Pessoas
e culturas escondidas
Sob
pedras esculpidas
Reinos,
poses, traças que não vencem os tecidos
Velas,
candelabros e lamparinas
Telas
cheias de retratos que a realidade desmistificaria
Opulência
dos castelos, igrejas e portões que se abriam para que os restos dos banquetes
consolassem às famílias que na miséria toda a riqueza produzia
Estruturas
que as colunas, as peças e as cantigas se encarregavam de adorná-las como muito
bem lhes convinha
Carruagens,
bondes, volume, cores e intensidade imaginativa
Quero,
enfim, coser sob os assoalhos destas estrebarias
Vasculhar
as frestas que ficaram esquecidas
Encontrar
num fundo falso de uma gaveta soterrada da cozinha
Algum
indício de que alguém guardava ali o seu penico preferido
Janelas,
vitrais, orquestras e partituras que excitam a tradição moralista
Jarros,
castiçais e porcelanas polidas por uma gama de criadas arredias
Pinos,
pregos, ferrolhos, madeira e dobradiças
Luzes,
trevas, cabaças e cantis
Armazenando
líquens para que as estátuas fossem facilmente reconhecidas
Escadas,
corrimões, degraus e renovadas tapeçarias
Sinos
e sinetas, alarmes e campainhas, mensageiros a serviço das damas e dos
cavalheiros que desde os seios de suas amas eram prometidos
Devoção
às chamadas dos teatros onde as vedetes contraíam e repassavam sua sífilis
Espaços
em que os assentos, dos desprazeres da luxúria, muito conheciam
Árias,
sonetos, tragédias e galanterias para que as perucas, as braçadeiras e os charutos
inspirassem uma sátira aos que nas fogueiras sempre acesas ardiam
Torres,
calabouços e masmorras que também cumpriam seus papéis na arte de manter a
plebe submissa
Impostos
sobre as pontes, os moinhos e a resistência que a cavalaria jamais se esquece
de relembrar com toda a fúria de suas hipocrisias
Observando
a respiração
Retirando
as medidas
Imbuído
em nuances
Que
a alma humana talha e molda à sua revelia
Agulhas,
linhas, texturas e misturas para as cortes em que os bobos e os perfumistas
entretinham
Os
quais, apesar dos afazeres necessários à cortesia,
Banham-se
com as águas de uma corrente sulfurina
A
lenha, as chamas e as novas guilhotinas... todo o arsenal que auxilia nas
execuções como ainda ordenam os decretos emitidos
Os
troncos, os cumes, as caçadas e escaladas que ocorrem no interior das montanhas
submarinas
Os
êxtases, as peles e as fibras que permitem aos autos-de-fé dar vazão às suas
reprimidas energias
Enchendo-os
tanto de estimas que somente um escudo ou brasão é capaz de conferir-lhes
honrarias
Névoa
no parapeito do chafariz da nossa vida
Semáforo
do globo ocular que catarata desenvolvia
Veias
que saltam e assaltam cada corpo
Mesmo
que um significado particular venha a ser acrescido
Às
águas gélidas de um verão enfurecido
Sanatórios
e suicídios
A
vivência e a filosofia que não nos contam nem se preocupam em inserir em seus
livros
Encobertos
pelas folhas que também marcham, murcham e são esmagadas sob os pés dos
passantes de outros tempos findos
Cavaletes
e bastões, tesouras, fitas, pincéis e obstinações expressas em folhas
ritualísticas
Há,
assim, folia, algazarra, músicos tocando para que os ritmos ajudem aflorar a
perfídia
Que
o sol e a lua, as estrelas e os meteoritos não se cansam de observar
Nas
galerias de uma múltipla caverna onde o que predomina são as sombras das
estalactites
Precipícios
de uma fauna e de uma flora em que as guerras químicas só viriam a acrescentar
mais e mais ogivas
Botões
a serem apertados
Toda
vez que a abundância aparecer despida
E
os machões se sentirem tocados
Pela
gana de manterem seus impérios de ternos cortados e passados
No
vapor destas investidas de todos e todas
Que
acreditam que precisam estar impecáveis
Quando
seus tronos receberem outros cortes
Que
até agora os costumes ainda não instituíram.