A gente escreve sobre o que acha
que pensa. Acredita que sabe. Tentando mais entender do que mostrar. A gente
escreve sobre aquilo que está dentro. E que é visto com surpresa quando o
reparamos lá fora. A gente escreve com o que é. Imaginando como gostaria que
fosse. A gente mente. Desaparece com todos os esboços. A gente escreve sempre
que precisa. Sem fórmulas. Apenas dançando os ritmos. Mesmo se o fizermos todos
os dias. A gente escreve para escapar. Frequentar o desconhecido. Voltar com
diferentes revisões. E talvez escolher o que tem para ser escolhido. A gente
escreve. A gente fala. Institucionaliza as relações. Delimita nossas
linguagens. A gente parece que quer mesmo se livrar do que não precisa ser
permitido. A gente escreve para retomar alguma canção. Assoviando a melodia até
que ela mesma a sua forma lhe sugira. A gente palpita. Exagera. Muda o
compasso. Maravilha-se. Quando partimos ou nos achegamos a uma elipse
esquecida. A gente apenas diz o que vê. Garimpando os nossos redemoinhos. Lavra
alguma impressão. A gente desenha. Pinta. Esculpe. Atua. Costura. Sequencia.
Erra. Acerta. Corrige. Dá movimento às notas que nos frequenciam. A gente
escreve e os significados extrapolam o que a gente imagina...
9 de dezembro de 2013
Aprendendo com a escrita
2 de dezembro de 2013
Umbigo ambíguo
Aquele umbigo era
mesmo esquisito. Imaginem vocês que ele às vezes dizia que gostava de estar
perto de outras pessoas. De ouvir o que elas lhe contavam sobre os conflitos,
as nuances de humores, as superstições que muitas famílias acabam incutindo em
seus filhos. Que lhe era agradável a intimidade com alguns dos outros umbigos.
Insistia que estas presenças lhe faziam entender um pouco mais as dúvidas sobre
por que, onde e como vivia. Enquanto em outras, ele ficava na sua. Não achava
que valia a pena tentar mostrar-se junto à sua barriga. Ao corpo ao qual ele
também pertencia. Não fazia questão de ir à luta. Pois sentia que entre eles
não havia a menor sintonia. Nada. Absolutamente nada – ele admitia – os afilava
enquanto amigos. Era um umbigo difícil. Muito parecido com aqueles poetas que
vivem num tempo, mas que detestam seguir os seus ritmos. Umbigo tranquilo.
Seguro de si – sempre quando havia alguém para torná-lo alguém. Dando-lhe
sentido. Falando sobre o seu caráter. Afirmando-o ou repreendendo-o. Negando-o
ou até ajudando-o com o trabalho diário de aportar o seu navio. Nesta ilha que
chamamos de vida. Uma ilha onde os próprios nativos sentem-se ameaçados pelos perigos
que, mesmo sabendo, todos contribuem para que eles sejam ainda mais contínuos.
Umbigo carente. Autossuficiente. Dependendo da situação vivida. Certa feita me
disse que tinha verdadeiro horror às obras que alcançavam os rankings e que
ganhavam os prêmios mais concorridos. Assegurava que ainda são poucos os que
procuram entender os critérios usados para alçá-los a esta posição e que tanto
os pódios quanto os conteúdos já nasciam de uma categoria previamente definida.
Onde será que ele queria que eu levasse a minha reflexão de cuidador
terceiranista? Outro dia, relembrava que se os clássicos desagradaram
constantemente à maioria, como é que agora as consciências sensitivas
reconheciam um clássico só por que era o mais vendido? Repetia que não era de
modo algum um saudosista. Que ele simplesmente não conseguia aceitar as
relações apenas como elas vinham se construindo. Imaginava. Procurava de várias
maneiras. Na experiência do passado. Na expectativa pelo presente e pelo
futuro. Um bom jeito de fazer-se mais participativo. Sem os excessos cometidos
pela busca pelo que já se mostrou antídoto ineficaz quando a questão é a nossa
finitude e sua inconsequente negativa. Umbigo exagerado! – concordavam em
uníssono. Quando é que ele deixará suas manias e passará a se enturmar mais,
como todo bom umbigo repatriado, deveria? Ainda mais numa época como aquela em
que todos festejavam, trocando presentes. Parcelando suas compras. Aumentando
inclusive suas apostas na loteria! Seria ele mais um desses umbigos que são
escondidos em hospitais, asilos ou clínicas de pouca valia, quando se precisa
manter a casa pronta para receber todas as visitas? Estarei eu livre dessa
tragédia ou não passarei de outro interno que se diz no emprego de cuidador só
porque preciso desta piedade e também deste salário para, com minha moral,
visitar o doutor e pedir, mesmo com todos os remédios que ingeri sem saber se
realmente eram precisos e que agora impossibilitam minha fala, me examine?
Diagnosticando-me como outro umbigo incorrigível?!
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