algo entediante?
sua ansiedade é intensificada?
julga-se livre constantemente armada?
excede-se esvaziada ou transbordada?

equilíbrio
na jornada
não carece de atenção?
energia vital direcionada é dispensável?

21 de abril de 2025

refluxo

nossa casa
comum
é agora mais
uma propriedade

sempre aberta
exposta à previsibilidade
seus habitantes
são seres memoráveis

praticam
o comércio consciente
acariciam seus egos
prosseguem otimizados

desdenham
da interior profundidade
referenciais históricos
relacionamentos saudáveis.

19 de abril de 2025

lisura

do carro
se livra do lixo
lançando-o na rua
mais uma pose que perdura.

16 de abril de 2025

Byung-Chu Han - "Sociedade da transparência"

Daquilo de que os outros não sabem sobre mim, disso eu vivo.” (Peter Handke)


Nos dias atuais não há mote que domine mais o discurso público do que o tema da transparência. Ele é evocado enfaticamente e conjugado sobretudo com o tema da liberdade de informação. A exigência da transparência intensifica-se de tal modo que se torna um fetiche e um tema totalizante, remontando a uma mudança de paradigma que não se limita ao âmbito da política e da sociedade.”


As coisas se tornam transparentes quando eliminam de si toda e qualquer negatividade, quando se tornam rasas e planas, quando se encaixam sem qualquer resistência ao curso raso do capital, da comunicação e da informação. As ações se tornam transparentes quando se transformam em operacionais, quando se subordinam a um processo passível de cálculo, governo e controle.”


[…] As imagens tornam-se transparentes quando, despojadas de qualquer dramaturgia, coreografia e cenografia, de toda profundidade hermenêutica, de todo sentido, tornam-se pornográficas, que é o contato imediato entre imagem e olho.”


[…] A comunicação alcança sua velocidade máxima ali onde o igual responde ao igual, onde ocorre uma reação em cadeia do igual. A negatividade da alteridade e do que é alheio ou a resistência do outro atrapalha e retarda a comunicação rasa do igual.”


[…] Nova palavra para dizer uniformização: transparência.”


[…] A coerção por transparência nivela o próprio ser humano a um elemento funcional de um sistema. Nisso reside a violência da transparência.”


A alma humana necessita naturalmente de esferas onde possa estar junto de si mesma, sem o olhar do outro. Pertence a ela uma impermeabilidade. Uma total ‘iluminação’ iria carbonizar a alma e provocar nela uma espécie de burnout psíquico. Só máquina é transparente; a espontaneidade e a liberdade não admitem transparência.”


[…] O ser humano sequer é transparente para consigo mesmo. Segundo Freud, o eu nega precisamente aquilo que o inconsciente afirma e deseja irrestritamente(…) é justamente a falta de transparência do outro que mantém viva a relação.”


[…] Frente ao pathos da transparência que domina a sociedade atual, seria necessário exercitar o pathos da distância. Vergonha e distância não podem ser integradas no círculo veloz do capital, da informação e da comunicação, para que não sejam eliminados os lugares de refúgio discretos, tornando-se iluminados e saqueados.”


[…] Uma relação transparente é uma relação morta, à qual falta toda e qualquer atração, toda e qualquer vivacidade, totalmente transparente é apenas o morto.”


A sociedade positiva tampouco admite qualquer sentimento negativo. Desse modo, esquecemos como se lida com o sofrimento e a dor, esquecemos como dar-lhes forma.”


[…] Também o amor é nivelado em um arranjo de sentimentos agradáveis e de excitações complexas e sem consequências… O amor é domesticado e positivado para a fórmula de consumo e conformidade, no qual todo e qualquer ferimento deve ser evitado.”


[…] De um lado eles evitam a fruição do que não é negativo; de outro, em seu lugar entram perturbações psíquicas como esgotamento, cansaço e depressão, que remontam em última instância ao exagero da positividade.”


[…] Sem a negatividade da distinção é inevitável que as coisas cheguem à proliferação e à promiscuidade generalizada.”


O veredicto da sociedade positiva é este: ‘Me agrada’. É significativo que o facebook se negue coerentemente a introduzir um emotion de dislike button. A sociedade positiva evita todo e qualquer tipo de negatividade, pois esta paralisa a comunicação. Seu valor é medido apenas pela quantidade e velocidade da troca de informações, sendo que a massa de comunicação também eleva seu valor econômico e veredictos negativos a prejudicam.”


Transparência e verdade não são idênticos. A verdade é uma negatividade na medida em que se põe e impõe, declarando tudo o mais como falso. Mais informação ou um acúmulo de informações, por si sós, não produzem qualquer verdade; faltam-lhes direção, saber e o sentido.”


[…] A hiperinformação e hipercomunicação gera precisamente a falta de verdade, sim, a falta de ser. Mais informação e mais comunicação não afastam a fundamental falta de precisão do todo. Pelo contrário, intensifica-a ainda mais.”


[…] Na sociedade positiva, na qual as coisas, transformadas em mercadorias, têm de ser expostas para ser, seu valor cultual desaparece em favor de seu valor expositivo. Em vista desse valor expositivo, sua existência perde totalmente a importância. Pois, tudo o que repousa em si mesmo, que se demora em si mesmo passou a não ter mais valor, só adquirindo algum valor se for visto.”


[…] O valor expositivo… deve-se unicamente à produção do chamar a atenção.”


[…] Já de algum tempo que o ‘semblante humano, com seu valor cultual, desapareceu da fotografia. Na era do facebook e do photoshop o semblante se tornou em face, que se esgota totalmente em seu valor expositivo… a face é a imanência do igual.”


[…] A fotografia digital caminha de mãos dadas com uma forma de vida totalmente distinta, que se afasta cada vez mais da negatividade. É uma fotografia transparente sem nascimento e sem morte, sem destino e sem evento… Assim, ela não fala.”


A figura temporal do ‘foi assim’ é para Barthes a essência da fotografia; a foto dá testemunho do que foi. Por isso, seu humor de fundo é a tristeza. Para Barthes, a data é parte da foto, ‘porque faz que se note a vida, a morte, o desaparecer inegável das gerações.”


Na sociedade expositiva cada sujeito é seu próprio objeto-propaganda; tudo se mensura em seu valor expositivo. A sociedade exposta é uma sociedade pornográfica; tudo está voltado para fora, desvelado, despido, desnudo, exposto. O excesso de exposição transforma tudo em mercadoria que ‘está à mercê da corrosão imediata, sem qualquer mistério.”


O porno não aniquila apenas o eros, mas também o sexo. A exposição pornográfica não causa apenas uma alienação do prazer sexual, mas torna-o impossível; torna impossível viver o prazer. Assim, a sexualidade se dissolve na performance feminina do prazer e na visão de desempenho masculino; o prazer exposto, colocado sob holofotes, já não é prazer. A coação expositiva leva à alienação do próprio corpo, coisificado e transformado em objeto expositivo, que deve ser otimizado. Já não é possível morar nele, sendo necessário, então, expô-lo e, assim, explorá-lo.”


[…] Quando o próprio mundo se transforma em um espaço de exposição, já não é possível o habitar, que cede lugar à propaganda, com o objetivo de incrementar o capital da atenção do público. Habitar significa originalmente ‘estar satisfeito, estar em paz, permanecer onde se está.”


O valor expositivo depende sobretudo da bela aparência. Assim, a coação por exposição gera uma coação por beleza e por fitness; a ‘operação beleza’ tem como objetivo maximizar o valor expositivo. Nesse sentido, os paradigmas atuais não transmitem qualquer valor interior, mas medidas exteriores, às quais se procura corresponder, mesmo que às vezes seja necessário lançar mão de recursos violentos. O imperativo expositivo leva a uma absolutização do visível e do exterior. O invisível não existe, pois não possui valor expositivo algum, não chama atenção.”


[…] O problemático não é o aumento das imagens em si, mas a coação icônica para tornar-se imagem.”


Hoje, a comunicação visual se realiza como contágio, ab-reação ou reflexo. Falta-lhe qualquer reflexão estética. Sua estetização é, em última instância, anestésica. Por exemplo, para o julgamento de gostar não se faz necessário qualquer consideração mais vagarosa. As imagens preenchidas pelo valor expositivo não demonstram qualquer complexidade; são univocamente claras, i. é, pornográficas. Falta-lhes qualquer tipo de fragilidade que pudesse desencadear uma reflexão, um reconsiderar, um repensar.”


Na sociedade da transparência, toda e qualquer distância se mostra como negatividade, devendo ser eliminada, pois impõe um empecilho ao aceleramento do circuito da comunicação e do capital.”


A sociedade da transparência é inimiga do prazer. Dentro da economia do prazer humano, prazer e transparência não conseguem conviver; a transparência é estranha à economia libidinosa, pois é precisamente a negatividade do mistério, do véu e da ocultação que aguilhoa o desejo e intensifica o prazer”


[…] Não é por acaso que a sociedade da transparência é hoje, igualmente, sociedade pornográfica.”


[…] A transparência retira das coisas todo e qualquer atrativo, ‘proibindo à fantasia tecer suas possibilidades, para cuja perda não há realidade que possa nos compensar.”


As coisas mais profundas guardam ódio da imagem e da comparação.” (Nietzsche)


[…] É por isso que o sadista usa de todos os recursos possíveis para fazer com que a carne se manifeste, para fazer com que o corpo do outro assuma violentamente tais posturas e posicionamentos que escancarem sua obscenidade, i. é, manifestem sua perda irrecuperável da graça e do charme.” (Agamben)


[…] Nas imagens pornográficas tudo está voltado e exposto para fora; a pornografia não tem interioridade, guarida, mistério.”


[…] As imagens pornográficas, desculturalizadas, não apresentam nada que possa ser lido… Seu modo de atuação não é a leitura, mas a contaminação… Elas se esvaziam em espetáculo.”


A memória de hoje se caracteriza por um amontoado de lixo e de dados em ‘lojas de sucata’ ou ‘armazéns’, entulhados de massas e de uma variedade de imagens possíveis e imagináveis, totalmente desorganizados, malconservados, cheios de símbolos desgastados.” (Virilio)


[…] Por isso, falta-lhes história, não podendo recordar de si mesmas nem de si se esquecer.”


[…] A atual crise epocal não é a aceleração, mas a dispersão e a dissociação temporal. Uma discronia temporal faz com o tempo gire como biruta, sem rumo, transformando-o em mera sequência da atualidade pontual, atomizada. Com isso o tempo se torna aditivo e esvaziado de toda e qualquer narratividade.”


[…] E visto que não é a aceleração em si que representa o verdadeiro problema, sua solução não reside na desaceleração. A mera desaceleração não cria cadência, ritmo nem perfume, não impedindo a queda para dentro do vazio.”


[…] Hoje, o mundo não é um teatro no qual são representadas e lidas ações e sentimentos, mas um mercado onde se expõem, vendem e consomem intimidades.”


A tirania da intimidade psicologiza e personaliza tudo, e até mesmo a esfera política não escapa desse processo. Assim, os políticos não são avaliados por suas ações. Seu interesse está voltado para a pessoa, o que provoca neles coerção por encenação… No lugar do caráter público entra a publicização da pessoa; o público se transforma em espaço de exposição, afastando-se cada vez mais do espaço do agir comum.”


[…] O sujeito narcísico não pode colocar um limite a si mesmo. Por isso ele não consegue fazer surgir uma imagem estável de si mesmo… O narcisista, tornado depressivo, engole a si mesmo em sua intimidade ilimitada. Não há qualquer vazio ou distância que consiga distanciar o narcisista de si mesmo.”


Ex-por e pôr-se à mostra não servem primordialmente para conquistar o poder. O que se busca não é poder, mas atenção… Poder e atenção não se identificam simplesmente. Quem tem poder tem o outro, o que torna supérflua a busca de atenção.”


[…] O que alimenta o exibicionismo e o voyeurismo é a rede enquanto panóptico digital. Nesse sentido, a sociedade de controle chega a sua consumação ali onde o sujeito dessa sociedade não se desnuda por coação externa, mas a partir de uma necessidade gerada por si mesmo; onde, portanto, o medo de renunciar à sua esfera privada e íntima dá lugar à necessidade de se expor à vista sem qualquer pudor.”


[…] Transparência destrói a confiança… Por isso, a sociedade da transparência é uma sociedade da desconfiança e da suspeita, que, em virtude, do desaparecimento da confiança, agarra-se ao controle. A intensa exigência por transparência aponta precisamente para o fato de que o fundamento moral da sociedade se tornou frágil, que os valores morais da honestidade e sinceridade estão perdendo cada vez mais importância.”


Na sociedade da transparência não se forma comunidade em sentido enfático. Surgem apenas certos ajuntamentos e agrupamentos de diversos indivíduos isolados singularmente, de egos que perseguem um interesse comum em torno de uma marca… O elemento social é degradado e operacionalizado como um elemento funcional do processo de produção, prestando-se sobretudo à otimização das relações de produção.”


[…] Google e redes sociais, que se apresentam como espaços de liberdade, estão adotando cada vez mais formas panópticas. Hoje, a supervisão não se dá como agressão à liberdade. Ao contrário, as pessoas se expõem livremente ao olho panóptico.”

Corpo e ideal do EU [Por: Maria Homem]

14 de abril de 2025

ritualização

não é só um jeito de falar
é um processo de representação
forma de experenciar e acomodar
narrar é fazer distinção

onde transborda a informação
pouca segurança há para a formação
entendimento é desmantelado
transformação deixa de ser potencial

rejeita-se as imposições
linguísticas políticas
que mensuram e capitalizam
objetificam ainda mais nossas inter-relações.

Death - Symbolic


I don't mean to dwell
But I can't help myself
When I feel the vibe
And taste a memory
Of a time in life
When years seemed to stand still

I close my eyes
And sink within myself
Relive the gift of precious memories
In need of a fix called innocence

When did it begin?
The change to come was undetectable
The open wounds expose the importance of
Our innocence
A high that can never be bought or sold

Symbolic acts - so vivid
Yet at the same time
We're invisible

Savor what you feel and what you see
Things that may not seem important now
But may be tomorrow

Do you remember when
Things seemed so eternal?
Heroes we're so real
Their magic frozen in time
The only way to learn
Is be aware and hold on tight

I close my eyes
And sink within myself
Relive the gift of precious memories
In need of a fix called innocence

When did it begin?
The change to come was undetectable
The open wounds expose the importance of
Our innocence
A high that can never be bought or sold

Symbolic acts - so vivid
Yet at the same time
We're invisible