Talvez
seja loucura
estratégia
puxa
saquismo
Desejo
de conquistar
o
mesmo direito
de
aniquilação.
Suspeito
que eu não esteja por aqui depois que você ler esse texto.
Posso
desaparecer não por causas naturais ou algum acidente fatal. Vou
sumir porque o cara que me criou pode querer que isso se dê desse
jeito.
Ser
desprezível e ingrato!
Não
digo isso por maldade ou porque espere por alguma vingança, mas sim
para chamar a atenção dele para a sua indiferença depois de tudo o
que vou fazer e contar sobre ele nessa história. Mas acho que não
vai dar em nada. O cara pode resolver sumir comigo e isso é fato. Ou
melhor, vai ser fato. Já vi ele fazer isso várias vezes com muitos
outros personagens.
Cara
estranho! Por que tem que agir assim? Por que não nos deixa livres
no tempo, soltos no espaço? Imortais! Prontos para ao menos tentar
aguçar a curiosidade de alguns poucos leitores que podem vir a se
aventurar literatura adentro. Não, ele não tem essa visão. Ainda
vai entender. Algum dia, mas não hoje.
Então,
aqui estou eu. 41 anos, sem as perspectivas ou os sonhos que costumam
habitar e impulsionar a maioria das outras pessoas. Sem nada disso,
mas ainda assim vivo.
Sentado
em um banco de praça, louco para comer um salgado lá naquele bar da
esquina. Talvez um refrigerante também para fazer companhia para a
massa que sobrará para a minha digestão. Mas hoje não posso me dar
esse luxo. Tenho outras coisas pra fazer e só depois vou descobrir
onde filar um rango dessa vez.
Hoje
é terça-feira, feriado nacional. Dia de celebração de alguns
símbolos nacionais ligados aos governos desse país idiota. Idiota
porque só um povo idiota é capaz dessa idolatria toda. Patriotismo,
quando vendem tudo o que temos, destroem, cospem, pisam, escravizam,
roubam e matam para se manterem no poder?! Puta piada de mau gosto,
não é mesmo? Isso pra mim é masoquismo. Eu não curto!
Vamos,
me digam enquanto ainda podem, estou errado por pensar assim?! Que
seja, mas não vou abrir mão de minha habilidade de pensar. Pra mim,
tudo isso: marchas, desfiles, hinos, saudações e ovações à
bandeiras, tudo que está ligado com questões militares é uma puta
idiotice.
O
pior é que isso é passado pra gente como se fosse algo que a gente
deveria ser orgulhar e. assim, continuar nesse ciclo de ficar
repassando. É igual religião. Pra mim, é.
Bom,
hoje é terça-feira e o meu criador quis que eu estivesse sentado
nesse banco, sem nada nas mãos. Sem nada nos bolsos. Só comigo
mesmo, sem vontade de correr atrás do ouro e da glória. Da fama. Da
vida como já ouvi dizer milhões de vezes por aí. Nada disso me
importa. Se quiserem, vão vocês!
Eu
nunca fui de me excitar com esse lance todo de sofrimento e redenção.
Arrependimento, perdão, purificação, salvação? Olha, isso é
conversa de gente otária pra gente otária. Enquanto você fica
nessa devoção toda, exibindo sua fé e santidade por ai, eu tô é
louco pra encontrar os outros. Aqueles mais reais, sabe. Aqueles que
erram, fazem um monte de merda, mas se levantam todos os dias e sabem
que podem e vão desagradar, que vão falar o que pensam, que vão
olhar nos olhos das pessoas enquanto falam, que vão querer saber
mais, procurar saídas pra essa vida enigma que gente ganhou de
nossos pais.
Também
não consigo acreditar como algumas pessoas podem usar crucifixos
como adornos. Deve ser porque não costumo celebrar a morte. Não que
a menospreze. Não é isso. Ela é parte da vida, mas não vou ficar
preso à ela desse jeito maníaco recheado com toda a devassidão dos
livros chamados de sagrados. Se lá estão as verdades, meu amigo,
estamos fodidos! Se lá está o caminho, minha amiga, você não
poderia sequer estar lendo a minha história. Eles não dariam a sua
benção, não permitiriam esse sacrilégio para quem foi e é a
responsável por toda a danação.
Tá
certo, eu prometo! Mas tira essa dor de cabeça que você inventou
para atazanar o meu corpo. Não vou ficar mais te aporrinhando com
essa mentira de Destino. Deixa pra lá. Vou ficar aqui e continuar a
te encher o saco com outras coisas.
Escute!
Você está ouvindo? Tem alguém tocando uma guitarra aqui por perto.
Você reconhece os acordes? Sacou a melodia? É claro, alguém está
cruzando acordes e criando novas melodias. Isso é bonito, não acha?
Talvez seja uma das poucas coisas decentes a se fazer. Criar beleza
de dentro da podridão. Usar o lixo para fazer um cenário que tente
mostrar a vida como ela é. Pelo menos para a grande maioria das
pessoas. Acho que a arte faz a gente se reconhecer, olhar de novo,
com calma, pra tudo aquilo que a gente achava certo. Fixo. Acabado.
Isso eu curto. E você?
Já
que estamos falando dos temas universais… E o amor, você poderia
me perguntar? O que ele é, afinal? Ele é. Já basta, não? Pra mim,
é um dos sentimentos mais fortes que a gente é capaz de ter. Tá
junto da dor, tá junto de uma porrada de outros sentimentos também.
Como
sabemos dele? Nos ensinam, como tudo o que fazemos. Aprendemos e
aprendemos até o último suspiro. Não suporto essas merdas de
terapias de casal, de gente que se acha capaz de dizer para os outros
o melhor jeito de manter uma relação amorosa. E ser feliz, claro!
Eles sempre falam da felicidade, é um elemento explícito ou
implícito em todas as propagandas. Desde um remédio para as
frieiras até o cura dos vícios que algumas religiões vendem por
aí.
Nojento,
não? Eu acho. Se você discorda, ótimo! Ainda bem que ainda podemos
pensar a respeito e escolher o que nos dá na telha. Mas, pensando
bem, eu estou escolhendo alguma coisa? Eu só fico aqui pensando e
enchendo a sua cabeça com as minhas ideias. Minhas ideias?! O que
será que o cara quer que eu fale ou faça agora?
Talvez
ele invente outro personagem para sentar aqui e a história começar
a ganhar força, ficar mais legal quando um de nós tiver que sair
porque não suporta o que o outro pensa e diz. Um pouco de
intolerância. Sarcasmo. Isso ajuda, não?
Ele
é muito previsível mesmo! Além de ingrato, imprevisível. Que
outras características ele será capaz de nos mostrar, hein?
– E
aí, o que cê tá fazendo?
– Tô
cuidando do banco.
– Sério?!
– Oh!
Seríssimo.
– Você
é maluco, né cara?
– Já
passei dessa fase.
– Posso
te fazer outra pergunta?
– Já
que não tem outro jeito… Vai lá, manda!
– Você
é a favor da pena de morte?
– Santa
prostituta! Só me faltava essa. Olha, sou contra, mas ela é posta
em prática todos os dias. E não tô falando de cadeira elétrica,
injeção letal, não. Tô falando de tortura mental, física,
causadas pela forma como escolhemos levar adiante a existência de
nossos esqueletos nesse planetinha aqui. Essas torturas são a pena
de morte do nosso tempo.
– Meu
irmão, que que você usou? Tá doidão!
– Que
doidão o que, meu. Tô falando o que eu penso. Não era isso o que
você queria saber?
– Eu
sou a favor da pena de morte. Tem gente que não tem conserto. Só
matando.
– Claro
que você é a favor. Tava na cara.
– Você
julga as pessoas pela cara?!
– Nada
disso, pelos dizeres de suas camisetas.
– Como?
– É.
Olha só o que diz a sua: “Deus é amor”. Claro que você defende
a pena de morte. Os escolhidos e o resto, não é assim? Os que não
pecam, ou pecam e se arrependem, e aqueles que pecam o tempo todo e
não tão nem aí. Merecem castigos severos esses, não?
– Claro!
Só servem para gastar nosso dinheiro nas prisões, comendo do bom e
do melhor, sem ter que trabalhar. Isso é uma vergonha! Estragam e
empobrecem nossa vida, não concorda?
– Que
vida você tá se referindo?
– Cê
tem certeza que não usou nada, não?
– Ih…
Corta essa, tá.
– Tô
falando da vida que a gente deve levar para descansar em paz e
harmonia lá no céu.
– Acho
que foi você que usou alguma coisa, hein! Tá indo longe demais.
– Eu
não! Sou contra o uso dessas coisas. Isso é para os fracos!
– Certeza!
Cara, você acredita nessa historinha de céu e inferno mesmo?
– Acredito
com toda a minha fé.
– Rapaz,
então, você está perdido. Não pode dar um passo sem que o seu
deus esteja te vigiando e registrando cada merda de coisa que você
faz. Tem que viver nessa tensão toda só para ir para o seu céu? E
se esse céu não for o que você imagina?
– Não
tem tensão. É só viver em conformidade com a Palavra. Foi isso que
aprendi com o meu pastor.
– Claro,
claro, o seu pastor! Aquele que arrebanha, explora e encaminha suas
ovelhas para o matadouro do juízo final.
– Pô,
cara, não é bem assim...
– Não?
Então como é? Quem são esses caras? Por que eles seriam mais
santos que você? Só porque eles escolheram essa profissão?
– Eles
receberam um chamamento de Deus. É a missão deles aqui na Terra.
– Sei.
E todo esse trabalho merece algumas compensações, não? Eles
aproveitam para irem se acostumando a desfrutar do luxo por aqui
porque é certeza que vão ter lugares especiais lá no céu deles. O
luxo da vida eterna.
– Você
vai queimar, cara! Não pode falar assim dos líderes religiosos.
Eles são muito importantes para a Obra de Deus.
– Qual
obra? A vida de um bando de otários que trabalham que nem uns
condenados, sustentando esses impérios religiosos, inclusive, e
acreditando que são melhores que outros por fazerem isso.
– Você
é o Cão!
Pensando
bem, foi uma boa ideia colocar esse maluco aqui pra falar comigo.
Esse tipo de conversa me anima, sabe. Me dá uma perspectiva: o que
nunca fazer com a minha vida em qualquer momento, situação ou
circunstância.
Esse
cara fez com que surgisse a vontade de me levantar, me mexer, sair
desse banco cheio de merda de passarinho. Não o criador, esse maluco
que gosta de ser ovelha.
Fico
imaginando o que esses líderes devem fazer para obterem o sucesso de
sua lavagem cerebral.
Certa
vez eu estava em outra praça, sentado em uma barraquinha de lanches,
bem em frente a uma dessas igrejas. Era bem pequena, uma portinha só,
mas com bancos novos, lustrosos e um altar enfeitadíssimo. Na parede
atrás do altar, um vídeo era exibido com imagens produzidas pelo
setor de propagandas da igreja. Fogo, desgraças, acidentes, vícios,
separação, desemprego. O que você conseguir imaginar de merda tava
tudo ali. Nas cores mais impactantes para a nossa visão desfrutar.
Comecei
a comer o meu lanche e vi tudo aquilo. Depois de um tempo bem curto
deixado para a reflexão, o pastor começou a destrinchar a sua
ladainha. Ele falava sobre a salvação. Para ajudar os seus
argumentos, dar mais credibilidade para a sua missão, ele deixava
bem exposta a sua vida material. Ouro no pescoço, camionete zerada
estacionada ao lado da prédio da igreja quase caindo aos pedaços.
Era o contraste ideal.
Fiquei
com vontade de vomitar na hora. Mas teria que me levantar e ir até
lá e mandar ver no altar. Não era tão longe, mas mesmo assim, não
fui. Preguiça, eu acho.
Alguns
dias depois a diretora do escola onde eu trabalhava, aceitou o
convite para ele ir até lá fazer uma palestra motivacional (eu
chamo de palestra de inculcação do pecado capital) para os
estudantes.
Segundo
a diretora, católica, o pastor ali no salão de reuniões, com todas
as turmas e os professores do período da manhã, representava o
quanto ela valorizava o espaço da escola pública como um espaço
laico. Demais!
Enfim,
foi legal esse cara ter aparecido, uma situação bizarra me levou a
pensar em outras situações proporcionalmente bizarras. E é assim
que vou construindo, ampliando minhas convicções de que a sacanagem
é a lei e a idiotice é usada cada vez mais como uma benção.
Foi
bom, principalmente, porque ele já se foi. Talvez o cara tenha
ficado de saco cheio dele e fez com que ele morresse atropelado pelo
pastor bêbado em sua camionete com um adesivo da sua igreja no para
choque. Ás vezes é assim mesmo que ele faz.
Então,
como eu dizendo, não tenho perspectivas dentro do grande mercado da
vida, mas não desisti. Quero ver até onde isso pode chegar. Quero
saber o que mais será usado como força (já usaram a forca) para
manter uma pancada de gente culpada por não ter o que os outros tem,
não usar o que os outros usam e não ser tão feliz como os outros
costumam ser ao sorrir para as fotos ao lado de maridos ou esposas
que os traem e são traídos que imediatamente serão postadas nas
redes sociais.
Fico
imaginando até quando essa pancada de gente poderá suportar esse
peso sem se esquivar, cair fora, permitir que seus instintos de
sobrevivência ajam dentro de seus corpos, fugindo, reagindo,
deixando esses babacas falando sozinhos para as paredes ou suas
vaidades embevecidas pelo culto ao ego.
É
claro que tem ego na adoração a um deus também, seja ele uma
árvore ou uma cópia projetada de nós mesmos. O ego aparece na
esperança. Na ideia de que rezando, alguém muito melhor do que nós
e superpoderoso vai intervir em nossas vidas, atendendo nossas
preces.
Outra
vez, em uma igreja na cidade em que nasci e permaneci até os meus 19
anos, achei um pedaço de papel dobrado em um dos vários
genuflexórios daquela igreja conhecida como Matriz.
Sabe
o que estava escrito lá? “Deus me dá um carro novo”. Puta
sabedoria da pessoa, hein! Que saúde, santidade, desapego das coisas
materiais, o quê! Ela queria um carro novo, pra andar e mostrar. Pra
viver e ser feliz. Como todos os outros.
Oh
deus, é sacanagem dar forças para os operários fazerem um milhão
de carros e não permitir que as pessoas possam desfrutá-los, não
é, não? Tá faltando coerência na hora de distribuir as riquezas
para que o consumo se realize com facilidade, não é, sabichão?
Desse jeito os capitalistas vão procurar outra estratégia para se
realizarem. Fica esperto, paizão!
A
vida é curta para aqueles que querem que ela seja assim. Pra mim,
ela é uma incógnita, como já disse, e nada tá certo, tudo o que
acontece é extraído de uma combinação de fatores. Fatores esses
que incluem a vontade insana de um criador. Só no meu caso.
– Olá,
meu amigo! Tá esperando alguém?
– Não.
Tô vendo as árvores envelhecerem.
– Ah,
tá… Quer companhia?
– Já
que não tem outro jeito.
– Não
precisa falar assim. Só estou te oferecendo um pouco de diversão.
– Sei.
– É
verdade. No quarteirão de trás tem um lugarzinho legal pra gente
ir. É bem barato porque eu conheço o dono e ele me faz um desconto.
Pago por mês e só pelo que eu uso. Ele não é legal?
– Super
legal. Pena que não tenho amigos como esses.
– Então,
vamos?
– Olha,
agradeço, mas o que você me oferece é algo que você não vai
conseguir cumprir. Com todo o respeito que tenho pela sua profissão.
– Tá
achando que eu não dou conta, cara?
– De
forma nenhuma! Mas a minha diversão não se liga como um
interruptor. Não tá ligada com esse hábito de pagar em dinheiro
por algo que é tão normal. Natural.
– Você
acha que eu não tenho contas a pagar, meu filho? Sai dessa, tá
querendo de graça, é?
– Com
você não. Sei que esse é seu ganha pão. Mas agradeço pela
oferta. Espero que consiga achar um cliente logo mais. Essa praça
vive cheia de caras com essa ideia na cabeça.
– Ideias?!
Tô falando de tesão. Você não sente nada quando olha pra mim?
– Sinto.
Claro que sinto. Sinto vontade de te apresentar um cara que passou
por aqui agora há pouco. Acho que ele ia te adorar.
– Pô,
pelo jeito que cê tá falando, eu acho que perdi minha oportunidade
dessa manhã.
– Que
nada. Olha ele aí. É aquele com a camiseta de “Deus é amor”.
– Legal.
Vou até lá ver se o cara topa. Brigado, hein! Quando mudar de
opinião, só me procurar por aqui. Meu nome é Carla, tá?
– Fica
tranquila. Divirta-se!
-
Tchau.
Que
cê tá achando, hein cara?! Tá querendo me transformar num
personagem secundário, pô! Botar essas pessoas aqui só para que eu
faça a ponte entre elas. Você deve estar de brincadeira. Só pode.
Tá me testando, tá me provando com todas as evidências que a vida
é miserável. Se continuar assim, vou me recusar a ficar aqui
esperando pelo que você decide fazer comigo. Tô cansado. Tô com
fome. Tô bem aqui sozinho.
Ele
se levanta do banco e se lembra que tem uma namorada que lhe convidou
para almoçar com ela. Ao atravessar a rua, desviar de uns carros,
recebe uma buzinada e sai correndo, como um louco, caindo em bueiro
aberto que eu quis que estivesse ali para que ele simplesmente
desaparecesse. Sem sequer um arranhão.
Então,
é o fim. Nunca mais alguém terá de suportar um personagem como
ele. Puta cara chato! Impertinente. E cagueta ainda por cima!