Zuleica achava-se feia. E não
havia um dia em que deixava de se imaginar assumindo outra aparência.
Zuleica trabalhava numa fábrica de costura. E como lhe era difícil lidar com as
contas que só cresciam no comércio. Quem dera lhe sobrasse um pouco de tempo
para se cuidar e então viver como todas aquelas mulheres que lhe falaram serem
tão belas! Seus filhos sempre lhe davam mais e mais despesas. O caçula, este
mês, fizera a gentileza de quebrar um dos vidros do colégio e o diretor
chamou-a para lhe entregar a nota com mais um valor a diminuir do seu já
comprometido orçamento. Seus maridos não quiseram nem saber. Deixaram-na
sozinha com os meninos e também com suas manias de grandeza. Desse jeito,
pensava ela, seria quase impossível conseguir juntar algum dinheiro para,
enfim, satisfazer-se. Sacrificava-se, pensando em como encontraria uma saída
para o seu desespero. Zuleica sonhava junto de suas amigas na empresa. Viam-se,
então, saindo de uma clínica com outros corpos. Outros homens, com outros
olhos, a lhes perceberem. Costuravam e sonhavam. Dia após dia, novas velhas
encomendas que lhes faziam correr. Começavam cedo e de lá só saiam quando o dia
não lhes deixava mais a menor leveza. Rugas apareciam cada vez com mais
frequência e eram notadas como castigos destinados somente às suas existências.
Zuleica queixava-se à sua mãe, alegando que não aguentava mais o emprego. A mãe
ralhava, mostrando que não havia outro jeito. Não era este serviço mais leve
que o que havia deixado no abatedouro onde tinha trabalhado durante tanto
tempo?! Zuleica consentia; afinal, tinha os pequenos, sua juventude dançando pelas veias. Como mãe solteira, impunha-se toda a culpa por não ter
sido mais esperta. Responsabilizava-se por ter se envolvido com aqueles tipos
de sujeitos. Não se perdoava e os seus erros foram se transformando em armas
sempre apontadas e disparadas voluntária ou involuntariamente contra si mesma.
Zuleica, no entanto, apaziguava seus anseios. Cozinhava em fogo brando os
sonhos que desde pequena vinha tendo. Ainda se lembrava das antigas
brincadeiras. Das cenas dos filmes e das telenovelas que com ela muito mexeram.
Dos garotos que namorara e que acreditava que iriam cobri-la de carinhos e de
presentes. Onde estariam eles? Quando encontraria um verdadeiro companheiro?
Alguém que lhe tratasse com algum respeito? Mudaria mesmo que isso lhe custasse
o mais alto preço! E assim, buscando uma solução, encheu-se de novos problemas.
Dias na fábrica, noites em claro, homens que mais uma vez só se importavam
consigo mesmos. Zuleica trabalhou arduamente, esquecendo-se do que tinha por
dentro. Com o dinheiro economizado com os programas, marcou uma consulta e lá
foi ela explicar ao doutor o que desejava que fosse feito. Pago o preço,
assinado o termo, deitou-se na mesa de cirurgia e de lá saiu outra, realmente.
Acabou com o rosto enfaixado, o corpo todo inchado, sendo por fim encaminhada
para ser identificada e velada, enterrada e lamentada por todos aqueles que há
tempos não a viam assim tão de perto.