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15 de junho de 2023

Retrato

Andando em uma bicicleta verde – usada pelo filho mais velho de nossos vizinhos japoneses – e que me foi dada de presente. Meu vô Toninho atrás, me ajudando, incentivando. Quando me dei conta, cadê meu a? Sem suspeitar o que poderia fazer diante daquela ausência, lá estava eu pedalando e me equilibrando. Por mim mesmo. Que sensação nós tivemos?

Minha vó Teruko me ensinou a fazer, com as cartas de baralho, vários castelos. A gente ouvia alguns discos e montava esses castelos entre os tacos da sala, com um relógio de corda, os pilares transversais e as fotos que continuam nas paredes. Enquanto costurava, me encorajava a posicionar meus dedos sobre o braço do violão para que os acordes soassem com algum brio, intensidade e beleza.

Meu vô Pedrão criou uma máquina do tempo. Naquele momento, era um trem feito com um banco de madeira. Eu e alguns de meus primos e primas viajávamos manhãs e tardes inteiras. Visitando parentes, fazendo paradas para nos alimentarmos. Nutrição para o corpo inteiro. Vivíamos histórias que ainda me integram.

Minha vó Hermínia fazia massa para as pizzas ou a macarronada no sábado para servi-las aos domingos. Com seu lenço na cabeça, cabelos branquinhos, radiantes, sorria satisfeita quando reunia seus filhos, netos e bisnetos.

Minha mãe alfabetizava. Lembro das pilhas de cadernos sobre a mesa, do mimeógrafo, do cheiro de álcool e dos carimbos que ela usava para elaborar a matriz que, para ser rodada, precisa estar bem seca. Quando vou visitá-los, mesmo que a mesa e a cozinha não sejam as mesmas, minha memória se adianta. Entrelaça esses elementos.

Samambaias, orquídeas, avencas... Muitos vasos, várias peculiaridades sobre intensidade da luz solar, podas e venenos para protegê-las.

Desde muito cedo meu pai me levava para o campo. Sítios onde íamos buscar a matéria-prima (carne suína e bovina) com as quais tirávamos o nosso sustento. Quantas vezes ele usou uma tesoura e uma agulha desinfectada com a chama do seu isqueiro ou de uma das bocas do fogão para tirar os vários bichos-de-pé que eu hospedava por andar descalço ou de chinelo perto dos pastos e dos chiqueiros?

Nesses sítios eles matavam os animais com um porrete que acertava as nucas e os sangravam logo em seguida com facas e suas lâminas esmerilhadas com destreza. Usavam uma carretilha para os levantarem, retirarem seus couros e entranhas e havia sempre uma balança para os pesarem e calcularem os preços.

Íamos de fusca ou de kombi, só nós dois, ouvindo uma rádio da cidade que tocava músicas sertanejas. Os automóveis voltavam carregados, mais assentados nas estradas asfaltadas ou de terra. Depois que descarregávamos, lavávamos as lonas com todo aquele sangue e rumávamos para casa.

Eu tomava um banho, jantava e logo ia dormir, esperando rever meus amigos do colégio.

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